4 DE MARÇO DE 1948 288-(87)
Grande parte destas despesas foi absorvida pelo Ministério da Guerra e em menor escala pelo da Marinha e Obras Públicas, mas também em outros sectores da vida do Estado houve aumento de gastos.
O ano de 1946, depois de 1943, foi o de mais avultadas despesas extraordinárias, e nesta gerência o Ministério das Obras Públicas foi aquele em que se deu o seu maior desenvolvimento.
Para liquidar tão elevado gasto nestes anos houve o recurso ao empréstimo em larga escala e o que faltou pagou-se por força de excessos de receitas ordinárias, de saldos de anos económicos findos e de rendimentos de pequena importância de outras origens. Mas, por larga margem, foram os empréstimos e os excessos de receitas ordinárias que liquidaram as grandes despesas extraordinárias.
Já se aduziram atrás algumas das razões que permitem prever as insuficiências no futuro de receitas para liquidar tão alto nível de gastos extraordinários. E disso deriva a necessidade, que aliás não é de agora, de comprimir, na medida do possível, o consumo de receitas desta proveniência.
Há-de ver-se adiante, quando se estudar cada uma das obras realizadas, a sua importância e utilidade, e então se verificará onde é possível reduzir os programas de trabalhos e das despesas.
Uma das características dos serviços encarregados de construir este ou aquele melhoramento ou obra é o que se pode chamar a sua longevidade. Uma vez formado, ou uma vez iniciada a obra ou incluída a verba no orçamento, ela como que marca lugar definitivo nas coutas. Persiste ano após ano. É o caso do Estádio Nacional, das obras da base naval, da Cidade Universitária de Coimbra, que parece estar longe do seu termo, e de tantas outras que todos os anos se acrescentam às listas normalmente publicadas nestes pareceres.
Existem, sem sombra de dúvida, grandes necessidades no País, em muitos aspectos da sua vida. Mas não se deve ignorar este simples facto: financeiramente, a Nação não é rica. Enquanto não forem desenvolvidos muitos dos recursos potenciais latentes, activada a produção e melhorado o seu rendimento, não pode aumentar muito a capacidade tributária. Este é um facto que parece não poder sofrer controvérsias, e já rios de tinta se escreveram sobre ele.
Ora, em última análise, é da carga tributária que saem as receitas para pagar tanto as despesas ordinárias como as extraordinárias.
Os encargos dos empréstimos são liquidados por força das receitas ordinárias - agora ou depois - e os saldos não são mais do que excessos de receitas ordinárias do passado.
Enquanto, como no período da guerra, o frenesim dos negócios e a alta dos preços de exportação permitiam grandes lucros, o Estado podia sem grandes inconvenientes aumentar as receitas, e aqui, com vigor, se recomendou forte tributação. Mas esse tempo passou. Já lá vai. E reentramos agora num período difícil.
Não convém torná-lo mais difícil ainda por desmedido alargamento de despesas extraordinárias. Não convém nem à economia interna nem à própria vida financeira do Estado.
O recurso ao crédito deve limitar-se, cada vez mais, às quantias necessárias para custeio de obras reprodutivas, e para este fim se devem canalizar tanto quanto possível os excessos de receitas ordinárias, se os houver.
2. As palavras que acabam de ser escritas não se escrevem por mero desejo de lançar tintas escuras sobre uma situação que, por enquanto, parece desanuviada. Escrevem-se com a intenção de tentar neutralizar o que já aparece sombriamente no horizonte.
O nível dos ordenados nos serviços públicos é baixo, ato em comparação com o nível de salários da actividade particular. E o fenómeno, bem conhecido de todos os que tom a seu cargo dirigir. organismos do Estado, é, em súmula, este: os funcionários mais competentes, se têm oportunidade, trocam os seus lugares por outros que lhes dêem melhor remuneração. E até está a dar-se em certos sectores da vida pública outro fenómeno, que a ser permitido, ainda mais perniciosos efeitos trará à engrenagem burocrática: o do ingresso nos quadros de pessoas que em outras circunstâncias possìvelmente neles não entrariam.
Todos estes factos são conhecidos e já começam a surtir efeitos. Explicam, até certo ponto, alguns paradoxos, que necessitam de deixar de o ser.
3. Parece ter-se chegado ao estágio de uma completa e conscienciosa revisão da vida financeira do Estado e, como consequência, de toda a sua vida burocrática. Os grandes abalos deixam sempre um rasto poeirento, que se traduz em confusões e abusos, contrários muitas vezes às regras estabelecidas. A guerra espalhou destes vestígios por toda a Europa ou, melhor será dizer, por todo o Mundo. A sua nefasta influência também se fez sentir entre nós, não apenas nos inevitáveis efeitos sobre a economia interna, mas também sobre o ordenamento racional da própria vida do Estado: na facilidade com que se encetam obras escusadas, na simplicidade com que se gasta dinheiro que poderia ser poupado, no uso imoderado e contrário aos regulamentos de meios de trabalho que devem ser usados só quando necessário, como por exemplo automóveis, na publicação de medidas que, sob a forma de verbas totais ou de autorizações de ordem geral, permitem o gasto de verbas que poderiam ser evitadas, na tendência para não considerar as receitas do Estado no significado que elas realmente têm - uma percentagem sobre os rendimentos da actividade agrícola e industrial do País, numa palavra, sobre o trabalho nacional.
O exame das despesas ordinárias já revelou, e então se debateu o assunto, certo número de questões que indicam a necessidade de uma interferência severa do Ministério das Finanças nos problemas da organização dos serviços.
O exame das despesas extraordinárias confirma essa necessidade, que tem de estender-se ao grau de utilidade de cada uma das dotações concedidas e ao rendimento dessas dotações.
Nunca se criou a Intendência Geral do Orçamento, como havia sido proposto em 1928, e perdeu-se assim uma excelente ocasião de vigiar os gastos públicos através de um órgão independente. Parece ter chegado o momento em que não poderá ser adiada por mais tempo a fiscalização superior dos serviços, ou por intermédio de um Subsecretariado, no Ministério das Finanças ou na Presidência do Conselho, ou de qualquer outro modo.
Receitas e despesas desde 1928-29 a 1946
4. O total das receitas desde o início da reorganização financeira foi o seguinte:
Contos
Receitas ordinárias ........ 44.976:389
Receitas extraordinárias ... 6.693:863
Total ........... 51.670:252
No mesmo período de tempo as despesas ordinárias e extraordinárias somaram:
Contos
Despesas ordinárias ........ 37.443:426
Despesas extraordinárias ... 11.002:221
Total ........... 48.445:647