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14 DE ABRIL DE 1948 443

Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 104, do Sr. Deputado Sá Carneiro, sobre inquilinato, da proposta governamental sobre questões conexas com o problema da habitação e dos respectivos pareceres da Câmara Corporativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: ao dirigir a V. Ex.ª os meus cumprimentos, lastimo que não lhe seja possível, sem abandonar a direcção dos trabalhos, intervir na discussão que hoje se inicia.
É que V. Ex.ª acompanhou com tão vivo interesse o estudo da comissão eventual que está admiravelmente preparado para interferir no debate.
E essa intervenção, se por um lado nos esclareceria, por outro dava-nos ensejo de escutar mais uma vez a palavra, sempre eloquente, de V. Ex.ª
Como é natural, vou ocupar-me especialmente do projecto de lei n.º 104, e designá-lo-ei assim para não falar muito de mim próprio. Mas, porque a discussão é conjunta com a da proposta n.º 202, versarei em traços largos os três problemas que o Governo julgou conexos com o da habitação: expropriações por utilidade pública, direito de superfície e sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada.
As normas ora propostas sobre expropriações por utilidade pública fazem esperar que o Governo, uma vez convertida em lei a proposta e publicado o regulamento de que, segundo a Câmara Corporativa, deve depender a vigência da nova lei, elaborará o tão almejado Código das Expropriações, de que se fala há perto de vinte anos.
Definido agora o regime das expropriações por utilidade pública, fácil será a sistematização de todas as disposições num corpo de leis que facilite o estudo da matéria e a aplicação dos preceitos legais.
A oportunidade dessa parte da proposta não pode discutir-se, e, se algum reparo há a fazer, ele consiste em mais cedo não ter sido definido o instituto da expropriação por utilidade pública em princípios actuais e que conciliem o interesse público com o particular.
O que pode controverter-se é se esse problema das expropriações é verdadeiramente conexo com o da habitação.
À primeira vista, parece que a expropriação de prédios pode até fazer com que haja maior falta de casas, e a situação dos ocupantes das habitações expropriadas não passou despercebida à Câmara Corporativa.
É, porém, incontestável que a abertura de novas artérias facilitará a construção de prédios em termos de alojarem muitas famílias.
Quanto à essência da proposta, ela deu-me a grata impressão de ser justa.
Não se topa ai nada que choque, que constitua extorsão dos legítimos direitos dos proprietários, o que nem sempre tem acontecido em diplomas publicados a este respeito.
Por isso mesmo a proposta não mereceu reparos graves à Câmara Corporativa, cujo douto parecer, no entanto, a melhorou consideràvelmente.
O parecer n.º 29, que tinha de ser extenso pela multiplicidade dos assuntos que versava, reflecte um espírito de bem doseado equilíbrio entre a teoria e a prática e até a preocupação de purismo de linguagem, revelada, por exemplo, no uso da expressão «maior valia», de preferência a «mais valia».

O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença? É ainda a propósito da «mais valia».
Suponha V. Ex.ª o caso dum prédio que, avaliado em 50 contos, passa a valer 80 contos: não há «maior valia»; há, sim, «mais valia».
O contrário estaria aritmèticamente errado.

O Orador: - Para mim, «maior valia» é tanto o valor mais alto como a diferença de valores.

O Sr. Marques de Carvalho: - Mas não é: V. Ex.ª chama «maior valia» ao diferencial dos dois valores, e nesses termos, como tal diferencial pode ser inferior ao valor «menor», verificar-se-á a tal anomalia aritmética. Defendo o purismo da linguagem, com a condição, porém, de se não sacrificar a justeza da ideia.

O Orador: - Estou a ver que, a propósito de mais ou maiores valias, estamos a fazer logomaquia. Não me bato por uma ou outra daquelas expressões. Simplesmente quis louvar a ideia de casticismo que inspirou a redacção do parecer.
Reatando o fio perdido: estou convencido de que a proposta do Governo de algum modo seguiu na orientação desta Assembleia, bem vincada na lei n.º 2:018, de 24 de Julho de 1946, que foi originada por um projecto do ilustre Deputado Dr. Bustorff da Silva.
Regulamentada pelo decreto n.º 35:831, de 27 de Agosto desse ano, essa lei deu os melhores resultados, embora isto pese a algumas câmaras municipais, que se viram forçadas a remunerar prédios pelo seu justo valor. Contra u aplicação desses diplomas e julgados dos tribunais proferidos de harmonia com os mesmos houve protestos das municipalidades interessadas, sem fundamento, a meu ver.
Se porventura o tribunal colectivo em algum caso fixou valor excedente ao indicado pelo perito do juiz, isso não pode merecer reparo, pois quem julga é o tribunal, e não o dito perito.
O legislador teve o cuidado de mandar escrever os depoimentos das testemunhas, que também constituem meio de prova, a atender pelo tribunal juntamente com as demais provas.
Os critérios de fixação do ressarcimento a conceder ao expropriado têm de ser equitativos, para que não volte a repetir-se o espectáculo pouco edificante de os tribunais, para não cometerem iniquidades, terem de violar a lei.
Refiro-me especialmente a certo assento do Supremo Tribunal de Justiça, que considera rendimento efectivo o que o senhorio cobraria se não existisse a lei do inquilinato.
Quanto ao direito de superfície - instituto até ao presente desconhecido na nossa legislação, mas que existe em direitos estrangeiros - também a admissão dele pode facilitar as construções.
Poderia tentar enquadrar-se o novo direito num dos contratos-tipo que o Código Civil regulamenta, mas a verdade é que isso não seria possível sem trair o objectivo visado com o direito de superfície.
A necessidade deste é tão real que desde há anos e sob a modalidade de arrendamento - no fundo uma simulação - se pratica no Norte do País coisa semelhante.
Nos arredores do Porto existem milhares de prédios construídos por pessoas que não dispunham de haveres bastantes para comprarem o terreno. E contrataram então como arrendatários, estabelecendo-se nos títulos o prazo de dezanove anos - e não superior por causa da sisa - e que, se o pretenso senhorio não fizesse a renovação, pagaria as benfeitorias no dobro, triplo, quádruplo ou até mais.