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888 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

O Sr. Presidente: - Temos um penhor consolador que assim será na edificante lição de civismo que exibiram os Portugueses em todas as latitudes e as comunidades lusitanas dispersas pelo Mundo - de respeito e de homenagem pelo Chefe da Nação que falecera. O Mundo terá reconhecido que os Portugueses constituem verdadeiramente um povo consciente da sua personalidade como nação e do seu destino entre os demais povos.
A Assembleia Nacional congratula-se por tão edificante lição de civismo e exprime a todos os Portugueses, e especialmente ao povo da capital, o sen reconhecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Oportunamente será prestada na Assembleia a homenagem condigna ao ilustre morto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para saudar desta tribuna o povo português pela sua imponente manifestação de civismo, de dignidade, de sentimento e de gratidão ao homem que durante vinte e cinco anos garantiu em Portugal a ordem nas ruas e a paz nos espíritos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não foram apenas as fardas agaloadas dos embaixadores, dos Ministros, dos generais, dos académicos, dos altos dignitários que deram significado ao luto da Nação. Não foram apenas as fileiras do nosso exército, com as suas baionetas reluzindo ao Sol, ao desfilar ante o corpo exangue do venerando marechal, numa continência aprumada e firme, que imprimiram marcialidade e grandeza ao derradeiro tributo das suas homenagens.
Foi sobretudo o povo, o povo humilde e forte, que deu realce e expressão àquele eloquente plebiscito de apoteose e de saudade; foram esses lenços brancos de mulheres humildes que em Belém se ergueram, de entre a turba anónima, acenando de longe a uma familia dilacerada, num gesto fraterno de solidariedade e de ternura, para comparticipar também na dor pungente da sua mulher e dos seus filhos; foi toda esta mole imensa que acompanhou Carmona ao templo das nossas glórias que nos transmitiu a certeza plena de que a Pátria inteira o chorava no seu túmulo.
E bem mereceu da Pátria e do povo, por todos os títulos, o marechal Carmona.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando Gomes da Costa arrancou em Braga logo por todo o País o seu grito de guerra reboou de coração em coração.
Nessa altura, o general Carmona, à frente da 4.ª divisão, farto de ver fracassar movimentos militares, pesando maduramente as suas responsabilidades de chefe, hesitou um momento, antes de lançar a sua espada na balança. Daí o dizer-se que ele não entrou na Revolução. Admitamos: o general Carmona não entrou, portanto, no 28 de Maio, mas fez mais do que isso; salvou o 28 de Maio da ruína e da falência moral.
Assim, também, quem salvou a França em 1789 não foi o verbo inflamado de Danton, não foi a bravura de Hoche nem o gládio reluzente de Dumouriez; foi o bom senso previdente e perspicaz, a acção metódica e voluntariosa de Lázaro Carnot. Com o general Carmona a história repete-se; se não fosse ele, todo o nosso esforço se subvertia naquele caos político, naquela confusão social e militar dos primeiros dias de incerteza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E enquanto os nossos inimigos rejubilam na previsão da catástrofe, é nessa hora de dúvida e de ansiedade que ele, à frente dum grupo de velhos generais que nunca em sua vida sonharam fazer um golpe de Estado, é nessa hora extrema que ele arrisca a sua sorte e a sua vida no mais dramático lance do 28 de Maio.
Sim, porque o general Gomes da Costa erguera-se contra um acervo de cobardias, ao passo que o general Carmona tinha diante de si um herói.
Desde então a sua intervenção nos negócios públicos foi sempre benéfica e oportuna, e a sua vontade prudente e esclarecida traduziu em todas as circunstâncias os desígnios do Exército e as aspirações da Nação.
O mais difícil estava feito.
O intrépido promotor de justiça do 18 de Abril, com o seu aprumo de paladino e a sua galhardia de cavaleiro, conseguira reunir à sua volta toda a força armada, naquela união indefectível, que tem sido e continua a ser a chave mestra desta abóbada imponente, cuja solidez o Exército garante com o seu sacrifício, como Afonso Domingues no Mosteiro da Batalha.
Ninguém, de facto, como o marechal Carmona compreendia a nossa mentalidade e as nossas aspirações.
Ninguém como ele sabia conciliar com tanta firmeza e tanta suavidade os nossos acessos, por vezes intempestivos, de grognards insatisfeitos. E ele, melhor do que ninguém, podia avaliar e perdoar o que há de apaixonado e de vibrante no nosso apelo de saneamento, na nossa fúria de moralidade e na nossa sede de justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há muita gente por aí que não pode compreender nem sabe desculpar a nossa sensibilidade, exacerbada pelas responsabilidades que nos assoberbam, como representantes da Nação e como soldados da Revolução Nacional. Ao passo que o marechal Carmona, com a sua lúcida intuição e o sen perfeito conhecimento da nossa deformação profissional, sentia na sua própria carne o palpitar dos nossos corações.
Sim, porque os homens do 28 de Maio - e nesta designação envolvo civis e militares - só pretendem que lhes sejam fornecidos elementos, quer dizer, os argumentos e os recursos necessários para poderem, em todas as circunstancias, defender com orgulho a sua causa na tribuna e na trincheira. Quem pretenda mais do que isto não é do 28 de Maio.
E foi a esses precisamente que Salazar disse num dos seus primeiros discursos:

Aos que se bateram pela nossa cruzada não se lhes pode negar o direito de querer saber, de quando em quando, como isto vai. Esses poderão apresentar-se diante de todos com a firmeza e a alegria de quem ajudou a salvar Portugal.

Para definir uma atitude de reconhecimento não se pode ser mais eloquente e mais justo.
Carmona obedeceu como nós - e ele o disse - «até ao extremo limite das suas forças», «Sou apenas um soldado», afirmou. E todos nós que envergamos, sobre corações de portugueses, o mesmo uniforme da galhardia e da honra, quantas vezes obedecemos na vida contra as nossas conveniências, contra os nossos próprios direitos.
Chega a parecer muitas vezes, perante a miséria dos factos e a impudência dos homens, sempre que os ares