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29 DE JANEIRO DE 1948 211

muito extraordinário que pareça, os da própria metrópole.
A nossa capitação de consumo da bebida nacional por excelência, do vinho produzido pelos nossos vinicultores, auxiliados por condições excepcionais de solo e clima, continua a ser muito baixa.
Precisamos de ensinar os portugueses a beber o vinho da nossa querida terra.
Quando se discutiu o aviso prévio do nosso ilustre colega cónego Mendes de Matos pôs-se em evidência a necessidade, e até a conveniência para a saúde, de uma propaganda do vinho que o vá substituindo a outras bebidas, quase todas estrangeiras, e que são factores do alcoolismo, bebidas de raro consumo nas tabernas, mas correntemente preferidas em botequins, bares e equivalentes.
Pois, Sr. Presidente, acabo de ser informado de que uma câmara municipal deliberou a proibição da venda de vinho nos cafés!
Sem mais comentários.
Nem o tempo regimental daria para isso, e, se ainda dispusesse de alguns minutos - que não disponho -, aproveitá-los-ia para tratar de muitos outros capítulos deste momentoso problema.
Mas recordo o apelo lançado à Nação e afixado largamente em todos os lugares, em que se dizia mais ou menos o seguinte: "Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses".
Sim, é de acertado conselho, e até a própria Medicina o afirma, recomendar o vinho como bebida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas não a preços aviltantes, que atirariam o lavrador para a ruína, privando-o dos recursos indispensáveis ao pagamento de tributos ao Estado e corpos administrativos, ao sustento das respectivas famílias e à liquidação dos salários dos que com ele trabalham de sol a sol, e em vigílias e sob os maiores intempéries, para que à população não falte o preciso para se alimentar e a muitos industriais as matérias-primas indispensáveis à sua laboração.
Que os vinicultores não desanimem, não esmoreçam, e, sobretudo, não entreguem esses vinhos a preços vis.
Feitas as contas e comparadas com as de outras colheitas, os bons vinhos de 1947, agora nas adegas, devem valer à volta de 1.500$ cada pipa.
As providências ordenadas pelo Governo e pelos organismos corporativos demonstram que há a decisão firme de defender a vitivinicultura.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio dos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão, sobre o problema do pão e do trigo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cortês Lobão.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª o interesse que manifestou por este aviso prévio, mareando-o para já.
Que razões nos levaram a trazer à Assembleia Nacional este assunto?
Quanto ao problema do trigo, de que vou tratar, porque tenho um contacto directo com o homem da terra, com aquele português rude e são que dia e noite mioureja pelas vastas planícies do nosso País, insensível ao sol ou à chuva, e que tudo sacrifica, tudo, para tirar da terra, daquela terra que o viu nascer e onde quer morrer, o trigo que o há-de sustentar e à família, e as sobras, quando as há, vão alimentar outros portugueses. Tenho ouvido as suas queixas.
Conheço de perto tanto esses lutadores, pequenos de recursos mas grandes de alma, como outros, fortes lutadores, de grandes recursos, e que igualmente lutam para produzir sempre mais.
Conheço, por contacto directo, o que é essa luta permanente com a natureza adversa, essa vida de esperanças, e quantas vezes de desilusões, quando no fim de um ano, depois de tudo sacrificar na terra, com uma seara prometedora e quantas vezes hipotecada, vê no fim tudo perdido em dois dias de vento levante.
Não venho apresentar a solução deste grave problema, venho apenas pôr a posição da lavoura trigueira nesta crise aguda da sua existência, trazer modestos alvitres e também elementos que desfaçam injustas apreciações. Mas especialmente venho pedir ao Governo do meu País que ataque este problema de frente, principiando pelas medidas que julgo serem o ponto de partida para a sua solução.
Sr. Presidente: cultiva-se hoje trigo em várias terras do País, mas é no Alentejo que esta cultura tem a maior importância sob o ponto de vista económico.
Está ali o celeiro do País. Solucionado este problema no Alentejo, está dado o primeiro passo para a sua solução total.
Se bem que no Norte o trigo tenha uma posição diferente da que tem no Sul, é um facto que os três distritos cerealíferos - Beja, Évora e Portalegre - contribuem com mais de metade para a produção total.
Isto é confirmado pelos números da Federação Nacional dos Produtores de Trigo:

[Ver Tabela na Imagem]

É portanto desta região que primeiro me vou ocupar, e muito especialmente do distrito de Beja, distrito que figura normalmente com um quarto da produção total do País deste cereal.
Desejo dar a conhecer a muitos portugueses o que representa de sacrifício esta cultura, a mais ingrata, a mais contingente, e que exige somas avultadíssimas de capital.
Muitos, que não passaram o Tejo para a outra margem, apenas sabem que existe o Alentejo e que ali se cultiva o trigo que eles hão-de comer.
Alguns, porém, passaram e embrenharam-se pelas extensas (planícies alentejanas.
Uns e outros consideram o lavrador alentejano rotineiro, atrasado.
Para uns, todas essas planícies deviam estar permanentemente cultivadas, dizem.
Para outros, o lavrador do Alentejo não cultiva mais porque vive bem, não precisa, vive na abastança.
E para confirmar esta sua opinião apontam um ricaço que vêem passar, ostentando luxo, com um ou mais automóveis, sabem de passeios ao estrangeiro, etc.