27 DE NOVEMBRO DE 1951 5
Mais e muito mais; e, por isso, foi apenas justo o Dr. Bernardino Machado escrevendo em 1901:
A Rainha é tão boa que não há miséria de que o seu coração generoso se não amerceie, e, por onde ela passa, o seu doce sorriso reconforta as almas.
Por último, cultivou com esmero e protegeu com desvelo as artes portuguesas.
E que extraordinárias a coragem e a resignação cristã desta Soberana modelar! Quanto maior foi a tormenta nacional, quanto mais duro se tornou o ofício de reinar, quanto mais se agravaram a injustiça dos homens e as dores e os martírios que n. torturaram, mais se aprofundaram no seu coração magnânimo as raízes que a prenderam à terra portuguesa. Grande exemplo! Assombrosa lição de civismo deu esta nobre Princesa de França ao País, que tão ingrato lhe foi!
Logo no início do reinado, o brutal Ultimato da Inglaterra ofendia a dignidade da Nação e punha em risco a. sua soberania, e a integridade dos domínios. Como rastilho, a violência ateou o incêndio das paixões já antes excitadas pela queda do Império no Brasil, e a indignação do País, revelada em manifestações públicas de protesto, foi logo explorada para as campanhas violentas que haviam de possibilitar o pronunciamento do 31 de Janeiro.
Segue-se a grave crise de 92. Anos após, a própria epidemia da peste trouxe ao Parlamento três Deputados republicanos pelo Porto, com a derrota do partido do Governo, que ali estabelecera, um cordão sanitário. E, antes e a seguir, continuaram a agravar-se, nos arraiais políticos, os dissídios que parcelaram e enfraqueceram os grandes partidos, que, revezando-se no Poder, ainda formavam o esteio das instituições e, numa relativa continuidade, puderam trazer ao País benefícios materiais irrecusáveis, que a realidade testemunha. Depois da dissidência progressista, em 1900 que arrastou alguns dos valores mais combativos, entra-se no caminho do desvairo, numa galopada para. o abismo, pois, animados por este sucessivo desmoronamento do sistema, os inimigos criam novos alentos e esperança, e alargam com decisão e dobrada violência, a campanha revolucionária.
Nada poupam! Tudo pretendem atascar na vasa dos insultos e calúnias, visando impiedosamente a vida pública e privada dos políticos mais em evidência, por mais honrados que fossem. E a Coroa, e o Rei e a própria Rainha não são poupados mesmo por alguns monárquicos, no período fugaz e inglório da tentativa honesta de João Franco.
Vem o 28 de Janeiro; quatro dias depois, o infame regicídio assombra o Mundo. Morrem os executores, mas sobreviveram impunes os cúmplices ou instigadores, que a cobardia, não permitiu descobrir ou revelar.
Em seguida - todos o sabem - um Governo pusilânime consente a apologia do atentado e a miserável protérvia da romagem pública - classificada pelo jornal O Mundo de imponente e sentida - a sepultura dos regicidas, que ainda há anos ostentava símbolos de falsa, libertação e a inscrição de «salvadores da Pátria»! ...
A que estado de perversidade a política conduziu as almas!
Finalmente, um efémero reinado, pois a reacção da parte sã, do País e as qualidades e belas intenções de El-Rei não puderam dominar a anarquia, que os erros e temores de alguns políticos e os vícios constitucionais do liberalismo, tanto ou mais do que as campanhas inimigas, haviam de alastrar e fazer conduzir à queda de um regime já quase sem uma mística, já sem uma doutrina, uma ética, que o definissem e caracterizassem; numa palavra, uma Monarquia de que só restavam cerca de oito séculos de história e tradição, o trono, o Bei e o valor e a fidelidade de servidores dedicados.
Derrubadas as instituições, segue-se o exílio; e este ainda forçado, porque a Família Real embarca no propósito de, no Porto, ir encontrar ou constituir um fulcro de resistência, e não lhe consentem.
Tudo isto acontece; e a Rainha sobe todo o calvário cingindo na fronte a coroa de martírio, sobre com inigualável resignação as maiores dores que é possível suportar; e, depois, perde ainda o último vínculo de sangue que a prendia à pátria adoptiva com a morte prematura do último Filho, cuja vida Ela cobrira com o seu corpo, no VII atentado em que o Rei e o Príncipe a perderam.
Mas a desgraça aproxima os que a sofrem, e a Rainha sabia que ela não foi apenas sua ...
Ainda no exílio, que alcança quase metade da sua vida. a Rainha mártir, sempre, sempre igual, não despreza, não esquece um só instante Portugal; regozijam-na os sucessos da Revolução Nacional; com pertinácia, com fervor, prolonga a acção piedosa em favor dos doentes e desprotegidos, e converte a sua residência, em França numa embaixada de recordações, onde os Portugueses, sempre bem chegados, recebiam ensinamento de virtudes e grande exemplo de amor à Pátria.
Parece-me, Senhores, que, se outros motivos não houvera, este aspecto, esto contínuo e inexcedível sentimento de interesse, dedicação e carinho da Senhora D. Amélia de Orléans e Bragança eram suficientes para a impor à veneração do país inteiro e justificarem as homenagens da Assembleia Nacional.
Merece-as a. Rainha e a Mulher.
Sim. Como a virtuosa esposa do Príncipe Perfeito, Rainha D. Leonor - a quem se assemelhou em formosura e bondade nas obras de assistência, no culto e protecção das artes e na tragédia da vida.-, a Rainha D. Amélia foi digna sucessora de Santa Isabel; e até a recusa de rosas sobre o seu ataúde parece inspirada num lindo sonho - o de, repetindo o milagre, transformá-las em esmola para os seus pobres ..
Num renovado gesto de nobreza e fidalguia, vai o Governo da Nação, em homenagem condigna, dar-lhe sepultura no nosso Panteão Real.
É uma reparação. É a consagração nacional. Não será a última, mas exprime a gratidão indelével de Portugal, devotamente ajoelhado perante a sua memória augusta e veneranda.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cortês Pinto: - Neste mês elegíaco de Novembro, mós sagrado em que na liturgia e na própria expressão fisionómica da Terra e dos Céus paira a saudade comovida dos nossos mortos, todos nós sentimos que era bem nossa Aquela que morreu!
Aqueles a quem a Pátria, nos momentos culminantes da sua vida moral, concedeu a graça de revelar a sua presença, pulsátil e fremente, dentro do próprio «oração,
sentem que esta Rainha que agora acaba de entrar na Eternidade pôs mais um traço de união entre nós e o Céu!
É num dia como este, impregnado daquela sensibilidade que vela de melancólica e enternecida saudade a alma dos homens e a própria expressão das coisas e da paisagem quase inanimada, é num dia de bruma como este que mais avulta, como poalha de oiro através da cinza diáfana do tempo, o halo primaveril de certo dia longínquo de Maio florido, que tanto haveria de influir em mais de meio século da história de Portugal.
Sobre esta mancha de oiro invocada pela lembrança, e como expressão mais alta daquele mós em flor, surge, finamente delineada, com a elegância duma iluminura primaveril de Malouel no Muito Precioso Livro de Horas