7 DE MARÇO DE 1961 499
da escola, sucessivos, isto é, o engenheiro Alberto Ferreira da Silva, na importância de cerca de 1:000 contos, e o Dr. José Maria de Sousa Dias Goulão, na importância de cerca de 300 contos, incluindo juros de mora.
Pois bem: se os desfalques tivessem sido praticados nas Escolas Agrícolas de Santarém ou Évora já os directores nada teriam que ver com o caso.
Os acórdãos resolveram a questão de direito, isso é indiscutível, e não vejo que pudesse ter havido outro procedimento por parte do Tribunal.
Mas este fê-lo baseado no artigo 443.º, que é duplamente infeliz, pois veio estabelecer uma distinção entre Coimbra, por um lado, e Santarém e Évora, por outro lado; em segundo lugar, tornava quase impossível uma fiscalização normal da director da Escola, de tal modo que, conforme reza a letra do Acórdão de 4 de Maio, «não se encontravam irregularidades nos processos de receita e despesa, todos os meses verificados».
Nas outras escolas agrícolas há um tesoureiro ou encarregado do cofre escolhido entre os vogais do conselho administrativo, quer dizer, o vogal escolhido é o único e verdadeiro responsável por desfalques que venham a verificar-se.
O mesmo indivíduo, se director de escola em Coimbra, tem de pagar o que outros roubaram, mas já não é responsável em Santarém ou Évora.
Criou-se assim um critério geográfico de responsabilidades para o paralelo onde está Coimbra e outro critério de responsabilidades para os paralelos onde ficam Santarém e Évora.
Mas o conteúdo do artigo 443.º torna muito difícil de desmascarar um desfalque, a não ser que o director, além das funções de direcção, assuma as de sindicante, permanente aos actos do primeiro-oficial de secretaria e contabilidade e encarregado do cofre.
Pelo contrário, é razoável e bem definida a responsabilidade de cada um nas Escolas de Santarém e Évora.
A condenação dos directores sucessivos da Escola de Coimbra resolvida de direito, de harmonia com a lei, não é de facto justa, pois nesse artigo 443.º não ficam asseguradas as condições de uma fiscalização ao mesmo tempo normal e efectiva, porque, se efectiva, deixava de ser normal e passava a ter aspecto de sindicância.
A mesma pessoa, concentrando funções que deviam andar separadas, pôde prevaricar até um certo dia. Mas um dia um dos directores - o Dr. Dias Goulão - começou a estranhar a vida que levava o encarregado do cofre, vida que se não harmonizava com os seus vencimentos.
Começou a interrogar os fornecedores da Escola e os próprios alunos sobre seja tinham, e quando tinham, entregado as suas mesadas. As suas indagações sumárias fortaleceram-lhe as dúvidas acerca da honorabilidade do encarregado do cofre. Então ordenou um processo disciplinar e convidou o encarregado do cofre a prestar esclarecimentos.
Sentindo-se descoberto, impossibilitado de justificar-se, o encarregado do cofre suicidou-se dois dias depois.
Quando os fragmentos do seu cérebro se espalharam pela sala e atingiram o próprio tecto, todo o castigo humano cessara para esse indivíduo. Nem ao menos foi possível salvar qualquer importância do roubo. Talvez o seu pior castigo não fosse o desespero de praticar um último erro na cadeia dos seus desatinos, porque as contas foram definitivamente saldadas pela justiça divina.
Mas ficaram vivos inocentes que nem de perto nem de longe viram o produto do roubo; ficaram aqueles que a lei defeituosa castiga, mas para esses pode agir a justiça humana.
E em nome da justiça humana o Governo poderia evitar que caíssem na miséria bons lares portugueses, onde os princípios tradicionais, o temor a Deus e o trabalho se harmonizam num conjunto moral que todos temos obrigação de preparar, proteger e, agora, neste caso, defender.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Tribunal de Contas, presidido pelo actual Ministro das Finanças, julgou dentro da lei e fez cumprir a lei. Mas o mesmo Tribunal não pôs em dúvida a honorabilidade dos directores, porque ela nunca esteve em causa.
Eu sei que nestas matérias não importam quaisquer serviços políticos. Não se trata aqui senão da política geral, nacional, da lei a aplicar indiferentemente a todos.
Não farei portanto referência aos serviços prestados pelo engenheiro Ferreira da Silva como governador civil de Coimbra, encarregado do Governo da Huíla, presidente da União Nacional da Huíla, etc.
O Dr. Sousa Dias Goulão é o actual director da Escola, figura aprumada e rigorosíssima no cumprimento dos seus deveres, cabendo relembrar que foi graças à sua desconfiança que foi possível descobrir os desfalques.
Poderá conceber-se que, em paga de ter descoberto os desfalques, lhe sejam aplicadas sanções?
Quanto ao engenheiro Ferreira da Silva, encontra se tão longe de nós, cativo dos seus deveres profissionais, que entendo dever referir alguns comentários acerca da sua vida em longínquas terras do nosso Império.
O engenheiro Ferreira da Silva embarcou para Angola em 1942, onde fundou a Escola Agro-Pecuária de Tchivinguiro, na Huíla.
Nos primeiros tempos viveu numa cubata, igual às dos indígenas, pois naquele local selvático não existiam habitações para brancos. Enquanto se construíam os grandes edifícios hoje ali existentes foi organizando a parte agrícola da Escola.
Construídos os edifícios, apetrechou-os convenientemente e iniciou a parte pedagógica, abriu o internato com catorze alunos, e assim esteve um ano, ao mesmo tempo director da Escola, seu único professor, seu feitor agrícola e seu único empregado de secretaria.
Para o auxiliar tinha apenas dois brancos, que vigiavam os serviços fora e dentro da Escola, mas dois brancos sem cultura intelectual: ele era o único cérebro, a única força orientadora e a única vontade coordenadora da actividade da Escola. Duas vezes por semana ia à cidade mais próxima, que ficava a 40 quilómetros, buscar os géneros e artigos necessários.
Vida admirável de português que soube adaptar-se aos trabalhos mais árduos, sozinho, longe da família, longe dos amigos, sem convívio social, como um pioneiro das descobertas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Há nesta Câmara quem conheça bem o engenheiro Ferreira da Silva e a sua família. Há em Portugal muitos que admiram no filho as qualidades de carácter desse grande químico e professor que foi seu pai.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas antes quero deixar aqui o testemunho do eminente colonialista belga Dr. Gabriel Lefebvre, autor do livro Angola, onde pode ler-se acerca da Escola de Tchivinguiro: «... Qui fait honneur ao Gouvernement Portugais et à son directeur, M. A. Ferreira da Silva ...».
Há-de a Pátria exigir a este homem, em troca destes serviços, que se arruine para sempre, para restituir o que outro roubou?
Vozes: - Muito bem, muito bem!