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6 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

do Duque de Berry, a figura daquela que foi entre nós a grande Flor-de-Altura e a mais pura Flor-de-Lis no florilégio heráldico da. França. E não é sem comoção que A vemos assim aureolada por um nimbo de oiro, como um delicado medalhão de esmalte que os dedos da ternura, tivessem pendurado ao pescoço da Saudade.
"Vinha de um país distante, como nas baladas o nos cancioneiros, aquela Princesa Real. Mas logo que A envolveu a atmosfera deste país, onde os desígnios de Deus Lhe haviam destinado uma vida sagrada pela beleza e pelo martírio, logo que os Seus pós poisaram sobre este chão de Portugal, todo repassado dos sacrifícios, da energia e do amor dos nossos vivos e dos nossos mortos, cumpriu-se, sob o influxo da Terra, e dos Céus. a graça do milagre: o milagre transcendente da transfusão e assimilação de uma alma à alma ancestral e sagrada do um povo e de uma terra que dali para todo o sempre constituiriam a. Sua nova e antiga Pátria!
A formosa Princesa, que havia de ser a Mãe dos Príncipes portugueses, a predestinada de cujo ventre haveria de nascer o futuro Chefe da Nação, Aquela cujo espírito e cuja carne haveriam de transfundir-se, pelo mistério e força da hereditariedade, no homem destinado a ser, na orgânica tão vivamente espiritual e objectiva das monarquias, a representação da Pátria com figura humana, era desde esse momento, e não apenas por convenção jurídica das disposições legislativas, uma portuguesa que ofertava a sua vida a Portugal.
E, nessa, tarde gloriosa, o espírito da Nação apoderou-se do destino daquela Princesa, e ungiu-A, como no rito oculto de um mistério sagrado, para que cumprisse e sofresse o duro ofício de reinar.
Depois disso, e até aos últimos momentos, Ela soube, por milagre de amor e de dedicação, trocando a coroa real por uma coroa de martírio, continuar a reinar ininterruptamente acima de todas as paixões, acima de todas as políticas, sobranceira a todas as infâmias, no coração de quantos portugueses- soubessem prezar a beleza da dignidade e da virtude.
Eu quero ser muito breve. E será numa fuga apenas que eu transitarei (sic transit gloria mundi) desde o primeiro dia de esplendor da Sua entrada em Portugal até àquele dia, de um esplendor mais alto, em que uma alma de eleição cumpriu o último voo que a mão de Deus lhe traçara para chegar da Terra ao Céu. E quero apenas fazer notar que todo este roteiro feito de voo em voo entre dois mundos foi sempre projectado em itinerários de amor e de dor sobre a Pátria de Portugal.
Vejo-A em Lisboa, envolvida pela neblina suave e discreta das horas matinais, correndo anonimamente as ruas mais pitorescas dos burgos pobres, não para, como altíssima, artista que sempre foi, desenhar no papel ou fixar na pupila ávida de beleza a graça do casario e das ruelas mais tipicamente características, mas para subir discretamente às mansardas mais pobrezinhas e acudir compassiva, com a ternura do seu coração e as economias da sua bolsa, aos sofrimentos ocultos dos doentes necessitados.
Na penumbra, das vielas, nos pátios escusos, nós becos sombrios onde a luz do Sol apenas furtivamente poisa nas pedras da calçada, modestamente vestida, despida de todas as galas, Sua Majestade a Rainha é apenas uma sombra, que passa em busca da desgraça! ...
Vejo-A de volta ao seu palácio (esse Palácio das Necessidades cujo nome seria estranhamente sugestivo para a sua alma caritativa) a debruçar-se sobre o bairro pobre de Alcântara e fundar o dispensário que ela própria sustentava inteiramente da sua bolsa particular.
Vejo-A, com uma cultura intelectual rara e uma visão superior dos mais altos problemas da assistência, ombrenhar-se nos estudos científicos, convocar à sua roda os homens de ciência, ouvir as suas exposições, propor-lhes
as suas dúvidas, insuflar-lhes a sua fé, e depois, com um critério admiravelmente esclarecido, organizar superiormente os vários planos de acção e, dando um exemplo a todas as nações, fundar em Portugal o primeiro dispensário antituberculoso do Mundo.
Vejo-A depois insistir junto de El-Rei, e por amor daquela afectuosidade tão impressionante que muitos anos depois o espírito do Sr. Doutor Oliveira Salazar haveria de surpreender comovidamente nas páginas antigas de uma carta intima de D. Carlos, levá-lo a desfazer-se abnegadamente de um palácio real, num dos panoramas mais belos da costa portuguesa, que a sua alma de marinheiro tanto amava, para o transformar no magnífico Sanatório do Outão.
Vejo-A na cidadela de Cascais lendo as últimas notícias de França e, entusiasmada perante as recentes descobertas de Pasteur, sonhar imediatamente com o projecto de uma grande obra.
E, pressurosamente, prestando ao mesmo tempo um alto serviço à cultura portuguesa e à assistência pública, tomar desde logo a iniciativa da preparação dos soros e vacinas em Portugal. Dentro em pouco, vencendo pertinazmente a oposição dos políticos, os embaraços dos burocratas e a timidez dos rotineiros, realiza e instala a obra admirável do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana. E, para que desde logo começassem a livrar-se da morte tantas vidas portuguesas, oferece os próprios cavalos das suas cavalariças para a preparação da vacina anti-rábica e do soro antidiftérico.
Vejo-A descansar do seu labor de dispensadora de todas as misericórdias, procurando contacto com o povo o com a paisagem, na sua casa senhorial de Vila Viçosa.
E ali, envergando o traje regional, que tão bem se adapta à sua elegância e formusura, cobrindo-se com o chapéu de feltro à moda da campina, modelando airosamente o busto gentil na sua jaleca de alamares e ajustando a cintura da saia com as envoltas da cinta camponesa de merino, tratar familiarmente com homens o mulheres do povo e vigiar maternalmente, no Terreiro do Paço Ducal, os brinquedos infantis dos Príncipes com as crianças humildes da vizinhança.
Nos seus desenhos, esfuminhos, pastéis e aguarelas tanto fixava os tipos mais característicos de camponeses e camponesas, pedaços de paisagem, formas de olaria, serralharia e talha popular, como desenhos eruditos de preciosidades de museu, trechos de monumentos, peças de estatuária.
Tudo quanto era português vibrava no seu coração e comovia a sua sensibilidade. Reconstruções de monumentos, pesquisa e salvaguarda de preciosidades arqueológicas e artísticas, criação do museus, tudo quanto pudesse constituir o património artístico da Nação suscitava o interesse entusiasta e a protecção activa desta Portuguesa, tão profundamente indentificada com a alma nacional.
As horas tumultuosas de África refulgem em cintilações heróicas na sua devoção pela Pátria. Nas campanhas de além-mar sente a missão providencial da última festa Dei: A Gesta Dei per Lusitano. Ávida de triunfos, recebe no seu coração o toma inebriadamente em suas mãos a glória das batalhas, e eleva-a a Deus, como uma hóstia votiva e propiciatória, para maior glória de Portugal. E, na organização da empresa ou nos campos da batalha, todos, desde António Enes e Mouzinho até aos mais humildes soldados da epopeia, todos sabem que o entusiasmo varonil e carinhoso da Rainha os segue enternecidamente a passo e passo, e a cada momento invoca para eles a protecção e a bênção dos céus. Entanto, ao calor do seu entusiasmo e da sua generosidade, entra a desabrochar em seu espírito a nova iniciativa do Instituto Ultramarino, para socorro dos sacrificados de além-mar.