O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

19 DE JANEIRO DE 1962 223

Não tenho, graças a Deus, tendência, por temperamento, para o pessimismo. Contudo, às vezes quase estou inclinado a dar razão aos eborenses supersticiosos, que atribuem, por crendice inveterada no espírito dos naturais, todos os infortúnios da cidade a uma célebre caveira de burro, que julgam enterrada, para malefício, na Praça do Giraldo, malefício que terminará quando for um dia encontrada e desenterrada ...
Oxalá a solução do caso da biblioteca da Manizola possa contribuir para desanimar a citada e jocosa crendice popular.
Assim, atrevo-me a solicitar do Governo, especialmente dos Ministérios da Educação e das Finanças, que seja nomeada uma comissão de técnicos para proceder à revisão do arrolamento, que me dizem não estar completo, e conjuntamente à avaliação do núcleo, com vista à sua aquisição por compra para o Património Nacional.
Não é demais acentuar que não é de uma questão eborense apenas que se trata, mas sim de um problema importantíssimo da cultura nacional.
Bem haja quem o quiser resolver.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: a nossa orgânica político-administrativa fundamenta-se muito mais sobre uma desconcentração administrativa do que propriamente sobre uma descentralização, entendida esta como revestida de uma certa autonomia. A característica marcante da centralização administrativa é a existência de uma tutela. É bem claro o artigo 127.º do nosso estatuto fundamental.
Para a existência de um pluralismo que impeça a centralização de se tornar opressiva, que defenda uma certa descentralização na desconcentração, é indispensável que os artigos do Código Administrativo tenham uma compreensão nítida da parte de quem os executa, de modo a que essa desconcentração descentralizada não se transforme numa centralização que a nossa orgânica repele porque pretende um certo equilíbrio entre os órgãos da administração local e o Poder Central.
A orgânica das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto dá uma amplitude enorme aos presidentes das câmaras. Essa noção de equilíbrio e de pluralismo de competência é absolutamente de observar e de rigorosamente fiscalizar.
Há muito tempo que desejaria tratar num aviso prévio, de esclarecimento, que não de crítica, este assunto. De esclarecimento porque os actos do Sr. Ministro do Interior, que tem tido para mim gentilezas que demoram na minha gratidão e além de tudo o mais porque a sua actuação neste particular não merece reparo. Dizia eu que já há muito tempo desejaria lançar um aviso prévio sobre a forma de actuação dos nossos corpos administrativos na matéria política e de administração económica, mas um assunto de salto apressou a minha intervenção : um pequeno incidente travado na Câmara Municipal de Lisboa entre um Sr. Vereador e o Sr. Presidente, em que este se recusou a dar novamente a palavra àquele para explicações.
Neste incidente não viso a pessoa do presidente, por quem pessoal e politicamente tenho a mais alta consideração, mas o problema em si: a quebra de equilíbrio entre um delegado da tutela e a vereação, isto é, a interpretação do artigo 101.º do Código Administrativo, que diz:
Leu.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? E não há foro próprio para apreciação de factos desta natureza?

O Orador: - Não há disposições internas que permitam reclamar. A esta Câmara pertence-lhe examinar os actos sobre que possa ter interferência o Executivo.
Repare V. Ex.ª bem no artigo 101.º, que diz:
Nas reuniões ordinárias podem discutir todos os actos praticados pelo presidente no exercício da sua competência, e os votos que dessa discussão resultem serão submetidos à apreciação do Ministro do Interior.
Da segunda parte deste artigo verifica-se que só pode ser apreciado o facto pelo Sr. Ministro do Interior quando der ensejo a votações. Não vai tão longe a centralização ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Ex.ª me dá licença para esta observação, sempre me atreverei a fazê-la: é que a quem V. Ex.ª tem competência para pedir responsabilidades, na ordem lógica das suas considerações, é ao Ministro do Interior, e não ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

O Orador: - VV. Ex.ªs chegaram um pouco tarde ao pé de mim, e, como além disso eu falei um pouco baixo, não ouviram bem o que eu disse.

O Sr. Carlos Moreira: - Tenho estado alento às considerações de V. Ex.ªs

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu ouvi tudo perfeitamente, pois cheguei aqui logo que V. Ex.ª iniciou as suas considerações.

O Orador: - Não é em relação ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa que eu ponho o problema.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª não pode negar a quem preside a uma sessão o direito de dirigi-la como entende.

O Orador:- O que eu examino é as circunstâncias em que o caso se deu.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas que elementos tem V. Ex.ª para se julgar bem informado acerca do que se passou?

O Orador: - As informações publicadas nos jornais, e quando for publicada a acta poderemos então ver melhor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Até que o Ministro tome posição sobre a matéria, V. Ex.ª não deverá pronunciar-se, porque, como disse, é sobre a actuação dele, e não do presidente da Câmara, que se exerce o seu direito de fiscalização como Deputado.

O Orador:- Eu não estou responsabilizando o Sr. Ministro do Interior, mas apenas pedindo informações ao Sr. Ministro do Interior.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é possível que o Ministro do Interior não tome conhecimento do que se passou, e V. Ex.ª antecipou-se ao tratar do assunto antes de saber qual seria a posição tomada por esse membro do Governo.
Não podemos julgar aqui a questão sob o ponto de vista jurídico, mas sim sob o ponto de vista político, porque nós não somos técnicos de Direito ou tribunais; somos Deputados.