208 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 129
nenhum outro que com mais devoção se lance nessa grande cruzada.
As minhas palavras dirigem-se ao Sr. Ministro da Educação Nacional. Conheço a sua força de vontade, a grandeza dos seus ideais, herdados de um santo velhinho cuja vida de professor floriu numa esplêndida dinastia de duas gerações de intelectuais, um dos quais, mercê da sua impecável técnica, conquistou no campo da anatomia e da teratologia o sufrágio da ciência internacional. Refiro-me, já o deveis ter calculado, ao Prof. Joaquim Alberto Pires de Lima.
E, pois, ao cérebro e ao coração do Sr. Ministro da Educação Nacional que se dirige a minha modesta sugestão: inunde S. Ex.ª os nossos estabelecimentos cie ensino geral com laboratórios e oficinas, destinados a criar esse ambiente de tecnicidade que é mister; torne compulsório no curriculum - dos estudos gerais o contacto da mocidade com esses centros de trabalho que, confiados a jovens assistentes, full-time, e convenientemente pagos para se lhes garantir uma situação económica desafogada, educarão a gente nova no respeito à dignidade do trabalho manual e no amor à blusa e à ganga de artífice, que são as vestes sagradas das oficinas; incite e estimule a investigação experimental dos nossos professores, provendo os seus laboratórios de equipamentos modernos destinados a enfrentar as exigências da técnica que avança dia a dia a passos de gigante; e multiplique, pelo menos nestes cinco anos, as bolsas de estudo para os centros técnicos do estrangeiro, recrutando jovens nossos, de talento, que, cheios de devoção pela causa santa de um Portugal próspero, dos centros de países avançados no campo da técnica - notavelmente da América do Norte e da Suíça -, se comprometam por sua honra a vir servir o País, importando para ele a excelência e o acabamento da moderna técnica estrangeira e o ambiente do trabalho manual fecundo gerado por cerebrações educadas na atmosfera da experimentação em oficinas e laboratórios.
E uma grande obra que S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional é chamado a realizar. Está na tradição e na ancestralidade do povo português, que na escola de Sagres teve a mais perfeita das escolas técnicas do seu tempo.
Assim se fez no Japão. Assim o faz o Brasil.
E vereis, meus senhores, como dentro de pouco tempo teremos uma equipe de técnicos habilitados a enfrentar os melhores problemas dessa técnica moderna que revolve o Mundo, como uma tal revolução modificará rapidamente a nossa educação técnica em bases inteiramente novas e como os nossos profissionais, vivendo e trabalhando em um ambiente que hoje lhes falta, poderão agir no concerto internacional em perfeita igualdade com os seus colegas mais especializados do estrangeiro, guindando a honrosas alturas a cultura e a técnica portuguesas, como o têm feito e estão fazendo uns poucos privilegiados, cujos nomes, mercê de insanos esforços e sacrifícios pessoais, têm sabido elevar lios centros internacionais o nome de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: deixei ontem bastante apreensivos os nossos amigos lavradores do Norte.
Apreensivos e muito preocupados.
A grande intranquilidade assim gerada, se vista de relance, apresenta-se paradoxal, porque não deriva de colheitas excessivamente escassas, de prejuízos graves causados por intempéries ou de estragos anormais devidos a pragas inimigas das culturas.
Até se verifica relativa fartura de géneros agrícolas nos casais de lavoura, onde as tulhas estão regularmente sortidas de cereais.
Também as batatas e as cebolas ali se amontoam mas vão grelando e apodrecendo u falta de mercado compensador.
O vinho continua a encher as adegas dos produtores, porque a última colheita fora regular. A procura, porém, é insignificante, porque se limita ao indispensável para abastecimento ou jour lê jour do consumo, que, importa dizê-lo, continua a ser regular.
Desta forma, os preços caminham velozes para a derrocada.
Algum vinho de menor graduação corre o risco de a vinagrar.
O gado vai envelhecendo nos estábulos e cortelhos à espera de cotações remuneradoras. As actuais são ruinosas para a lavoura, sendo certo que o público continua a pagar a carne do a mercado negro" a preços exorbitantes. Alguém lucra com este estado de coisas.
Por outro lado, os pés-de-meia vão minguando e as arrecadas deixam de enfeitar as orelhas das camponesas, para regressarem à triste função de penhor para as despesas urgentes.
E se as dificuldades continuarem no mesmo ritmo, teremos o desgosto de ver que à porta das conservatórias volta a formar-se o lúgubre cortejo das hipotecas.
Mas já vai havendo fartura de clientela para letras e outros títulos de dívida.
E que estamos no mês em que se pagam as contribuições prediais e outros encargos do fisco que não esperara: juros de mora, relaxes e execuções.
As jornas do pessoal agrícola subiram, e não pode, de uma maneira geral, pensar-se em baixá-las, porque, além da conveniência de ir defendendo o nível de vida dos que trabalham na lavoura,
correr-se-ia a séria contingência da sua derivação para outras actividades, onde recebem salários notoriamente mais elevados.
Tudo aquilo de que o lavrador precisa, fora dos produtos da respectiva lavra, e que, de uma maneira geral, sempre pagou caro, agora, em face do pouco que recebe (quando recebe ...) da venda dos seus géneros, constitui encargo incomportável.
Repito: os jornaleiros procuram noutras actividades o indispensável para viverem; e sei de casos em que os rendeiros (caseiros, como se diz no Norte) abandonaram as terras porque os géneros ou não se vendem ou não dão o preciso para viver.
Sr. Presidente: apreensivos e preocupados, afirmei eu que deixara os nossos amigos nortenhos, mas confiados no seu esforço para arrastarem com todos os obstáculos, quer de uma natureza hostil, de conjunturas económicas inevitáveis ou de providências que, não correspondendo ao desejo de quem as ordenara, arrefeceram o entusiasmo com que todos - lavoura, indústria e comércio -, confiada e decididamente, haviam respondido ao apelo do Governo para a intensificação das actividades produtoras.
E permanecem esperançados de que providências acertadas e oportunas os venham ajudar a vencer as dificuldades com que agora lutam.
Assim, a deliberação governamental de tornar livre a circulação do milho, com a garantia de um preço mínimo para combate à especulação baixista, agradou a produtores e consumidores e feriu o respectivo "mercado negro", que chegara a guindar aquele cereal (alimento de grande parte da população, sobretudo da nortenha) a cotações à volta de 100f por alqueire.
Como geralmente também agradou a libertação da lenha e vão sendo recebidas com alegria todas as determinações que visam a restituir os géneros a uma circulação sem entraves.