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296 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 183

avaliar com justeza o reflexo deste facto, em presença dos importantes factores directos que se seguiram.
A proclamação da República federal no Brasil, a que não foi estranha a abolição da escravatura pelo Império, excitou os ânimos de alguns idealistas de há sessenta anos e nimbou de esperanças os espíritos mais sugestionáveis ou optimistas. Luís de Magalhães acentua-o nas suas crónicas da Revista de Portugal.
Mas veio logo a seguir, em 11 de Janeiro de 1890, o brutal ultimatum da Inglaterra para que Serpa Finto retirasse as tropas portuguesas das regiões do Chire, dos Makololos e Machonas; e este foi o rastilho do grande incêndio que lavrou, ateado pela sensibilidade patriótica da Nação, profundamente abalada.
E então, em vez de todos os portugueses cerrarem fileiras à volta do seu Rei, para, como um só homem, imporem ao invasor a vontade da Nação, a batalha desencadeou-se viva, agressiva, insultuosa e violenta, mas dispersa e desordenada. A anarquia política, enfim, e com ela a especulação dissolvente, demolidora.
Barros Gomes, que andara embevecido na utopia do «mapa cor de rosa», pelo qual, na expressão de Oliveira Martins, pretendíamos abraçar a África com as mãos ambas, sem termos em conta a noção das realidades e as nossas possibilidades, Barros Gomes - dizia eu - foi o primeiro alvo, não obstante se ter esforçado por conjurar o perigo e salvar a honra da Nação, levando a Inglaterra a cumprir o Acto Geral da Conferência de Berlim, que impunha a arbitragem. É certo que, depois, o Conselho de Estado teve de ser mais cauteloso e prudente do que o Ministro dos Estrangeiros; mas era o único remédio, porventura a única salvação possível, perante a ameaça cruel, em vias de realização. Salientou-o, com a sua pena brilhante, António Enes, que viu os factos consumados, com competência, autoridade e patriotismo de que ninguém pode duvidar.
Mas isto não era o que importava aos adversários do regime; e foi portanto sobre a Coroa, há pouco cingida por um rei sem culpas, que passou a incidir a violência das campanhas, a que não foram infelizmente estranhos muitos dos monárquicos, como sucedeu noutros passos lúgubres da nossa história política.
O facto em si do ultimatum e mais tarde o tratado de 20 de Agosto e aquela liberdade de critica - que era licença - foram de feição para a propaganda republicana. Depois, a revolta, localizando-se no Porto, eclodiu precipitadamente em 31 de Janeiro, contra o conselho dos do Directório e dos idealistas, que perderam o seu controle.
Sim: além de antinacional e antipatriótica, a rebelião de 31 de Janeiro foi precipitada e contrária a ordens e prevenções dos dirigentes da causa e aos desejos e prudentes conselhos dos mais assisados. Basílio Teles atribui ao Directório o propósito de alhear de si, no caso de o não poder impedir, as responsabilidades de um acto que se lhe afigurava nina loucura.
«Desacerto palpável» lho chamou depois o próprio alferes Malheiro. E o tenente Manuel Maria Coelho, conhecedor da precipitação e da incrível leviandade que presidiram às últimas deliberações, já previa em que vinha a liquidar o movimento.
E - é também mister acentuá-lo - o movimento não passou de uma conjura de sargentos, levada pelos acontecimentos. Basílio Teles, no livro Do ultimatum ao 31 de Janeiro, confessa que o incidente decisivo foi a ameaça de transferência de alguns sargentos, por terem assistido a determinada reunião na Bua das Flores. E acrescenta que os ameaçados, vendo-se ou presumindo-se descobertos, «consultaram-se» e resolveram «defender-se»; expressão sua, que, afinal, mostra que a revolução não foi um ataque; foi uma defesa!...
E defesa de quê? Defesa da Pátria? Defesa da honra da Nação ultrajada? Defesa de um ideal?
Não!
Foi defesa contra uma ameaça! E foi defesa de galões!
É que Basílio Teles esqueceu-se de acrescentar que a motivo da reunião da Bua das Flores, e portanto a causa directa da eclosão desordenada da revolta, foi a promoção de três aspirantes ao posto imediato, com preterição dos sargentos, que se julgavam com direito a um dos acessos!
Esta é a verdade histórica.
Planeava-se na verdade uma revolução; mas o ambiente não lhe era propício, especialmente depois de o exército ter satisfeito a sua aspiração de ver colocado à frente do Governo o general João Crisóstomo.
O que fica exposto, acrescido da conhecida promessa de novas divisas, veio aumentar o número dos aliciados, e dos revoltosos.
Tanto é verdade o exposto que o batalhão de caçadores n.º 9 saiu para a rua comandado apenas por sargentos; e foram estes que, a caminho de Santo Ovídio, convidaram para o seu comando o alferes Malheiro, quando, ignorante do que se passava, fazia, com os seus soldados, quarto de sentinela à cadeia da Relação, onde, por sinal, o panfletário João Chagas estava detido. Malheiro sentiu por aquela gente «uma imensa piedade» (expressão sua), e acompanhou-os sem fé no resultado. Não quisera que o julgassem medroso ou desleal.
Infantaria n.º 10 amotinou-se e saiu, também comandada por sargentos, e só depois, na Bua do Triunfo,, assumiram o seu comando o capitão Leitão e o tenente Manuel Maria Coelho, embora descrentes, como aquele, do sucesso da aventura. Nenhum oficial nas sublevações e, posteriormente, apenas três no comando. Só um capitão e dois subalternos quiseram seguir a sorte dos amotinados.
A chefia esteve apenas nas mãos do civil Dr. Alves da Veiga, que, sem qualquer vislumbre de vitória, proclamava das janelas dos Paços do Concelho uma república que pouco tempo depois ele e as outros haviam de abandonar, entregue nas mãos de pobres soldados inconscientes e de alguns civis, encurralados e irremediavelmente perdidos no último reduto.
O capitão Leitão, simples, ingénuo, crédulo, mas valente, absolutamente refractário à, evidência das razões mais singelas e dos factos, mais contribuiu para os desacertos que precipitaram a derrota, por ter exposto os revoltosos, na íngreme Bua de Santo António, à tropa fiel, postada em Santo Ildefonso. Perante o ataque das forças, fiéis, a debandada dos civis foi logo completa.

A confusão foi pavorosa - diz Basílio Teles. Num remoinhar tumultuário, desesperado, vertiginoso, a turba oscila, corre, atropela-se, precipita-se nos portais, rola em vaga pela escadaria do Príncipe Real, resvala em torrente mugidora pelo declive rápido da rua.

E o caudilho verbera os erros cometidos pelos chefes militares e civis: «Tantos erros, tantas loucuras e tantos pavores prematuros!», exclama.
Actos de heroísmo? Houve-os isolados, sem dúvida; mas o testemunho insuspeito de Heliodoro Salgado, citado pelo Sr. Rocha Martins, disse, na Insurreição de Janeiro:

A defecção foi geral e, apesar de todas as lendas que à inventiva dos noveleiros aprouve criar, o que é facto é que na Bua de Santo António não houve heróis; houve mártires, que foram os que morreram à primeira descarga.