4 DE MARÇO DE 1952 365
cada país do rendimento efectivo do seu solo por cada unidade activa».
Ferenczi, para a densidade fisiológica, traça o seguinte comentário:
Mesmo sob o ponto de vista do abastecimento de víveres, não basta calcular e comparar a densidade fisiológica; é preciso ter igualmente em conta o clima, a qualidade do solo e a intensidade do trabalho.
Quanto à densidade agrária observa que:
. . . não basta, só por si, para caracterizar as condições elementares e outras da população agrícola nos países um pouco mais avançados sob o ponto de vista industrial.
E abre o caminho:
Para avaliar a densidade económica geral de um país é preciso então considerar primeiro, mais do que a densidade agrícola, os diversos recursos naturais independentes desta densidade, como as riquezas e as fontes de energia do interior do solo, do mar e das águas interiores.
Apesar de toda esta depreciação do valor das densidades, para a qual concorreu e concorre, sem dúvida, com influência crescente, o poder da técnica, por vezes lançado de cachão, em zonas de reduzida ou quase nula produtividade - e nós temos ainda tanta riqueza para explorar!-, esse valor presta para se concluir, como observei e outros, antes de mim, observaram, que a nossa gente está mal distribuída pelo nosso território.
Já Anselmo de Andrade, no seu Portugal Económico, reeditado em 1918, dizia «que o pior era a irregular distribuição geográfica da nossa população, congestão nuns pontos, anemia noutros».
Mas há outros valores, outros processos de definir a nossa situação populacional:
Aldous Huxley, citado pelo Prof. André Navarro, na sua conferência «Novas Rotas-Velhos Rumos», tendo estudado o problema do espaço de que o Mundo dispõe para sustentar a sua população, computada em 2:250 milhões, acabou por verificar que a situação é deficitária, pois, sendo de 2 biliões de hectares a superfície cultivada e pouco mais de l hectare a superfície necessária, segundo julga, para produzir o indispensável à alimentação de um homem, «muitos milhões de seres humanos» -no comentário daquele professor ao escrito de Aldous, publicado na revista Science News Setter - estariam já hoje vivendo em apertada dietas.
Aplicando estas conclusões ao caso português, aquele ilustre professor e Deputado, ao ligar, na sua conferência, a nossa mazela agrária, e consequentes desequilíbrio económico e mau estar social, ao facto «de os 8 milhões e pouco mais de hectares, que tanto mede a totalidade do território metropolitano, serem a terra que, incluindo areais pliocénicos e modernos, solos pedregosos de charneca e outros igualmente estéreis, terá de gerar sustento para 8 milhões de bocas ou pouco menos», conclui:
Como vemos, este sombrio panorama agro-social, correspondendo a uma proporção de menos de l hectare do terra agricultável, mas pobre, por indivíduo, bem pode explicar o motivo por que muitos continuam a clamar ...
Completo o quadro:
Em 1918 faltavam ainda 13,4 por cento da nossa superfície cultivável por aproveitar e o rendimento médio por hectare obtido sobre cinco géneros-tipo de cultura - trigo, milho, centeio, arroz e batata - no quinquénio de 1940-1945 (se os respectivos anos agrícolas tivessem sido normais), foi de 14,5 quintais por habitante (números de Gaspar de Barros e Del-Negro Fernandes), o que traduz um índice de produção tão baixo que coloca Portugal na escala europeia entre os países que ocupam os últimos lugares.
O Doutor Maia de Loureiro, professor que foi da Faculdade de Medicina de Lisboa, no seu valiosíssimo estudo publicado no vol. I, n.° 6, da revista Amatus Lusitanus, de 6 de Março de 1942, depois de estabelecer a composição da dieta média provável do povo português no triénio 1938-1940, valorizando-a em 2:510 calorias diárias, apura o deficit de 16,7 com referência ao padrão de 3:000 calorias atribuídas ao adulto varão que executa trabalho moderado.
Depois deste professor, os engenheiros Gaspar de Barros e Del-Negro Fernandes, no trabalho, que já citei, feito em 1948, avaliando também as disponibilidades do País pelos boletins de estatística da produção, importação e exportação, embora o sistema usado não permita precisar as «diferenças de alimentação que actualmente existem entre as classes anais protegidas e as mais desprotegidas» e admitam algumas quebras ou fugas, que não dão origem a erros excessivamente elevados, através de sérias investigações e de laboriosos cálculos sobre o período que decorreu de 1935 a 1939 estimaram para o continente o valor da ração alimentar, por habitante, em 2:567 calorias diárias.
As opiniões mais numerosas, e tão autorizadas como as opostas, fixam o número de calorias necessário por unidade de consumo em 3:200. Subtraindo, as 2:567 calorias efectivas representam, apenas, 80 por cento do desejável - 20 por cento de déficit.
Há quem sustente que estes cálculos de calorias têm pouco ou nenhuma valor demonstrativo. Sem lhes atribuir o rigor ou a segurança que muitos, por sua vez, lhes atribuem, talvez exageradamente, utilizo-os, no entanto, como factores de determinação a ligar a outros factores, ou seja como mais um elemento a apreciar.
Mesmo se não me referisse ao processo hoje mais ou menos consagrado das calorias, teria uma falha na ordem das minhas considerações.
Sendo o poder de compra «um factor decisivo para a análise do bem-estar de um povo num dado momento», haveria que fazer o estudo das possibilidades dos que vivem do seu trabalho e que constituem no nosso país grande número.
Este ponto, que tem sido tratado por alguns dos nossos economistas, como os professores e engenheiros Daniel Barbosa e Ferreira Dias é de desenvolvimento largo, obrigando à exposição de muitos números.
Bastará acentuar que se chega à conclusão - trabalhando com os índices, de variação do custo de vida mais aceitáveis - de que os salários industriais e rurais mais correntes não têm, de facto, estado à altura de permitir a quem trabalha o mínimo necessário, isto sem esquecer a situação difícil do funcionalismo civil e militar, dos empregados no comércio e de tantos outros da classe média.
Mas que mais é preciso?
Que quer dizer o número dos sem emprego que nos bate à porta, que se acotovela, que luta, hoje com desespero, amanhã com esperança, pedindo, insistindo, voltando sempre, umas vezes para alcançar um sim vitorioso, outras vezes, as mais das vezes, para receber o não da derrota final?
Que quer dizer a ansiedade dos que gritam que nesta zona há míngua de serviço, que daquela outra os homens se mudam em busca de dar que fazer aos seus braços, que nesta província há uma crise cíclica que traz privações ao povo, que naquela outra o trabalho é penosamente rateado pelas legiões que o reclamam?