4 DE MARÇO DE 1952 359
levantou para a baía do Fanal, do outro lado do Monte Brasil, pequena península ligada à costa precisamente no ponto onde se assentou a cidade, e que oferece algum abrigo, embora precário, mas sem que o respectivo cais, o da Silveira, tenha o necessário apetrechamento para o serviço de descarga dos vapores. Mesmo assim, dali teve de levantar, para se pôr ao largo e procurar melhor abrigo no Norte da ilha. Assim esteve pairando em volta da Terceira durante sete dias, porque só ao oitavo dia pôde fundear na baía de Angra e fazer a descarga e todo o outro serviço para Oeste, para onde partiu na madrugada de 22. Esteve portanto o Lima demorado na ilha Terceira por espaço de oito dias para um serviço que normalmente lhe leva dezoito horas, caso inédito nos anais das ligações do arquipélago pela navegação a vapor!
Não discutirei os prejuízos para a empresa do Lima, que são indiscutíveis, mas lembrarei o incómodo sofrido pelos passageiros que se destinavam aos portos para lá de Angra, até ao limite da rota do barco, que é a ilha do Faial, naquele baloiço de tantos dias, à vista de uma ilha com que se não pode comunicar, e até, disse-se, com a água racionada. Entre esses passageiros achava-se o digno governador da Horta, Sr. Engenheiro Mascarenhas Gaivão, que por certo dará vivo testemunho dos encantos dessa viagem.
No entanto, Sr. Presidente, o que me compete expor aqui à Assembleia, por imperativo dos meus conterrâneos, dos meus eleitores, é a situação da ilha Terceira e dos seus habitantes perante as bravezas do mar, especialmente quando o vento sopra dos quadrantes do Sul, que os isolam do resto do Mundo, tornando impossíveis as comunicações por via marítima. São bem frisantes os factos ocorridos no mês de Fevereiro findo e que eu acabei de relatar, para que essa situação fique bem definida perante V. Ex.ªs e perante o Governo, que é, em última instância, a quem se dirigem as minhas considerações e o apelo que delas deve resultar.
É sem dúvida espectáculo digno de admiração esse do mar embravecido. Há quem aqui vá, por desfastio, ali à Boca do Inferno ver o trepar das vagas e o seu rebentar naquele boqueirão profundo; mas isso não tem comparação com o que os bons angrenses, encarrapitados nos pontos altos da costa, divisam, olhando para o Sul, nesses dias tempestuosos. Os vagalhões enormes entram em fúria pela baia dentro e, apertados no fundo do saco que a reintrância forma, trepam uns pelos outros a alturas enormes, vindo rebentar, em fúria sempre crescente, contra a muralha de defesa da terra, que a água galga, abatendo-se com violência inaudita sobre os cais e sobre a estrada marginal, depois de ter produzido as mais belas e alterosas gerbes que é possível imaginar.
Mas quando os Angrenses, desses mesmos pontos e durante essas raivas do mar, avistam ao largo, pairando, o vapor que lhes deve trazer parentes ou amigos, correio há tanto esperado, muitos dos géneros e artigos necessários à sua vida, e deve depois levar o que a ilha produz e estabelece o equilíbrio da sua economia, e que, por causa da violência das águas revoltas, não pode aproximar-se e entrar na baía, pensam então, e com eles todos os Terceirenses, que se ali fora existisse um paredão e um quebra-mar que sustivesse aquelas vagas alterosas e as fizesse rebentar longe, deixando a baía tranquila para abrigo das embarcações que demandam o porto e serviço acautelado dos seus passageiros « das suas cargas, sem demoras prejudiciais, lembram-se então da grande promessa, de há mais de cem anos, que cristalizou na sua mais ardente aspiração, para se tornar ao presente na mais real das necessidades - o porto de abrigo -jamais alcançado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E depois de ouvirem dizer a uma das mais marcadas figuras do Governo Nacional ser a Terceira «chave do Atlântico», «princesa que todos os senhores da terra desejariam desposar»; ao sentirem o papel importante que a sua ilha desempenha no contributo de Portugal para o Pacto de que vimos tão celebradas as decisões do seu Conselho na recente reunião desta cidade, os Terceirenses, repito, espantam-se de não verem satisfeita essa sua necessidade imperiosa e urgente, e triste e desalentadamente perdem a esperança que lhes fez nascer aquele célebre Decreto de Outubro de 1944, que, determinando a 2.ª fase da obra dos portos, nela incluiu o porto de Angra.
Entretanto, agora, à vista do vapor Lima pairando nas suas águas oito dias, sem possibilidade de receberem muita coisa que já escasseava no seu comércio, sentindo o incalculável prejuízo que resulta de tão grande demora nas suas relações comerciais com o exterior, compreendendo, enfim, que é já grande injustiça conservá-los, nesta época, despojados dos meios que lhes assegurem as suas comunicações marítimas, o que já há muito não sucede a nenhuma das outras capitais do distrito, reagem, volta-lhes o ânimo e a esperança, porque não perderam a fé no lema desta nova política e sabem que promessa feita neste regime é promessa cumprida.
Surge um primeiro movimento da população, que o jornal católico A União procura interpretar num telegrama que o seu director dirige, no dia 20, aos Deputados do distrito, nos seguintes termos:
«Jornal A União interpretando sentir geral população roga VV. Ex.ªs mais uma vez exponham Governo penosa situação nossa ilha falta porto abrigo. Há sete dias paquete Lima paira ao largo esperando oportunidade serviço carga e passageiros. Igual sorte padecem cargueiros americanos. - Cardoso do Couto».
Depois veio o seguinte telegrama do Ex.mo Governador substituto do distrito, que mostra bem o estado de espírito da população, traduzido pelo movimento das chamadas «forças vivas», das associações e corpos administrativos:
«Vapor Lima esteve assim como outros vapores estrangeiros volta ilha Terceira só conseguindo desembarcar mercadorias e mala fim oito dias virtude estado mar e mais uma vez imprensa local traduzindo vibrante sentir público fez reparos e reclamações veementes construção porto abrigo especialmente agora diário União cujo director telegrafou também V. mesmo sentido. Angra Heroísmo única capital ilhas adjacentes que não tem porto abrigo apesar antiquíssima reivindicação que corresponde hoje mais que nunca necessidade urgente. Últimos governadores distrito corpos administrativos deputados três últimas legislaturas têm instado construção porto abrigo mas apesar estudos planos feitos engenheiros até experiências feitas estrangeiro com profunda mágoa Terceirenses vêem sem realização essa importante obra. Hoje Governo Civil reunidos representantes Junta Geral Câmara Municipal Junta Autónoma Portos União Nacional Grémios Comércio e Lavoura Sindicatos Casas Povo Confederação Operária Associação Recreio Operária Sociedades Recreio Federação Cooperativas Lacticínios firma Lacticínios Ilha Terceira Limitada em nome deles solicito interferência V. outra vez junto Governo para ser satisfeita nossa secular justíssima aspiração».
Sr. Presidente: há quase dois anos tratei nesta Assembleia este assunto do porto de Angra e antes já o havia apresentado ao Sr. Ministro competente. Achei o caminho barrado, não por má vontade, que eu sei não existir, mas por compreensíveis restrições. Protestei, quase, não voltar a falar em semelhante reclamação da minha terra; no entanto, perante este imperativo dos meus conterrâ-