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498 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79

Se nesta medida se confessasse expressamente que ela era a reparação do agravo que me fora feito, seria o cumprimento dum dever imperioso, um mero acto de justiça: estava bem.
Teria de o acatar, embora me privasse da glória de me sentar no banco dos réus, na qualidade do Chefe da Nação, o de ouvir pedir aos juizes do povo a minha condenação como o pior dos criminosos, por ter sacrificado sossego, saúde, vida e fortuna em promover, embora baldadamente, a conciliação da família portuguesa em nome da República.
Vem o acto do Governo revestido com as pompas de munificência do Poder; vem com as honras duma amnistia, isto é, o esquecimento perpétuo de um crime que não cometi.
Nestas circunstâncias não o posso aceitar. Quem tem por si a verdade, o direito e a justiça não carece de clemência.
Das afrontas que me foram feitas, e algumas houve, considero esta a maior; como tal a repilo em nome da minha dignidade ofendida, e contra ela protesto perante a Nação, que sempre servi com lealdade.

Lisboa, 15 de Abril de 1916.- Manuel de Arriaga».

E alguns meses depois falecia, com o coração a trasbordar de tédio e de amargura.
É possível, Sr. Presidente, que o Dr. Manuel de Arriaga não encontrasse na Assembleia Nacional, para evocar o seu nome, o orador condigno. Resta-me, no entanto, a convicção de que a sua memória imaculada tenha encontrado nesta Câmara, onde o seu aprumo moral tantas vezes se revelou, a saudade e o respeito que merece um paladino da sua estirpe.
Disse.

Vozes: - Muito bem! muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: é meu desejo dirigir um apelo ao Governo da Nação para que sejam solucionadas as consequências dum desfalque com o espírito de justiça sempre presente, sempre vigilante, na consciência dos nossos governantes e, particularmente, do Sr. Presidente do Conselho.
Já nesta Assembleia, pela voz do meu amigo e ilustre Deputado Dr. João do Amaral, se frisou que, se a missão do Deputado é «exigir o cumprimento da lei», também se deve «manifestar o desejo de que ela se não esvazie do seu conteúdo de justiça, de que não teime em sobreviver na forma quando se apagou a chama do imperativo moral que a vivifica, de que não seja, numa palavra, o sepulcro caiado de que falam as Escrituras».
Todos temos visto e aplaudido os nossos governantes na ânsia de bem servir os interesses da Nação em todas as contingências, dispostos a refrear abusos e a castigar imoralidades, sem verificar diplomas políticos nem a hierarquia social dos prevaricadores.
O castigo desce, implacável e justo, quer os atingidos usem luvas ou andem de pé descalço, num critério inexorável que se tornou uma das bases do prestígio das nossas instituições actuais.
O Tribunal de Contas tem sido, indiscutivelmente, um dos esteios dessa obra de resgate, desse ressurgimento moral e social que todos temos presente para que possa vingar uma doutrina política que é necessário servir e praticar.
Apoiados.
Não regateio louvores a essa faceta dos homens do Governo, aplaudo a sua ânsia do não deixar pousar nas cadeiras do Poder aquela poeira de nepotismo que afasta os servidores desinteressados e os deixa entregues aos apetites crapulosos.
Mas uma coisa é o acto imoral merecedor de castigo e outra coisa é o castigo de quem não prevaricou.
Falo neste momento compenetrado de que cumpro um dever; por isso me atrevo a dizer que a máquina burocrática, abandonada ao seu funcionamento inconsciente, pode abolir, com o espírito crítico, o próprio apoio moral que a torna necessária.
Se num determinado caso, como naquele que foi objecto do discurso do Dr. João do Amaral e noutros por S. Ex.ª citados, se observam consequências imprevistas de injustiça por virtude da aplicação da lei, que diremos quando a lei é tecnicamente defeituosa?
Salvo melhor opinião, parece que deve modificar-se a lei onde ela é defeituosa, em vez de a aplicar cegamente.
E esta atitude é o complemento lógico da resolução de reprimir abusos e castigar criminosos.
Com efeito, não se reprimem abusos castigando inocentes, em especial quando a estes não foram dadas as condições apropriadas para o normal exercício de funções fiscalizadoras.
O caso que vou relatar passou-se num ambiente de confiança plena, na Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, ambiente de confiança que permitiu a um funcionário amontoar desfalques desde 1931 a 1943. Como foi possível a prática destes desfalques durante tão longo período? O próprio acórdão do Tribunal de Contas nos pode esclarecer, quando nele se lê: «da aludida concentração de funções resultou também ser iludida a fiscalização do conselho de administração».
Essa concentração de funções resultava de letra expressa do artigo 443.º do Decreto n.º 19:908, de 15 de Junho de 1931:

O actual secretário da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, passando, nos termos deste diploma, para primeiro-oficial de secretaria e contabilidade, poderá desempenhar as funções de encarregado do cofre, sob a responsabilidade do director e com direito à respectiva gratificação.

Quer isto dizer que o delinquente autor dos desfalques se tornou, por força do artigo 443.º, primeiro-oficial de secretaria e contabilidade e, ao mesmo tempo, encarregado do cofre.
Tinha nas mãos todos os meios para iludir a vigilância e a fiscalização dos directores da Escola, era ao mesmo tempo secretário, contabilista e dono das chaves do cofre.
Em cada sessão ordinária do conselho administrativo, diz o acórdão,

o referido primeiro-oficial de secretaria, contabilidade e encarregado do cofre apresentava os processos de receita e despesa referentes ao mês anterior, etc.

Mais adiante:

Não é de estranhar que nenhumas irregularidades houvesse na escrita, pois o serviço de secretaria, contabilidade e escrita do cofre, tudo era feito pela mesma pessoa.

E acrescenta:

Por qualquer irregularidade cometida no exercício destas funções não é responsável o conselho administrativo, mas unicamente o director, por força do disposto no já citado artigo 443.º

Dos acórdãos do Tribunal de Contas resultou ficarem responsáveis para com o Estado (Acórdãos de 4 e 12 de Maio de 1950 e de 26 de Janeiro de 1951) os directores