O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4 DE MARÇO DE 1932 361

possuírem a força de transcendência ou o segredo de perpetuidade que as comunica, recomenda ou impõe.
Valha-me o propósito que tive de dar tempo a que outros se preparassem mais e melhor para virem aqui discutir e construir o que eu não puder discutir nem construir. Considero este fim - o de abrir campo a outros obreiros - o serviço mais proveitoso da minha iniciativa.
Medi a grandeza e o valor das questões que mo proponho tratar no meu aviso prévio. Depois de o apresentar, dizia-me o Doutor Afonso Queiró, professor da Universidade de Coimbra, que muito considero e admiro:

Escolheu um tema que me apaixona. Que mais não faça, deu lugar a que se ocupem dele, e isso já é muito.

Em todo o caso, não estou tranquilo. Eu é que me sinto pequeno para tratar aqui, de um fôlego, tão grande problema. E ao reconhecer, como o reconheceu o comandante Sarmento Rodrigues, na sessão de 27 de Abril de há dois anos, que temos nesta Assembleia elementos capazes de o fazer, dou graças por ver no Ministério do Ultramar um dos maiores e dos mais categorizados desses elementos, pois aí já ergueu realidades que nos trazem presos e agradecidos.
Nunca subi a esta tribuna com tanto peso nos ombros e com tanta ansiedade na alma.
Já alguém observou que não é a noção do momento difícil que nos aflige, mas sim a perda da fé que nos cria situações aflitivas.
Tenho fé.
E se alguma aurora de sonho envolver, por vezes, o corpo da realidade, não levem a mal.
Guardo este conselho que recebi algures: «Pôr a maior dose possível de sonho na realidade e a maior porção de realidade no sonho».
Sempre que posso uso esta grande fórmula de construção.
Sr. Presidente: reparando nos factores que entram na evolução do problema demográfico, penso que nem o factor político, nem o militar, nem o económico, no sentido restrito, nem o humano ou o fisiológico foram entre nós causas predominantes do aumento da população.
Politicamente, não praticamos o critério da população estacionária. A ideia de medida que levou os filósofos da velha Grécia a condicionarem à lei do equilíbrio populacional a existência de ordem na cidade nunca nos preocupou. O certo é que não regulamos a soma dos nascimentos pelas leis de Platão e de Aristóteles e que não despertamos a matinada dos berços ao sabor da afirmação de Bossuet de que a multiplicação do povo é a glória e a dignidade do rei.
Temos leis protectoras da família, dos carecidos e desamparados; reagimos contra os hábitos anticoncepcionais; dispomos de um clima moral propício à natalidade, mas é pelo factor religioso que nos portamos assim no quadro político.
No campo militar não criamos gente de propósito para a guerra. Nunca nos entregámos à política do excesso de homens como arma ofensiva e nunca admitimos que a nossa falta de soldados pudesse despertar os apetites estranhos.
Nacionalistas de tipo compreensivo, mesmo quando alargámos as fronteiras foi por cima das terras profanadas e das águas sem dono. E tão desprevenidos foram sempre os juízos que fizemos sobre a perda de gente que o infante D. Pedro, em 1437, ao pronunciar-se contra a expedição de Tânger, observou ao rei que os Portugueses, ainda que pudessem ir além e tomassem, no mesmo passo, Alcácer e Arzila, não saberiam depois que lhes fazer, «porque povoar dellas um regno tam despovorado e tam minguado de gente, como é este nosso, he impossível».
Na segunda metade do século XVI, Garcia de Resende escrevia a trova que tem sido muito citada:
Vemos no Reyno meter
Tantos captivos crescer,
E irense hos naturaes,
Que, se assi for, serão mais
Elles que nós, a meu ver.

Sob o ponto de vista económico repudiamos o aviso de que a população cresce mais depressa do que as subsistências, e nunca fomos comandados pela doutrina da maior população para a maior produção.
Por outro lado, não nos deixamos conduzir, exclusivamente, pelo instinto da felicidade pessoal. A grande parte desconhece que a palavra «proletário» significa «que tem muitos filhos» e aceita, como consequência indiscutível, a de se sentar à mesa com o encargo de muitas bocas.
Não somos também, por estrutura, desprovidos de natureza espiritual. O nosso processo de perpetuação da vida é mais o de almas que se renovam do que o de gerações que se sucedem.
Não digo que na medida da sua acção, por vezes contraditória, estes factores não apareçam no desenvolvimento do problema demográfico português, mas, se quisermos referir factores de maior relevo e preponderância, temos de dar valor à palavra do Génesis e ao destino histórico que nos mandou escrever o nome com a glória do nosso sangue.
À velha lei de Deus se foi povoando a estreita faixa peninsular, e, quando não havia mais terra pegada com a nossa, embebemos a vocação, lavrámos estranhos rastos no mar, abarcámos rumos incríveis, vencemos distâncias temerosas, ajudámos a completar o Mundo, na mais ingente batalha de desígnios que jamais foi dado a um povo cumprir.
Foi como se tivesse baixado sobre nós, vindo do céu, um apelo que nos obrigasse, através de tudo, a prolongar o espírito de fé e de esforço criador que nos trouxe desde as ribas do Douro até às praias do Algarve.
Nunca crescemos para outra coisa que não fosse para servir este fundo de agitação perpétua, este propósito de missão. Daí o supormos que não servimos a Deus nem à Pátria se nos reduzirmos ou estancarmos as fontes da nossa raça. Além do factor religioso, o factor histórico. E raros são os povos que vêem, como nós, borbulhar nas nascentes renovadoras da sua vida poder tão permanente e tão fecundo. A verdade é que possuímos a crença de que ninguém fecha ou embarga caminhos aos nossos passos. Nesse sentimento labutamos o por ele prosseguimos na marcha natural de nos propagarmos, como gente que tem direito a uma presença cada vez mais larga no Mundo. E um tema de epopeia que não finda. Reduzido à soberania efectiva cantou-o o poeta, ao descrever as armas reais:
E direi primeiramente
Das altas quinas reais
Mandadas por Deus, as quais
Já conhece tanta gente
Por senhoras naturais
............................

Mas teremos um excesso demográfico?
A resposta não é possível sem que se relacione o fenómeno económico com o movimento da população. Existe um mínimo de necessidades abaixo do qual a vida se torna penosa e até mesmo impossível. São as chamadas «necessidades elementares», com base no volume de subsistências reputado imprescindível. E já não importa