428 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
possível, do curso das minhas considerações. Não por soarem mal aos nossos ouvidos de portugueses experimentados na arte de civilizar povos e de criar nações, mas por esse rumor que se eleva de certos arraiais muito interessados na sorte dás populações atrasadas ou simplesmente muito agitados na pressa do lhes dar imediata autonomia. O certo é que à sombra destas duas bandeiras medra e activa-se o guloso interesse de um forte imperialismo comercial e de um perigoso imperialismo ideológico, um e outro acesos no desígnio de frutificarem e progredirem sobre a base económica da sua expansão.
Como a justiça, em especial a das nações, não foge à invenção dos fracos, assinalada nos diálogos de Platão, não há remédio senão ir com os tempos e transigir na nomenclatura, embora há muito o nosso conceito de nação envolva todas as parcelas do território pátrio amalgamadas e fundidas numa só peça.
Uma só peça, sim: pela terra indivisível; pela epopeia que bem eu o chão; pelo fervor que une o agregado; pela vida que enche a História; pelo vento do largo, habituado à têmpera portuguesa; pelo mar, que não nos desperta confusão nenhuma e faz parte da nossa casa.
Reformámos a Constituição e nela deixámos bem expressa a nota de que «as províncias ultramarinas, como parte integrante do Estado Português, são solidárias entre si e com a metrópole» e que essa solidariedade consiste na obrigação de contribuir para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação.
Neste sentimento, nesta prática de unidade, se recorta e fixa toda. a nossa marca de povo livre e independente.
Não alienar, por nenhum modo, qualquer parte do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele o Estado exerce é princípio e regra constitucionais de que se não abdica ou foge. E quando passámos a designar por províncias os nossos territórios ultramarinos foi para traduzir um estado e unidade que já existia de facto e de direito.
Como não podia deixar de ser, explicámos e precisámos o nosso «pensamento colonial»:
É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos Descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da sua civilização ... (artigo 133.º).
Definição simples, correcta, e justa.
Os Portugueses «foram os primeiros colonizadores europeus e as ilhas do Atlântico o primeiro exemplo de colónias propriamente ditas» - rectifico, de colónias de povoamento. Mas esse nosso grande desígnio de colonizar, que nasceu com o barro da História, não constitui uma missão à parte: juntou-se ao próprio barro e transfigurou-se com ele no corpo vivo dos sacrifícios com que levamos as luzes da civilização às regiões mais bárbaras e escuras.
Deste mesmo lugar, na sessão de 1 de Março de 1950, de protesto contra as declarações do pândita Nehru no Parlamento de Nova Deli, o comandante Sarmento Rodrigues apanhou, nesta síntese admirável, toda a essência do nosso esforço no Oriente:
Na índia nada mais temos feito do que servi-la.
Parafraseando, direi:
No Mundo nada mais temos feito do que servi-lo. Mas não é Portugal repartido em pedaços flutuantes; é Portugal com as suas fronteiras riscadas pelo sangue
de heróis e de mártires, cônscio do seu esforço, pleno da sua razão.
Admitindo nos territórios ultramarinos - atento o estado de evolução das suas populações - «estatutos especiais que estabeleçam, sob a influência do direito público português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes, se não forem incompatíveis com a moral e os ditames de humanidade», demonstramos aceitar a existência cie uma cultura indígena.
Assegurando naqueles territórios sa liberdade de consciência e o livre exercício dos diversos cultos, com as restrições exigidas pêlos direitos e interesses da soberania de Portugal, bem como pela manutenção da ordem pública, e de harmonia com os tratados e convenções internacionais», provamos a nossa avisada tolerância e o nosso respeito pelas realidades espirituais vivas na personalidade do homem de cor, primitivo ou evoluído.
Ressalvando para as províncias ultramarinas uma «organização política administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social» e garantindo-lhes sa descentralização administrativa», varremos, de vez, o erro liberalista do nivelamento absoluto, cimentando o conceito de unidade contra o de autonomia plena e o de diversidade contra o de unidade prejudicial.
Ordenando às autoridades e aos tribunais que impeçam e castiguem, «nos termos da lei, todos os abusos contra a pessoa e bens dos indígenas», oferecemos o exemplo da nossa prática do humanidade, compreensível, sensata, cristã.
Estabelecendo instituições públicas, promovendo a criação de instituições particulares em favor dos direitos das raças primitivas ou para a sua assistência, remunerando-lhes o trabalho, garantindo-lhes a propriedade e a posse dos seus terrenos o culturas, protegendo-as e delendendo-as dos regimes de sujeição a quaisquer empresas de exploração económica, revelamos o espírito de justiça necessário, como primeiro valor moral, à transmissão dos nossos princípios sociais.
Integrando a organização económica do ultramar na organização económica geral da Nação, de modo a poder comparticipar na economia mundial, manifestamos conhecer e viver as graves responsabilidades da hora presente, que é de chamada e mobilização de todos os recursos para uma melhor satisfação das necessidades mundiais.
Estas directrizes não estão só postas no diploma fundamental da Nação Portuguesa - a Constituição; são observadas e praticadas sem desfalecimento e em constante progresso dos factores de produção, ordenados e integrados numa estrutura corporativa que mais se justificou e mais se engrandeceu através das duras experiências da guerra.
Se o sistema dos mandatos, saído do Pacto da Sociedade das Nações, chocou as bases da filosofia política tradicional em matéria de colonização, não nos serviu o aviso, por termos acompanhado sempre as naturais pressões para a precisa evolução da ciência colonial.
Se o compromisso assumido pelos membros dessa Sociedade para assegurarem, nos territórios submetidos à sua administração, «um trato equitativo às populações indígenas» constituiu um sério apelo à consciência dos países coloniais, nós estamos na base desse apelo, pelas lições de política colonial que temos dado.
Se as novas regras escritas no Código do Direito Colonial levaram algumas nações ao reconhecimento dos interesses dos povos indígenas e da necessidade de promover o seu bem-estar, criando um certo zelo internacional sobreposto à forma de administrar os territórios dependentes, nós é que concorremos, em larga medida, para o despertar desse zelo, em virtude dos nossos processos de assimilação dos povos atrasados.