31 DE JANEIRO DE 1952 331
tal, acrescenta que a intenção que anima o projecto é, por isso, merecedora do maior louvor e aplauso; e mais adiante presta homenagem ao seu alto objectivo. E basta saber quem é o relator deste parecer, qual a esplêndida formação do lúcido espírito do Prof. Gomes da Silva e quem são os restantes Procuradores que o subscrevem e as suas profissões e categoria para, sem constrangimento, mesmo os mais cépticos ou derrotistas concluírem que o projecto passou a ser revestido da autoridade e do valor que o seu autor não podia nem sabia emprestar-lhe. Sinto-me assim muito à vontade para confirmar a vantagem da sua conversão em lei, quer se tome para base o texto inicial, quer outro.
Reservando-me para, depois de ouvidos outros oradores, ou na especialidade, manifestar-me a respeito de uma ou de outra solução, quero agora apenas apreciar resumidamente as reservas que a Câmara Corporativa põe sobre o intervencionismo do Estado, pela via criminal, na vida da família e focar alguns dos aspectos mais salientes do parecer que se relacionam com os casos a submeter às sanções penais.
Dispenso-me, por desnecessário e brevidade, de divagações sobre aquela teoria, que aliás não merece reparo quando se refere ao exagero no intervencionismo do Estado. Basta-me objectar que a intervenção do Estado pela via criminal é, em geral, a consequência natural, lógica e necessária da intervenção do Estado pela via civil, que a sua própria função impõe; e esta, especialmente na parte que se refere aos cônjuges e aos menores, é completa, como sucede nos deveres recíprocos e nó regime de defesa e conservação do património dos primeiros; e, quanto aos segundos, no que diz respeito ao pátrio poder, à tutela, ao sustento, educação e vestuário, jurisdição orfanológica, tutorias, institutos tutelares e de correcção, etc.
É certo que a lei estabelece determinadas soluções de natureza civil naquilo que pode ser objecto de uma acção directa, como sejam divórcio, separação de pessoas e bens, inibição do poder paternal, etc.; mas as obrigações de alimentos, sustento, educação e outras tornam-se praticamente irrelevantes quando os cônjuges ou pais são insolventes ou ocultam o património (caso frequentíssimo), pois sabem de antemão não haver forma de efectivação compulsiva da lei ou das sentenças, e as consequências funestas dos seus erros e desvarios são indiferentes à sua sensibilidade moral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Finalmente, o intervencionismo do Estado nos casos desta natureza, digamos na vida familiar, não tem como objectivo principal resolver este ou aquele caso concreto de desarmonia ou de conflito conjugal ou de abandono de um filho, embora já, por si, o justifique a protecção que o Estado lhes deve. O objectivo Vai mais alto.
Intervindo, pelas vias civil e penal, o Estado assegura a organização e a defesa da família como fonte da conservação e desenvolvimento da Raça, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social e como fundamento de ordem política e administrativa. Intervindo, o Estado providencia no sentido de evitar a corrupção dos costumes. Isto é: o Estado cumpre e faz cumprir o artigo 12.° e o n.° 5.° do artigo 14.° da Constituição.
Numa palavra: intervindo pela via civil e pela via penal, que àquela dá eficiência, o Estado defende a família, isto é, a sociedade, a Nação.
Apoiados.
Ora é exactamente porque reconheceu ser assim que o Estado sempre teve necessidade de intervir pela via criminal, estabelecendo penas corporais ou pecuniárias.
Referi no relatório do projecto vários exemplos desta indispensável intervenção. Não os repito porque a eles me reporto.
Ela vem das velhas Ordenações, onde até a pena de morte era aplicada aos adúlteros e raptores, e tinha degredo em África e perda da fazenda o que se atrevesse a casar com mulher de ,25 anos sem licença de quem a tivesse u sua guarda. Vê-se que há três séculos a mocidade não era precoce... E o Código Civil - o próprio Código Civil -, no seu artigo 141.°, manda punir os pais que abusem do poder paternal.
Várias são as penas criminais instituídas para os casos em referência no velho Código Penal e em outros diplomas posteriores também citados no relatório do projecto. E até o novo Código de Processo Civil, desgarradamente, manda, pelo seu artigo 1465.°, aplicar a pena de prisão correccional até seis meses, não convertível em multa, aos cônjuges e pais quando, por outro modo, não seja possível conseguir o pagamento dos alimentos, pensões e encargos a que estejam obrigados.
Lá fora, por toda a parte, o intervencionismo do Estado nestes casos, pela via criminal, é regra geral.
O Brasil, no recente Código Penal de 1940 - mais novo cinquenta e quatro anos do que o nosso... e de que eu, pune, nos artigos 244.° e seguintes, com penas de três meses a um ano e multa, os crimes «contra a assistência familiar», como sejam os dos que, sem justa causa, deixarem de prover à subsistência do cônjuge ou dos filhos menores ou ineptos para o trabalho, e à sua educação primária, ou permitirem que eles frequentem casas de jogo ou de má nota e espectáculos impróprios da sua idade, ou convivam com pessoa viciosa ou de má vida, etc.
E a falta de manutenção da família, em especial da mulher, ó nos Estados Unidos da América do Norte um crime sujeito à pena de extradição entre os diferentes Estados; e a mulher assim abandonada pode contratar para prover às suas necessidades, responsabilizando o marido por tais contratos, sem este os subscrever.
Não menor é o rigor em Inglaterra. A condenação do que se negar a socorrer as necessidades da família são trabalhos forçados; e o que abandona a mulher e os filhos é considerado vagabundo e condenado também naquela pena.
O intervencionismo do Estado dá-se também na França, na Espanha, na Bélgica, na Suíça, na Alemanha', na Itália, na Holanda, na Dinamarca, no Canadá, etc. Tenho em meu poder a demonstração.
Salvo o devido respeito, o receio da Câmara Corporativa não se justifica também porque, no artigo 4.° do projecto, houve o cuidado de estabelecer que, além do Ministério Público, a participação dos delitos previstos nos n.08 1.°, 2.° e 3.° do artigo 1.° só compete ao outro progenitor ou ao curador dos menores, e, nos casos dos n.ºs 4.° e 5.° do mesmo artigo, aos interessados, ou seja ao cônjuge e ao ex-cônjuge.
O texto da Câmara Corporativa é até, porventura, mais vago, pois, quanto à falta de pagamento de alimentos, torna a acção penal dependente da acusação (deveria bastar participação) das pessoas que tenham legitimidade para exigir os alimentos (§ 1.° do artigo 1.°), e, em referência ao abandono e falta de assistência moral e económica ao cônjuge, a intervenção judicial depende da participação deste (§ 3.° do artigo 2.°).
Mas nada diz sobre a competência para participar os delitos dos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 2.°, e não podemos ser levados a concluir que é só o cônjuge ou outros representantes do menor no primeiro caso e o cônjuge no segundo.
Há mais.
Afinal, o douto parecer, apesar das reservas que põe, considera legítima e necessária a intervenção do Estado,