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868 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 99

«o homem nasce para o trabalhos - como está escrito no texto de Job - e daquele preceito, que já enunciei, do apóstolo, na carta por ele escrita aos da Tessalónia, nesse entendimento completo, ia dizendo, pode encontrar-se a convicção de que o direito ao trabalho não é de origem puramente socialista.
E não será precisamente o contrário ? ...
Faço a pergunta, a que para mim já dei resposta, tão convicta como a de que a única restrição a fazer é de que não se trata apenas do trabalho económico. Mas este seria outro problema, que não há tempo para aqui tratar nem vem para o caso, por não ser fundamental para a discussão.
Sr. Presidente: em ligação com este ponto, a Câmara Corporativa, considerando condensada no Código social de Malines a doutrina social católica sobre o assunto, parte daqui para concluir que também esta doutrina não aceita o direito ao trabalho, mas apenas o dever de trabalhar.
Por mim não seria capaz de concluir com tal certeza que o Código de Malines seja na matéria a última palavra - última como definitiva, última como mais recente -, pois não me conformo nem com a impossibilidade de a Igreja definir melhor em qualquer momento, nem com a de manter a linha de uma sábia e inspirada evolução do seu pensamento e da sua acção, em face da natural e divina evolução da própria vida das sociedades.
Esta minha atitude tem actual fundamento, entre outros antigos, na alocução de S. S. Pio XII, de 4 de Junho do ano passado, feita aos membros do Congresso Internacional de Ciências Sociais e aos da Associação Internacional Cristã, quando, referindo-se a opiniões atrasadas nos velhos países industriais, alude à evolução progressiva do direito ao trabalho. E não resisto à tentação de repetir algumas das suas palavras que dizem respeito ao fundo desta questão do direito ao trabalho:

Queremos recordar o problema da iminente e permanente ameaça dó desemprego forçado, o problema da obtenção e segurança de uma produtividade normal, que, tanto pela sua origem como pelo sen fim, está Intimamente unida à dignidade e ao bem-estar da família, considerada como unidade moral, jurídica e económica.

E, já que me custa deixar aos socialistas a glória imerecida de serem eles os condestáveis do direito ao trabalho e à Igreja Católica a culpa de o contestar, permito-me lembrar que Pio XI afirmou, na Divini Redemptoris, «ser próprio da justiça social exigir aos indivíduos o que seja necessário para o bem comum» e «dar aos homens dotados de dignidade do pessoa o necessário para cumprir as suas funções sociais».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A este respeito, e para terminar esta parte das minhas notas, desejo apenas transcrever mais o seguinte, da alocução do Santo Padre feita em 1 de Junho de 1941:

O direito ao trabalho é imposto e concedido ao indivíduo em primeiro lugar pela natureza, e não pela sociedade. Daqui resulta que o dever e o direito de organizar o trabalho do povo pertence antes de mais aos interessados imediatos: patrões e operários. Se estes não cumprem o seu dever, ou não podem cumpri-lo por circunstâncias especias e extraordinárias, é dever do Estado intervir no campo do trabalho e da sua divisão e distribuição, segundo a forma e a medida requeridas pelo bem comum devidamente entendido.
Depois disto não me restam dúvidas de que não podemos encontrar no Código de Malines o julgamento final sobre o direito ao trabalho.
É indiscutível -creio- que este direito está já consignado nas leis ordinárias portuguesas. Pelo menos o Estatuto do Trabalho Nacional não deixa dúvidas a esse respeito nas disposições que a Câmara Corporativa citou no parecer, as quais, além do direito ao trabalho -assim mesmo dito- consignam ainda o direito ao salário humanamente suficiente.
O problema que se põe à Assembleia é, pois, o de resolver se o direito ao trabalho deve passar a constar da Constituição, tal como já consta o direito de propriedade.
É legítima, porém, uma hesitação a esse respeito em face destas perguntas: mas qual é o sujeito da obrigação correlativa? Qual o conteúdo desse direito? - o que corresponde a inquirir-se sobre se se trata de um dever de subjectivação e objectivação possíveis em nossa organização económico-social. Prefiro responder primeiro à segunda pergunta.
Para nós, portugueses, a resposta é afirmativa. No campo doutrinário e legal
é-nos possível definir já o conteúdo deste direito. E daí resulta -diga-se a propósito- que por isso mesmo facilmente desaparecerá a razão da distinção entre as expressões «direito ao trabalho» e «direito de trabalhar» que a Câmara Corporativa trouxe à colação.
A definição do conteúdo jurídico do direito ao trabalho já se encontra na legislação portuguesa. Não se concretiza, como tanto parece recear aquela Câmara, no facto de a qualquer indivíduo sem trabalho, forçadamente desempregado, ser devido um emprego, um lugar. Não, não é isso que, constituindo a substância do direito ao trabalho, resulta do disposto no Estatuto do Trabalho Nacional, nomeadamente dos seus artigos 21.º e 23.º
Então qual é essa substância ou conteúdo?
Quando aqueles preceitos legais consignam, por um lado, o direito ao trabalho, mas, por outro, prescrevem que «sem prejuízo da ordem económica, jurídica e moral da sociedade»; quando impõem que «ele seja tornado efectivo pelos contratos individuais e colectivos, e nunca por imposição do trabalhador»; quando o artigo 2.º preceitua que «a organização económica da Nação deverá, realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre todos os cidadãos» ; ante tais preceitos, repito, afasta-se completamente a ideia da prestação do emprego privado ou público, posto à disposição do desempregado forçado.
Para mim, o conteúdo deste direito tem dois aspectos - um positivo e um negativo.
O aspecto positivo consiste em que a organização económica e social deve ser estabelecida e regulada por maneira a não faltar o trabalho aos que queiram trabalhar. A organização do trabalho deverá, assim e entre o mais, ter em vista a distribuição deste, e tê-la por modo que não falte como meio de viver e meio de cumprir um dever. A organização económica e social deve ter uma tal estrutura e funcionamento que destes resulte, para todos e normalmente, a possibilidade de encontrar emprego, a possibilidade de assegurar a vida da família, a possibilidade de assegurar, na quota-parte devida por cada um, a própria vida da sociedade, do Estado.
Não fujo ao gosto de fazer ainda duas citações, primeiro, de algumas palavras de Joaquim Azpiazu:

E se a economia, dentro da sua sistemática e teorias, é incapaz de manter um emprego pleno, é porque está mal concebida e mal formada: há que reformá-la.