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18 DE ABRIL DE 1951 865

os interesses legítimos de muita gente que confia a administrações de empresas privadas bens de viúvas e órfãos ou as suas economias, obtidas muitas vezes à custa de tanto trabalho e de tanto sacrifício. Refiro-me às sociedades por acções, sobre as quais esta Assembleia aprovou em 1943 uma lei que, afinal, decorridos oito anos, ainda, se não encontra em aplicação, por motivo, ao que ouvi, de não ter ainda sido regulamentada.
Essa lei estabelecia uma fiscalização no género da legislação inglesa, com o objectivo de acautelar os legítimos interesses e direitos dos accionistas, pela verificação da observância dos bons preceitos de contabilidade e administração, nem sempre garantidos por alguns conselhos fiscais desleixados ou demasiado indulgentes e pelas próprias assembleias gerais, facilmente manejáveis por alguns conselhos de administração, mais interessados nos proveitos pessoais dos seus membros do que na cabida retribuição dos investimentos, muito especialmente do pequeno accionista.
Reli há dias o texto da proposta do Governo sobre a matéria, proposta à qual ligaram os seus nomes alguns dos actuais Ministros e membros desta Câmara.
Li o excelente parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator o talentoso Prof. Paulo Cunha, hoje Ministro dos Estrangeiros.
Li no Diário das Sessões vários dos discursos então pronunciados nesta Assembleia em apoio dos princípios de moralidade e de justiça contidos na dita lei. Entre esses discursos mencionarei os dos então Deputados e hoje Ministros, os nossos antigos e ilustres colegas nesta Casa, Srs. Drs. Águedo de Oliveira, Ulisses Cortês e Soares da Fonseca. Não posso acreditar que tão distintas personalidades, hoje no Governo, se tenham desinteressado duma matéria sobre a qual então se manifestaram tão lúcida e desenvolvidamente.
Tenho lido alguns relatórios de administração de empresas por acções que me têm deixado uma penosa impressão. Os critérios variam ao infinito em pontos em que se não pode pensar de maneiras diferentes.
As classificações das diversas rubricas deixam-me, nalguns casos, dúvidas sobre a sua legitimidade e seria bom saber se em todos os casos os conselhos fiscais - cujas conclusões são as mais das vezes enunciadas em fórmulas estereotipadas, quase sacramentais- verificaram directamente perante a escrita a correspondência entre esta e as coutas apresentadas à assembleia geral, que docilmente as aprova em regra.
Surpreende-me que as administrações de empresas privadas estejam por vezes entregues a pessoas que fazem parte, de muitas delas ao mesmo tempo, limitando a sua acção a receber chorudas retribuições, frequentemente sem sequer se darem ao incómodo de aparecer de vez em quando nos escritórios da empresa. Não é possível que, pertencendo a tantos conselhos, possam exercer seriamente as suas funções em todos eles. O que é certo é que o Estado, que, com razão, restringe ao máximo as acumulações e limita os vencimentos aos funcionários públicos, admite afinal que, não fazendo nada, uma casta especial de homens de negócios acumule vencimentos astronómicos por cargos particulares que não exercem de facto, e isto em prejuízo do accionista, especialmente, repito, do pequeno accionista.

O Sr. Ernesto Lacerda: - E por vezes do consumidor!

O Orador: - Do consumidor e do trabalhador.
Impressiona-me desagradàvelmemte a distribuição de grandes gratificações aos administradores de empresas que nem sequer dão dividendo e que, como já tenho visto em relatórios e contas publicados, a repartição de gratificações se faça antas da própria, aprovação das contais com base em percentagens instituídas por assembleias gerais anteriores com efeitos per omnia secula ...
Sei que me podem objectar dever o Estado, antes de mais, ser severo para com empresas que vivem de concessões suas ou para os organismos paraestatais, em que a sua ingerência é indispensável. Na verdade, nesta Assembleia tem-se cabidamente reclamado a imposição da severidade que o Estado tem para com as suas próprias contas às entidades mencionadas.
Já aqui ouvi autorizadas críticas a uma empresa que há dias publicou nos jornais de grande circulação um resumo brevíssimo das suas contas, mas um resumo de suficiente eloquência para se ver que se trata dum negócio da China, feito num regime concedido pelo Estado, e cuja função dificilmente se explica num rigoroso critério de justiça económica e interesse colectivo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Amortizadas completamente em curto espaço de tempo as suas despesas de instalação (as instalações imobiliárias figuram já por 3$ apenas no activo da empresa) os lucros líquidos dum ano de exercício excedem metade do próprio capital, que, sem se mencionarem especificadamente no documento publicado os vencimentos e gratificações duma administração tão-pouco extenuante, pode assim obter a mais rendosa retribuição sem riscos de maior ...
Confesso o meu espanto e pergunto a mim mesmo, por exemplo, porque renuncia o Estado à recolha directa dos benefícios financeiros da actividade assim concedida ou então porque não reverte para proveito do pobre consumidor, pelo embaratecimento dos produtos, a maior parte de tamanha margem de lucro. Aliás, não compreendo o motivo por que tal intermediário tem infalivelmente de aparecer relativamente aos fornecimentos de tais produtos para empresas de interesse público cujos déficits consideráveis poderão um dia vir a constituir encargo da Nação.
Admito que tais empresas obtenham condições mais favoráveis de preço, mas duvido que deixem de concorrer volumosamente para o lucro tão substancial que consta do resumo de contas publicado.
Apesar de todos estes factos, que me deixam no espírito uma impressão profundamente desfavorável, não falece ao Estado autoridade para impor normas salutares às administrações das empresas privadas. As regras de administração financeira estabelecidas por Salazar para o Estado Português dão a este a plena legitimidade para, por órgãos adequados, como a Câmara de Verificadores, mandada constituir pela Lei n.º 1:995, de 17 de Maio de 1943 ...

O Sr. José Meneres: - Mas essa lei ainda não foi regulamentada.

O Orador: - Já lamentei o facto. E isso precisamente que determina a minha intervenção, mas, continuando:
Por órgãos adequados, o Estado poderia instituir, dentro dos limites razoáveis, a fiscalização da constituição e funcionamento das sociedades por acções. Mais: aquela lei estabelece-lhe logicamente o dever de não ficar de braços cruzados. Não se esqueça que pela base VII da Lei n.º 1:936, de 18 de Março de 1936, já o Governo ficara autorizado a modificar, oportunamente, o regime de fiscalização das sociedades anónimas, de modo a obter-se que esta seja realizada com a intervenção de técnicos especializados e ajuramentados, designados por entidade estranha à sociedade. Mas o Governo entendeu preferível submeter ao Parlamento uma pro-