330 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129
peita do que se passa, especialmente nos grandes centros populacionais, no que diz respeito à desagregação das famílias, à perversidade da sua vida íntima e ao abandono e corrupção especialmente dos menores adolescentes.
Ouvi-lhe confrangido referir casos de verdadeira tragédia, especialmente provenientes daquele abandono, que se têm revelado perante os seus olhos e torturado o seu coração; abandono que, numa consequência lógica e matemática, passa à miséria, impele para o abismo, estimula depois a corrupção e o crime e, quantas e quantas vezes, a perdição irremediável!
Mal que carecia de remédio; e de remédio urgente, porque, em consequência das duas guerras, das propagandas subversivas, do nível de vida ainda baixo, da miséria em muitos lares, etc., estava - e está - alastrando assustadora e irremediavelmente.
Daqui surgiu a ideia de trazer à Assembleia Nacional o cruciante problema, ou seja este alarmante fenómeno social, que, é triste reconhecê-lo, não foi entre nós encarado devida e completamente no âmago das suas raízes fundamentais, pois se cuidou especialmente de remediar ou atenuar um mal que antes não se cuidara de prevenir na origem.
Foi esta, e só esta, a proveniência deste projecto de lei, apresentado há longa data, é certo, mas ainda oportuno, ou, antes, cada vez mais oportuno, porque cada vez se tomam mais urgentes providências, que denomino cautelares, para opor um dique à vaga de corrupção que está subvertendo a família e que, geralmente, só quando já está consumada, o Estado procura dominar através de institutos, sem dúvida modelares, de correcção ou internamento, mas impotentes para restabelecer o lar, e, por vezes, inoperantes na regeneração das almas corrompidas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Dado este esclarecimento necessário, quero, antes de prosseguir, cumprir o grato dever de agradecer a V. Ex.ª ter-se dignado atender o meu pedido para, sobre o projecto, mandar ouvir com brevidade as comissões respectivas e tê-lo incluído na ordem do dia na primeira oportunidade que se lhe ofereceu. Não me surpreende, por ser habitual, esta generosa solicitude de V. Ex.ª, mas isto não impede que o facto mereça registo especial, e muito gostosamente o cumpro.
Não vou defender o meu projecto. Está confiado ao estudo e decisão da Assembleia e sobre ele incidiram um douto parecer da Câmara Corporativa e o estudo das nossas comissões, que habilitam VV. Exas. a pronunciarem-se.
Não vou fazer a sua defesa, repito. Vou justificá-lo, o que é diferente - e faço-o no propósito de dar ainda uma quota-parte de colaboração para que dele resulte uma lei quanto possível perfeita, útil e eficaz, como recomenda a importância e a delicadeza da sua matéria.
Tão-pouco quero tomar já posição sobre o caminho que julgo dever adoptar-se, isto é,- se deve tomar-se para base da votação o meu projecto ou o texto da Câmara Corporativa. E não o faço para não poder atribuir-se-me a deselegância, aliás inoperante, de pretender influir na resolução da Assembleia ou antecipar-me às nossas ilustres comissões, que, certamente, sobre o assunto dirão uma palavra.
Num caso ou noutro, afigura-se-me que a economia e o texto do projecto, com ou sem as alterações da Câmara Corporativa e aquelas que resultarem da discussão, merecem a atenção da Assembleia Nacional pelo interesse e pelo valor do seu conteúdo. Procurei demonstrá-lo -, com singeleza mas com verdade, no respectivo relatório, cuja leitura solicito aos meus colegas também para base da discussão e para evitar-lhes a demora e o incómodo de repetições.
Duas objecções podiam, porventura, opor-se à utilidade ou à oportunidade do projecto: são a de que ele é restrito a um limitado número de casos, quando é certo que muitos outros ocorrem nos deveres e relações de família, e a de que as sanções propostas hão-de constar um dia de um código ou de qualquer outro diploma completo a surgir.
Ora os discordantes têm resposta no próprio relatório do projecto, onde diz que se visou apenas o preenchimento de algumas lacunas mais graves da lei relativamente a sanções contra os infractores dos deveres conjugais e paternais mais importantes e a actualização e compilação de outras dispersas e, por vezes, deslocadas nos códigos e em múltiplos decretos. E o projecto será limitado na sua extensão, mas, julgo eu, é muito importante no seu conteúdo.
Não se trata de modo algum de uma medida de emergência ou de circunstância, nem tão-pouco de resolver especificadamente um número restrito de casos pendentes ou conhecidos; e até, para as «boas almas» não se atormentarem ... ou entreterem, proporei que esta lei não tenha efeito retroactivo quanto ao início dos prazos e talvez quanto aos factos determinantes da sua actuação.
Será, porventura, um diploma que se destina mais a prevenir do que a remediar, embora sem dúvida vá resolver, no futuro, muitos casos graves, para cuja solução até agora as leis eram impotentes precisamente por falta de sanções. Digamos: sem deixar de, em muito, ter relevância prática, o projecto tem também um largo alcance subjectivo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não é tudo; sim, não é tudo, mas, a meu ver, é um grande passo em frente e com evidente reflexo na defesa e na moralização do lar.
Não sou portador do elixir da salvação, que em meia dúzia de artigos resolva este importante, vasto e transcendente problema. Pretende-se avançar um pouco. Nada mais.
E quanto ao argumento de que um dia há-de vir um código ou outro diploma que abarquem, no seu conjunto, tudo o que diz respeito às relações de família, basta-me responder que se aguarda este há muitas décadas ..., apesar de ter havido muitas manhãs de nevoeiro. Temos sabido esperar; mas os acontecimentos precipitam-se, e a onda de perversão e imoralidade provenientes, como disse, das duas últimas guerras, das propagandas do Oriente e a das dificuldades da vida presente, etc., são tais que, se permanecermos de braços cruzados, corremos o risco de soçobrar perante a grave crise moral que assola o Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, seja como for, a lei que votarmos não estorva o caminho; antes o abre e aplana num dos aspectos mais importantes e que, repito, não se compadece com delongas; e, depois, esta lei, integralmente ou com alterações que a experiência tiver aconselhado, pode ser incorporada nesse diploma geral, tão necessário e desejado.
Aliás, a Câmara Corporativa - e isto sobrepõe-se ao que eu possa dizer - não se manifesta contra a iniciativa e oportunidade do projecto. Antes, com a sua autoridade, depois de salientar que ele se destina a, no aspecto criminal, dar satisfação ao preceito do artigo 12.° da Constituição e que se trata de efectivar parcialmente um dos mais salutares princípios da nossa lei fundamen-