5 DE MARÇO DE 1952 429
Se as dúvidas cresceram por causa do acesso aos mercados e às matérias-primas em regime de boa cooperação e colaboração internacionais, nós nunca nos negámos, guardada a inteireza da soberania nacional e ressalvadas as necessidades do abastecimento interno, a admitir o convívio das outras nações, pelo comércio das existências e dos produtos considerados essenciais ou imprescindíveis à vida de todos.
A reacção contra a escravatura, ainda viva e animadora de outras reacções; o sentimentalismo despertado pelas explorações de Livingstone; a doutrina da tutela condensada no termo inglês trusteeship; os princípios formulados por estadistas e estudiosos à Lord Hailey ou à Sr. Rychmans, que sobrepõem aos direitos históricos das potências a tutela por elas exercida sobre povos ainda incapazes de governar-se, de tal forma que «os agentes de colonização terão de justificar-se da maneira como exerceram os deveres de tutores»; a escola que deseja retirar os poderes de administração aos países coloniais para os entregar a um corpo internacional; a ideia, perfilhada pelo marechal Smuts, dos conselhos regionais para administrarem grupos de colónias; essa criação do mandato dual (dual mandate), que desdobra a administração de uma potência colonial em funções tutelares, com vista a promover a melhoria social das populações atrasadas, e em funções de defesa dos interesses dessas populações, com vista à defesa e ao benefício dos interesses de todo o Mundo; a ideia, de origem e marca inglesas, «das colónias associadas nos destinos colectivos do Império»; a formação de comunidades à semelhança da união holando-indonésia; a «abolição do sistema colonial, a proclamação de uma Carta Colonial Internacional e a organização de um organismo colonial internacional com extensos poderes»; a declaração do Sr. Sumner Welles -em oposição à do Sr. Churchill nos Comuns - de que os princípios da Carta do Atlântico «deviam ser garantidos no Mundo inteiro, em todos os continentes e oceanos»; os votos do partido trabalhista britânico no mesmo sentido e igual parecer da Comissão América para a África defendendo s a aplicação simples dos oitos pontos da Carta aos territórios africanos»; os dezanove artigos da Carta das Nações Unidas dedicados à regulamentação da matéria colonial, reconhecendo a primazia dos interesses dos habitantes dos territórios dependentes, o dever de favorecer, a sua evolução progressiva para a sua capacidade de auto-administração ou para a sua independência, «a igualdade de tratamento no domínio social, económico e comercial para os membros das Nações Unidas e seus nacionais e o respeito pêlos interesses e a prosperidade do resto do Mundo, nos territórios metropolitanos e coloniais, a obrigação de praticar essa. política, fundada no princípio geral da boa vizinhança e de desenvolver o sentimento da interdependência dos povos do Mundo, e a organização de um corpo internacional de controle, constituído por número igual de membros das Nações Unidas que administrem e de membros que não administrem territórios sob tutela»; o pensamento colonial americano resumido por Wendel Willkie no livro All one World: «Na África, no Médio Oriente, em todo o mundo árabe, bem como na China e no resto do Extremo Oriente, liberdade significa abolição ordenada, mas sistemática, do regime colonial»; esses arranjos para a reconciliação das nações desavindas que se têm tentado nas chancelarias à mira do nosso Portugal de África; a imediata independência dos «povos não autónomos» requerida pela Rússia comunista; esse famoso ponto 4.º do discurso do Presidente Truman de 20 de Janeiro de 1949 sobre as grandes diferenças de desenvolvimento técnico e de níveis de vida entre as nações do Mundo, determinantes de uma acção conjunta e solidária, através da O.N.U., dos estados economicamente
desenvolvidos a favor dos estados atrasados, de modo a que todos beneficiem, ponto que tem dado lugar a muita dedução, mas que não se pode entender, nem nós nunca entenderemos, a favor do interesse russo na desagregação interna de certos países do Ocidente, pela divisão e subversão dos valores físicos e morais que lhes formam a unidade nacional; esse interesse ultimamente manifestado por alguns países, como a Holanda, até há pouco indiferentes às possibilidades do continente negro - toda essa longa teoria de críticas e de planos, suposições e comentários, de acordos em prática e de desejos em curso, que têm preocupado algumas consciências boas e alimentado muitas ambições ruins, que têm gerado erros sem remédio e abusos sem perdão, que têm escondido propósitos de expansão imperialista de fundo estratégico e servido para negociações secretas, de fundo desonesto, toda essa espécie de afirmações e de regras, borbulhantes de ardoroso ou de aparente humanitarismo, não sobreleva os desígnios de trabalharmos e possuirmos a terra que a História nos deu para nosso bem e para bem do Mundo e a verdade de que não temos dentro das fronteiras ultramarinas questões de raça, de religião ou de política que incomodem sequer a unidade nacional.
Realizámos a maior multiplicação do esforço humano que jamais se registou -um escasso milhão- e tivemos gente para morrer e sobreviver em todas as latitudes.
Povo que meteu pé nas ilhas do Atlântico, que foi de Sagres à índia, à China, à Insulíndia, às Américas, que não largou os rastos e os afrontou de novo e sempre, carreando almas para a construção de mais povos, tem o direito de continuar a sua missão sagrada.
Saboreamos esta definição de Salazar:
Nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos à concepção superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, pelo domínio da razão sobre os instintos.
Não exterminámos as raças nativas; não criámos barreiras de cor: dignificámos as populações atrasadas, civilizando-as, para as integrar no nosso todo moral, político e económico.
Quem criou um Brasil - uma das melhores obras que as sociedades da Europa cometeram - não recebe lições.
Éramos poucos e enchemos um mundo maior. Hoje somos mais e o nosso mundo é Portugal só, Portugal de aquém e além-mar, «Estado unitário com um só território, uma só população e um só Governo».
Acabou-se a preocuparão dos homens práticos sobre «os encargos produzidos pelas colónias», que o Prof. Emídio da Silva resumia, na vantagem do ganho sem soberania contra o luxo de uma soberania sem ganho. Há que nacionalizar, que robustecer, «pela única forma ao nosso alcance, a efectividade dos nossos direitos, que não podem, mesmo sob o ponto de vista moral, viver exclusivamente das tradições históricas, por mais altas e honestas que elas sejam».
Temos de continuar a responder à Conferência de Berlim de 1885 com o título, cada vez mais autorizado, de uma ocupação tão real o tão forte de energias que já se não distinga onde começa a vibração do amor pátrio.
Se querem atribuir ao significado de colónias, colonizar, colonização o significado de domínio para fazer negócio ou de exploração de povos atrasados, eu direi que essas três palavras representam conceitos que não entendemos nem praticamos.