14 DE MARÇO DE 1951 599
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: depois da brilhante oração do Sr. Deputado Dr. Alberto de Araújo, pouco terei de acrescentar em matéria de detalhe.
Nem sequer vou pôr esta opção muito clássica: imposto ou empréstimo? pois as receitas das parafinanças poderiam talvez ter, para isso, um adequado aproveitamento.
Mas isto não são problemas que eu vá agora tratar aqui, visto que já anunciei um aviso prévio a tal respeito.
Vivemos na política do possível e .por isso vou dar o meu voto a esta proposta. Não sem deixar de destacar, como uma singela homenagem, tudo o que o nosso país deve nesta matéria a Salazar e à sua plêiade de colaboradores, e sem também deixar de me referir ao meu eminente mestre e amigo Sr. Doutor Fernando Emídio da Silva, louvando-o e louvando-me no seu magistral relatório.
Vivemos também, em matéria de investimentos, em pleno regime concorrencial, muito longe do sonho institucional corporativo; porque o Estado, algemado pela dura disciplina do não inflacionismo, e a Caixa Geral de Depósitos, com os seus capitais um tanto presos em investimentos, momentaneamente difíceis de descongelar, não podiam ter tido a acção decisiva no mercado de capitais, que lhe poderia ser exigida, não digo numa economia dirigida, mas, pelo menos, ordenada, com seus sobreinvestimentos.
Passámos o surto volframista sem disciplinar os capitais de ocasional formação, do que resultou uma inflação mal distribuída socialmente, com alteração profunda do poder de compra interno monetário, mas com uma faculdade eufórica de aquisição no mercado externo, o que facilitou, por falta da fiscalização adequada, um desregramento e desierarquização de investimentos, que melhor deviam denominar-se de consumo, fundindo-se a olhos vistos as nossas reservas cambiais.
Enquanto, o Estado procurava seguir uma linha de rumo de boa aplicação das cambiais, os particulares sumptuarizavam o emprego dessas reservas; a economia ia, até certo ponto, matando as finanças, mas, graças a Deus, estas tinham um belo arcaboiço e resistiram.
Anteriormente tínhamos conseguido fazer descer a taxa média de juros, e a conversão da nova dívida externa fez-se, porém, depois dessa descida.
Essa operação, realizada assim, era teòricamente condenável, porque se fazia posteriormente ao acréscimo do valor de bolsa dos títulos, implacàvelmente suscitado pela aplicação da regra de três de capitalização, o que dava um paradoxo curioso: quanto melhor estávamos financeiramente mais alto subiam os fundos públicos e, portanto, mais elevado era o montante real da dívida pública.
Esta operação não tinha só a justificá-la, no domínio da prática, a diminuição dos encargos orçamentais, mas a impossibilidade de realizá-la a meio tempo, isto é, na meia descida da taxa de juro, porque, voluntàriamente, como se tinha de efectuar, dificilmente aliciava o credor.
No mercado de capitais o que importa não é a totalidade dos já utilizados, mas os disponíveis.
A diversidade da taxa de juros corresponde, no mercado livre, a uma média das possibilidades do seu emprego, à variedade das suas aplicações ao tempo da sua utilização e, principalmente, aos riscos, mas atendendo bem à duração e à intensidade deles.
O que interessa no mercado de capitais é o regime de continuidade da taxa. A brusca mutação dum regime de continuidade para um regime de descontinuidade fez incidir brutalmente sobre a nossa dívida pública consolidada a regra de três, inflexível, de capitalização, com perdas substanciais de valor para os portadores do títulos, entre os quais impressionam e avultam os órfãos, e para as chamadas reservas actuarias, não só na medida mesmo em que sofriam uma quebra do valor de bolsa, como até os juros se viam cerceados no seu poder de compra pela desvalorização da moeda.
O regime corporativo nada pôde fazer de útil nesta matéria e teve de se recolher ao seu insignificante papel de corporativizar noutros sectores prejuízos, e a política financeira teve de começar a fazer-se em detrimento do esquema óptimo dos investimentos de segurança social, desliberalizar-se para fugir da taxa elevada de colocação de capitais no mercado normal.
É com alegria que acolhemos esta proposta, que vem reliberalizar o crédito público, desforçando-o tecnicamente. O regime corporativo foi no mercado de capitais apenas um guarda de noite e como que uma bilha de água que tivesse o fundo roto.
Nesta alta de preços que estamos sofrendo, com capitais especulativamente estimulados por umas prováveis mais valias de capitalização e monetárias, torna-se absolutamente indispensável ter em mão os mecanismos de investimento e capitalização.
O controle do desconto bancário não basta; tarde ou cedo as marginais da taxa de juros médias dos capitais livres vêm influenciar necessariamente a taxa média do mercado, não a deixando descansar num regime de continuidade, apertando seriamente as suas disponibilidades bancárias.
Um regime autenticamente corporativo procura institucionalmente o verdadeiro rendimento social, rebusca o investimento optimamente técnico, que nem sempre é economicamente o melhor, fugindo de concentrações de capital, que exacerbam as posições capitalistas e atraem as trovoadas marxistas.
Pensamos que uma revolução política, como a de 28 de Maio, que brevemente vai celebrar as suas bodas de prata, não pode passar sem fazer reinar a justiça no plano económico e financeiro e deixar de ser uma revolução moral que reforce e duplique a política, que marque assim mesmo a sua verdadeira dimensão, opondo-se seguramente à economia comunista por uma orgânica económica comunitária, altamente idealizada no bem comum e proporcionando os resultados sociais que geralmente estão ligados à esperança colectivista.
Dizia Bergson que «on peut donner aux mots le sens que l'on veut, mais à condition de ne pas les définir».
Foi o que sucedeu ao nosso corporativismo, que se perfilou mais como doutrina de intenções do que de realizações, e, no caso vertente, deixando liberalizar demasiadamente o mercado de capitais com sobreinvestimentos, que acarretaram uma alta de juro, causando perdas substanciais aos portadores de títulos da divida pública, com perturbação da mecânica dos investimentos da segurança social, que poderiam ter sido evitados se o corporativismo fosse mais alguma coisa que uma figura de retórica política e se realizasse como altamente o concebeu a Igreja e, na prática portuguesa, o ideou Salazar, com sagaz visão das possibilidades nacionais.
Lição dura, que devemos aproveitar e que não foi maior porque, felizmente para Portugal, mãos destras tinham deixado alicerces financeiros sólidos que nem mesmo o liberalismo de investimentos poderia tocar.
Honra seja a este homem!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito sobre este assunto. Considero, portanto, encerrada a discussão na generalidade.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Pausa.