502 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79
Os depoimentos e os comentários feitos pelos Srs. Deputados que me precederam completam a informação de que neste momento dispomos para formular a nossa ideia sobre a orientação a dar à reconstituição económica, que nas palavras do próprio relator do aviso prévio «nunca se pode considerar concluída».
É evidente que o clima em que foi concebida e o clima em que foi depois executada a Lei n.º 1:914 eram muito diferentes do clima de hoje. Por isso, talvez haja certa tendência para perder o sentimento das verdadeiras perspectivas. Em 1935 a reconstituição económica aparecia como uma grande e ansiosa aspiração nacional, em que a fé de um homem de eleição acreditava serenamente, com a consciência plena do seu poder de realização, e que a descrença de muitos levava à conta de mito.
Os anos passaram. A obra em boa parte realizou-se, e em certas direcções foram excedidos os planos primeiros.
Durante a guerra a atenção nacional, distraída com a falsa prosperidade, a que a alta dos preços e os negócios fáceis deram a aparência de realidade, não cuidou do que se estava passando. As despesas dos particulares e do Estado eram facilmente cobertas pela maré alta da inflação e dos lucros, tantas vezes fictícios. O financiamento da reconstituição económica ultrapassava as necessidades imediatas das obras. A tesouraria estava folgada.
Passada a guerra, o movimento deflacionista cedo se assenhoreou da situação, e chegou o momento do congelamento do crédito. Os negócios tornaram-se menos lucrativos ou começaram a dar prejuízo; a situação financeira das empresas agravou-se em muitos casos; a descapitalização ameaçou de ruína parte do comércio e da indústria; o mercado de capitais atingiu o ponto de saturação e os próprios saldos do Tesouro foram fortemente afectados.
Isto tudo é destes dias que estamos vivendo.
Pôs-se, assim, o problema do prosseguimento das obras a um ritmo útil ou, pelo menos, a um ritmo tal que a conclusão das que haviam sido encetadas não fosse excessivamente prolongada e que permitisse dar inicio a novas obras consideradas urgentes.
Foi nesta altura, num clima inteiramente novo, que a atenção do País despertou, e sofreu verdadeiro choque com a magnitude das obras realizadas e do que faltava ainda realizar. Isto causou certo desconforto e a deformação das perspectivas.
Eu creio que à situação económica criada a partir de 1947 pelo forte movimento deflacionista descompassado da grandeza dos gastos da reconstituição e dos do reapetrechamento da indústria particular, simultaneamente com a acumulação de mercadorias no mercado interno por virtude do recrudescimento abrupto das importações e com a penúria no campo, se deve atribuir a quebra do equilíbrio de onde resultou a saturação ou congelamento do mercado de capitais, causa imediata das nossas dificuldades.
Nas suas repercussões a deflação, depois de ter provocado a contracção do volume de negócios, atingiu o próprio poder de compra geral.
Assim, ao mesmo tempo que no quadriénio 1947-1950 se gastaram com a reconstituição económica mais 3.233:000 contos, ou mais 115 por cento do que no quadriénio imediatamente anterior, a massa monetária média, representada pela totalidade das responsabilidades à vista do Banco de Portugal, baixou 2.300:000 contos, uma redução de 14 por cento, sem contar com as vultosas imobilizações resultantes do auxílio condicional do Plano Marshall.
No mesmo quadriénio de 1947-1950 sumiram-se nos déficits da balança de pagamentos o melhor de 7.000:000 do contos, enquanto o mercado interno era literalmente inundado de mercadorias importadas, que a diferença de 15.601:000 contos entre as somas dos saldos das balanças comerciais de 1943-1946 e as dos saldos de 1947-1950 expressa.
O considerável acréscimo dos capitais fixados nos empreendimentos da reconstituição económica, simultaneamente com a redução abrupta da massa monetária e das nossas disponibilidades em ouro e divisas e com o aumento inconsiderado dos deficits da balança comercial, tudo isto junto, contribuiu para congelar o mercado dos capitais, ao mesmo tempo que o poder da compra geral, depois de ter subido ininterruptamente até 1946, começava a declinar, pelo menos a partir de 1947, como indicam os números relativos aos meios de pagamento internos.
Por outro lado, o volume de negócios sofreu profunda quebra em 1948 e 1949, a ajuizar pelo valor decrescente dos cheques compensados nestes anos. Enquanto isto sucedia nas câmaras de compensação, a relação entre o valor das letras protestadas e os descontos passava de 6 por cento no período 1943-1946 para 11 por cento no período 1947-1950, com o pino a roçar pelos 14 por cento em 1949, comprovando, por seu turno, a crise dos negócios.
O agravamento dos números que expressam o protesto teria sido bem mais acentuado ainda se a solidez da nossa organização bancária não tivesse permitido aos bancos uma larga medida de contemporização com os devedores por letras vencidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Feita assim a resumida análise do fenómeno deflacionista dos últimos anos, perscrutadas as suas causas e observados os seus efeitos imediatos, é a altura de considerarmos o quo neste momento se está passando e do andarmos atentos com o desenrolar dos acontecimentos.
Notou-se na segunda metade de 1950 uma viragem no recuo deflacionista. O recrudescido valor das nossas exportações metropolitanas e coloniais, desacompanhado do equivalente aumento das importações, inverteu a posição devedora da nossa balança de pagamentos, dando-lhe sinal positivo e criando assim a base para o acréscimo da massa monetária.
Se não corrigirmos oportunamente este movimento, abrindo criteriosamente as portas à importação, ver-nos-emos, dentro de pouco, a braços com uma nova arremetida inflacionista.
O País está escasso em matérias-primas e outros produtos essenciais. Já não é cedo para reconstituirmos e ampliarmos os nossos stocks, empilhando amplas reservas nacionais. Deste modo evitaremos que aos preços mundiais mais altos se incorpore também o elemento inflacionista local. Dominando a inflação e impedindo a delapidação da nossa riqueza flutuante em mercadorias daremos continuidade à actividade produtora do País.
De outro modo teríamos apenas acumulado ouro e divisas e com eles acrescido a massa monetária sem a contrapartida de um maior volume de mercadorias, o que significa menor poder de compra unitário da moeda no mercado interno.
Todas estas considerações servem para precaver os organizadores dos planos de reconstituição económica a longo prazo contra os riscos de confiarem excessivamente na estabilidade dos factos monetários ou no poder do seu domínio sobre eles.
Com efeito, as incertezas quanto a evolução do rendimento nacional e à formação anual de novos capitais, quanto ao poder de compra das populações e à actividade dos negócios, quanto à produção nacional e à acumulação de mercadorias, quanto ao volume da