16 DE MARÇO DE 1952 535
inesperados, fazendo convergir meios terrestres em determinados lagares, e tem ainda a missão gloriosa de se bater sozinho no ar e ser solicitado para estar presente e colaborar quando se combate em terra e no mar, não pode por tudo isto ser detido na sua ascensão para o plano que conquistou por méritos próprios.
Pode-se pois dizer que merece a nossa calorosa aprovação o desejo de valorizar a aeronáutica militar, dando-Ihe a organização e o pessoal convenientes para que saia do apertado alfobre de dedicações em que tem vivido no seio do Exército e da Marinha e entre resolutamente no caminho da sua emancipação.
São tão impressionantes e conhecidas as razões que justificam a criação do exército do ar que ninguém as discute sob o ponto de vista genérico.
O Governo não hesitou, apesar dos encargos financeiros que isso acarreta, em dispor o necessário para o pôr de pé, melhor dizendo, para o pôr no ar.
Seja-me permitido, como fecho desta ordem de ideias que de momento me surgem em apoio de uma aeronáutica militar independente, que leia o que disse o general Vanderberg no ano findo em Paris e que tem oportunidade, não só quanto ao valor intrínseco do poder aéreo, mas também quanto ao valor da área estratégica a que pertencemos:
Desejo ver a Europa dotada com uma, potência aérea inigualável. As ilhas britânicas e a África do Norte serão os primeiros porta-aviões equipados; a Península Ibérica poderá desempenhar o mesmo papel.
São os pontos do continente onde devem estacionar os bombardeiros de raio de acção médio e os caças de acompanhamento e de intercepção.
Eis-me chegado agora ao motivo que tem suscitado mais soma de argumentos pró e contra e mais sentidas apreciações: a incorporação da aviação naval na aeronáutica militar.
A propósito têm sido expostas as mais respeitáveis opiniões, quer no parecer da Câmara Corporativa, nas declarações de voto que o seguem, em artigos da imprensa e até em publicações avulsas, quer nesta tribuna, pela boca dos ilustres Deputados que me antecederam, num brilhante discorrer.
E, ao fim e ao cabo, os que não estão ligados directamente ao problema e que podem apreciar as razões aduzidas sem pressões deformantes de ordem profissional ou emotiva têm de «concluir que estamos na presença de opiniões muito respeitáveis, mus irremediavelmente discordantes.
Julgo mesmo que em matéria desta natureza, que vive num evolucionar constante, jamais será possível encontrar uma solução que não possa ser desmentida na hora seguinte pelo descobrir de novas técnicas ou pelo eclodir de acontecimentos imprevisíveis. Mas este pensamento não pode levar a uma inibição; tem de se fugir à rigidez das opiniões e concepções e dar-lhes a têmpera da flexibilidade * que permita adaptá-las às circunstâncias.
As próprias citações feitas, a propósito destas propostas de lei, acerca da acção aeronave desenvolvida na ultima guerra ilustram este pensamento na divergência de actuação assinalada, mercê da situação geográfica dos países em luta, das condições geográficas e da natureza do terreno de combate e do poder do inimigo e até nas interpretações e conclusões diferentes a que os técnicos chegam e perfilham para preparar o futuro. Não será mesmo ousado dizer que a guerra de amanhã, neste limiar da era atómica, está em período de decantação e não será como se planeia. Ê de aconselhar ser prudente e modesto na acção, visto que não nos propomos nem podemos ser guias do Mundo em assunto desta natureza. Por isto.
e porque não me sinto com qualquer autoridade para emitir opiniões de carácter técnico e de táctica aeronaval, fujo a elas; mas atrevo-me contudo a dizer coisas a propósito, com os olhos postos na prática da. vida, tentando colocar a questão no terreno e ambiente que, segundo é de admitir, deram origem à gestação das propostas de lei que estamos a apreciar.
E para tanto vou ligar-me ao que entendi ser a intenção do Governo, através do relatório que antecede as propostas. O alto pensamento que parece ter presidido à sua elaboração foi o de constituir um poder aéreo compatível com o desenvolvimento aconselhado pela presente conjuntura político-militar.
Para o realizar parece procurar-se:
1.º Dar sentido universal ao poder aéreo, dentro do nacional, quanto à organização e recrutamento, pela obrigação premente de o estender a todo o território português e à conveniência de, para isso, aproveitar todos os nossos recursos humanos.
É evidente que um país de pequenos meios e vastos territórios muito distanciados uns dos outros, como. o nosso, tem de basear a sua. defesa na força aérea, para mais economicamente poder acudir a pontos nevrálgicos, em razão da sua mobilidade e poder de concentração;
2.º Concentrar o ^comando e os recursos para um melhor aproveitamento dos meios ao nosso alcance.
Com esta concentração é possível impulsionar a direcção e a administração com melhor sentido dos problemas de previsão, de organização e de fiscalização, que devem estar na mão de quem dirige e administra, para um uso racional e sistemático das possibilidades materiais e humanas; assim, é possível coordenar e controlar completamente todos os elementos que podem influir no rendimento, evitando perdas de bens e gastos de energia por inconveniente emprego e duplicação de esforço. Este é o conceito administrativo, que não é menos importante do que o técnico e táctico;
3.º Colocar a força aérea nacional de modo a cumprir as suas actuais obrigações.
É a maneira de realizar esta suposta intenção no que se refere à incorporação da aviação naval na aeronáutica militar que deu origem aos maiores e mais persuasivos reparos, como já disse.
Acerca dela vou proferir mais algumas palavras.
Encaremos com respeito as ondas que neste momento vem do lado do mar. Os ventos que as levantam brotam do meio onde vivem as melhores tradições de patriotismo, heroicidade, espírito de sacrifício e saber, não podendo por isso dizer-se nem pensar-se terem nascido do perturbador desejo de só fazer ondas. Debrucemo-nos atentos sobre o seu desenrolar e o caminho que levam. Logo se vê que ao lado de argumentos sérios e sentidas convicções se vive um momento emocional na defesa de uma posição que carinhosamente criaram e a que deram vida e do seio da qual se projectou para a história universal "da aviação o nome de Portugal, com o feito glorioso de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Tais razões e sentimentos são dignos da mais compreensiva homenagem.
O ponto mais debatido e que tem solicitado argumentos mais preponderantes é o que se refere ao desejo de ver continuar a aviação naval integrada na Marinha, com o fundamento na falta de sentir e de sentido das coisas do mar naqueles que não sejam oriundos da Marinha e forem destinados a tomar parte em operações aeronaves como aviadores.
Este argumento, que na verdade é digno da maior atenção e está presente em quase todas as declarações de voto dos Dignos Procuradores à Câmara Corporativa, técnicos e não técnicos, sendo de considerar, não pode contudo ser tomado em sentido absoluto, porquanto as propostas de lei sobre a aeronáutica militar tem em si o necessário para o poder respeitar.