15 DE MARÇO DE 1952 529
O Orador: - Se a História é a grande mestra, se a História é perpétuo recomeço, o franco regresso à política do mar afirma-se como formal obediência às constantes geoeconómicas e geopolíticos que os nossos maiores nos legaram para manter e perpetuar a colmeia lusitana independente na lei do viver e recheá-la constantemente com o génio civilizador que a providência nos concedeu em transcendente graça e a tanto nos obrigou.
As frotas de comércio e de" pesca nacionais inscrevem-se finalmente com um número de ordem já apreciável entre as suas congéneres estrangeiras.
E o ferro e o aço que revestem a construção daqueles navios não nasceram nos pinhais de Leiria, infelizmente, nem aqueles que estruturam ou vertebram as nossas pontes ou que fundiram e modelaram as turbinas das nossas centrais ou das grandes máquinas e ferramentas das indústrias entre nós estabelecidas.
Nasceu, sim, este grandioso movimento através de uma administração sábia e prudente, nasceu em obediência às grandes e irrevogáveis constantes geográficas e políticas do mundo português, nasceu de uma noção ou concepção rigorosa de uma política de grandeza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nada mais expressivo, como significado integrante, que a legenda simbólica e de sóbrios dizeres - índice de uma política - que se contém na medalha comemorativa do I Congresso da Marinha Mercante: Regressámos ao mar.
Suponho, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nestas considerações, aparentemente deslocadas da economia central das propostas em discussão, me mantive em harmonia com as realidades vigentes, actuais, de uma política.
Fecho, pois, este primeiro passo, como já referi, desejando que na ordem administrativa pública e privada tudo se conjugue para o progresso e bem-estar de todos os Portugueses, a que o imenso património que sulca e corre os mares se dirige em finalidade total. A nação que o criou e engrandeceu na paz compete protegê-lo na guerra; e isto pertence à estratégia.
E, assim, entro rápida e naturalmente no segundo ponto das minhas considerações.
A paz, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o sonho dos ascetas e dos santos, é a prece constante e fervorosa das mães, para quem os filhos constituem a essência sublime do ser: «a guerra é a vida dos homens».
Neste tempo, em que infernal baile de sentimentos, interesses, paixões e egoísmos, em estranho caldeamento, parecia instalar-se no âmago das nações que marcam um mesmo índice de civilização ou concepção da vida e ameaçava iludir as realidades do perigo mortal que ameaça potencialmente a cristandade, parece nascer, com maior ou menor consciência, a possibilidade de evitar a ultima ratio pela criação de força substancial que restabeleça o equilíbrio entre os blocos antagonistas. Enfim, paz armada.
Posto este ligeiro preâmbulo, vejamos, Srs. Deputados, o que é a guerra marítima e qual a sua dominadora finalidade.
Peço perdão por pôr esta questão, mas não só está na sequência natural das minhas considerações como pode acontecer que nem a todos VV. Ex.ªs seja familiar o assunto.
É claro que não vou fazer lição, mas tocar o assunto em simplicidade, meia dúzia de palavras apenas. De resto, a erudição abafa por vezes a claridade das questões.
Na guerra marítima, Srs. Deputados, só um objectivo fundamental se procura: lutar pelo senhorio do mar para assegurar as comunicações próprias, o tráfego, de que o mar é ainda insubstituível via de trânsito e até a economia que nele se contem.
Luta-se no mar, lutou-se sempre, lutar-se-á amanhã por todas as formas, por todos os meios que a sucessiva evolução da técnica tem sucessivamente -introduzido para manter o mar livre para transitar, negando, interditando ao adversário o seu uso.
Em suma, os meios postos à disposição do homem têm variado conforme as idades da técnica; a finalidade da guerra no mar mantém-se invariável.
Da influência do poder marítimo na nossa história não há que falar. Mas tomando o caso português, quer no que respeita às constantes geoeconómicas e geopolíticas, quer em obediência à realidade já majestosa da nossa política do mar, e que ainda há pouco recordei, parece que a estratégia deverá dispor de poder naval ou aeronaval que harmònicamente lhe deve corresponder e de forma saudável.
Mas quer isto dizer que temos possibilidades reais, atenta a vastidão das pátrias de além-mar e a sua complexa geografia, de restabelecer um poder naval ou aeronaval para sozinhos assegurarmos as comunicações essenciais em situação de emergência? Não.
Abro um rápido parêntese:
E certo que perdemos o domínio do mar nos fins do século XVI - aquele sombrio eclipse da nossa soberania criou depressa demais as Condições para aquela perda. E se, como diz o padre Manuel Godinho, e o império português não caiu naquela altura foi porque não encontrou sepultura digna da sua grandeza»; contudo, é ainda os rostos desse poder esse magnífico quadrado de caravelas e naus que permitiu a sustentação das pátrias de além-mar, que são o nosso ser.
A ultrapassagem fulminante que naquele doloroso interregno então sofremos pela Holanda, Inglaterra e França jamais poderia, ser recuperada (as feridas recebidas foram quase mortais) e no desafio entre aquelas nações rivais pelo poder marítimo vai, em hábil jogo pelo equilíbrio político e com o valor inigualável e intrepidez dos seus marinheiros, abater em detalhe os seus adversários para em Trafalgar é depois em Sinope, com as suas naus de madeira, empunhar o tridente Neptuno, o império do mar? que a era vitoriana- consagra como a mais alta expressão.
De resto, Srs. Deputados, como poderiam os nossos portuguesíssimos reis, sacrários da História de Portugal, defensores da Fé, e que sucederam ao eclipse sombrio da nossa soberania, crivados por todos os lados de feridas no corpo da Nação e do Império, restabelecer a nossa majestade nos mares?
Quando me engolfo neste capítulo da História fico-me unicamente a cismar como tão precários recursos, como tão escassas naus conseguiram fazer tanto por tantos.
Fecho este parêntese e volto ao caminho.
Ia dizendo que não temos efectivamente possibilidades reais de sozinhos nos bastarmos em situação de emergência diante da nossa vasta e complexa geografia militar, nem de retomar aquele lugar em que em quase dois gloriosos séculos reinámos soberanamente.
Nem nós, e no estado actual das coisas não serei excessivamente ousado ao dizer que será difícil conceber que qualquer nação possa estabelecer de per si o senhorio dos mares com exclusivos recursos próprios.
Homens e nações mais do que nunca são interdependentes, solidários, diante da causa comum.
Simplesmente, e como muito bem diz o relatório do Governo, «se o bem da paz tiver de ser perdido», é meu parecer que dois factores de acentuada ordem de gran-