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4 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

Julgo interpretar o sentimento da Assembleia Nacional tomando parte, em seu nome, nas solenes exéquias que o Governo mandou realizar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu queria pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que se exprimisse a S. Ex.ª o Chefe do Estado as homenagens desta Assembleia. Apesar de ter sido das mãos da Assembleia que S. Ex.ª tomou posse das altas funções que ocupa, eu desejaria, no prolongamento do pensamento expresso por V. Ex.ª, pedir-lhe que designasse uma deputação desta Assembleia para ir procurar o Sr. Presidente da República e afirmar-lhe não só a colaboração que a Constituição lhe impõe, mas ainda toda a colaboração desta Câmara que a Constituição lhe permite.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a sessão eu designarei a delegação da Assembleia que há-de ir apresentar ao Sr. Presidente da República os sentimentos desta Assembleia, nos termos da proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

ausa.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: Sinceramente reconheço - e digo-o para não poder imaginar-se o contrário - não estar ao nível da missão em que me investiram o triste privilégio de idade e a circunstância de, em mocidade longínqua, ter ainda presenciado acontecimentos que, meio século decorrido, são de hoje para a História, mas, para os homens, se vão delindo em sombras na penumbra do tempo.
E, na verdade, aos ensinamentos da História -tantas vezes deturpada-, onde as novas gerações vão alimentar o conceito dos factos e dos homens, sobrepõe-se o testemunho de contemporâneos, quando já libertos de influências, paixões ou preconceitos que outrora, porventura, lhes perturbaram o raciocínio. Especialmente o testemunho dos que, como nós, então ainda no limiar da formação do espírito e não iniciados nas actividades públicas, foram meros espectadores; embora já se esboçasse tènuemente a reacção da mocidade que, um dia, havia de formar a geração do resgate.
Assim, os contemporâneos, os que «viram», e «viveram», e «sentiram» e «sofreram» a época, melhor alcançam e mais compreendem a justiça da homenagem que hoje tem a sua maior expressão no seio da Representação Nacional.
Mas aqui a homenagem transcende os limites de um necrológio protocolar; necrológio, aliás, já traçado expressivamente, com verdade e elevação, por biógrafos e letrados. E esta transcendência mais dificulta tão delicado como honroso empreendimento.
É que se trata de uma Rainha de Portugal, e esta Rainha é a Senhora D. Amélia de Orleans e Bragança.
Apesar de exilada há quarenta e um anos, vivia na recordação dos Portugueses -os de ontem e os de hoje -, como prevaleceram no espírito e no coração d'Ela a recordação e o amor a Portugal; sempre e de modo tal que já Eça de Queirós pudera dizer: «o que mais surpreende na Rainha é a sua completa é carinhosa nacionalização portuguesa».
Estava e fica presente a Soberana que, por lei, o matrimónio fez nossa; e de alma e coração sempre o foi em tudo e através de tudo, num reinado de vinte e um anos, difícil e acidentado, onde pouco mais do que a dignidade e o fastígio da Coroa, a acção diplomática de
El-Rei D. Carlos e as glórias e conquistas do ultramar salvou e ergueu a honra e o prestígio da Nação; onde a virtuosa Rainha teve a sua parte, dispensando especialmente às guerras de África colaboração tão relevante e sugestiva que António Enes, ao dedicar-lhe o relatório das campanhas de 1890, diz que Sua Majestade contribuiu também para os feitos que ali se narravam, e acrescenta: «Se éramos afortunados, pensávamos no gosto que sentiria a Rainha; assoberbados por contrariedades, doía-nos a inquietação que Ela sofria»?
Foram dois decénios de graves, preocupações, de rivalidades, de lutas dissolventes e demolidoras, que, aliadas aos erros imperdoáveis dos homens, abalaram profundamente as instituições. Mas não perturbaram a obra de misericórdia da Rainha, alicerçada em bondade e ternura, traduzida em rasgados empreendimentos ou em piedosa e discreta assistência individual, que exerceu a par da educação sábia e esmerada dos dois desventurados Príncipes.
A Assistência Nacional aos Tuberculosos não é a única, mas é a principal organização, cuja iniciativa só à Rainha pertence; e suponho que, graças ao impulso e desvelo que Ela sempre lhe dispensou, auxiliada por médicos insignes, nenhuma outra instituição existe comparável em extensão e benefícios.
Cumpriu-se a sua profecia na primeira sessão preparatória a que presidiu em 11 de Junho de 1899: «A causa é tão justa que não pode deixar de ser abençoada por Deus». E, porque Deus a abençoou, não foi em vão que dirigiu «um apelo à generosidade dos que podem, à ciência dos que sabem, à boa vontade de todos», depois de mostrar-se «aflita pelo que via nas casas pobres, nos hospitais que percorria», e ainda pelas misérias de que tomara conhecimento, em «que a tísica aparecia sempre como a nota mais sombria».
Deve-lhe o País também o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, o Instituto de Socorros a Náufragos, o Instituto Ultramarino, os dispensários de Alcântara, Porto, Bragança e outros, os sanatórios da Guarda, Portalegre, Outão, Carcavelos, etc.
Tudo a Rainha fundou ou impulsionou, algumas vezes só a expensas suas. E fê-lo para que a obra perdurasse, e não para nela perpetuar ostensivamente o seu nome, como o testemunham o anonimato, a reserva, a humildade cristã como visitava e socorria o doente no seu catre e a miséria no tugúrio; atendia aos grandes como aos pequenos males, às grandes como às pequenas faltas, a excelsa Senhora que foi nossa Rainha.
Assim, criara o Bispo-Conde um bairro para operários pobres, honestos ou transviados, e logo a Rainha foi pronta em auxiliá-lo nos encargos para conseguir que as rendas fossem limitadas; e tão generosamente o fez que D. Manuel de Bastos Pina manifestou a sua gratidão dizendo que «à supremacia de Soberana tão radiante das grandezas da terra sabia juntar a supremacia mais radiante ainda da prática das virtudes do Céu»; e sentiu «não saber escrever» como sua Majestade «sabia fazer o bem», para exprimir as grandes consolações que acabava de dar-lhe com este oferecimento, «numa manifestação de régia munificência tão delicada e espontânea, e que mais que todas sobredourava e esmaltava a Coroa que lhe cingia a fronte, e o prestígio e benquerença que por toda a parte acompanhava as ilustres princesas da Casa de Orléans»:
Ocorre no mar da Póvoa de Varzim a tragédia, ainda hoje lembrada, em que perderam a vida muitas dezenas de pescadores, e logo a Rainha, pressurosa, remete à comissão de socorros, a que minha mãe presidia, avultado óbulo, que avolumou com o produto de uma festa de tal esplendor e arte que, na expressão do conde de Sabugosa, por algumas horas tiveram Lisboa na deslumbrante ressurreição de um torneio francês do século XVII.