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20 DE MARÇO DE 1952 559

e a língua portuguesa - essa "última flor do Lácio inculta e bela" - era o mais acabado instrumento de penetração entre dois mundos, e nela se exprimia o espírito de evangelização com vigor e não menor-piedade. Já por então nascia para vida própria e sobre si uma das maiores nações do mundo moderno, o Brasil, cuja unidade nacional, linguística e espiritual foi obra, como disse Joaquim Nabuco, do sangue lusitano.

Sr. Presidente: ver que o nosso pais regressa novamente aos caminhos marítimos antigos e ganha seus lauréis depois dum tão grande desamparo e desfortuna da marinha nacional não nos sofre o ânimo que não gritemos de alegrias novas e manifestemos agradecimento àqueles cuja delicadeza e tacto preveniram e prepararam a restauração verdadeira da frota mercante nacional. Não nomeio a todos, dando a cada um os louvores que merece, porque não posso, nem ponho nisso o meu intento. Mas no vosso pensamento está, como no meu, aquele de quem se poderia dizer, em palavras simples, aquilo que disse Vieira:

Servir aos futuros, pagar aos passados e não dever nada aos presentes é a maior felicidade de quem fugiu dos homens, para só procurar de Deus o que eles não podem dar nem tirar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sou talvez daqueles poucos membros desta Câmara que não viram ainda o barco novo, cujo nome só por si seria estimulante afirmação de fé, se não fora também compromisso formal para o porvir.

À sombra da Vera Cruz cometeram os Portugueses os "feitos nunca feitos" e criaram na "quarta parte nova" a terra prodigiosa de bens e de promessas a que primeiramente deram aquele nome sacrossanto.

Todavia tenho lido tudo quanto se temes crito e publicado acerca dele, porque grandemente sou curioso do que respeita à nossa vida marinheira, nas suas glórias e nas suas amarguras, nos seus triunfos e nas suas dores. Sei que ali andou mão apurada de técnicos, artistas e mesteirais e que a maior nave que até hoje se decorou com o pavilhão nacional faz honra a todos nós e nos orgulha.

Alguns perguntam como foi possível tal demonstração de potencialidade económica, que certo tem atrás de si sacrifícios sem conta e parcimónia irredutível. Foi uma política, para repetirmos a palavra justa, foi um espírito, uma doutrina, foi uma administração pertinaz, servida pela razão esclarecida e patriótica, prosseguida com calma e sem tropeços. As coisas grandes não se acabam de repente, requerem tempo para virem a sen tempo.

Os progressos materiais são grande coisa, são a viva afirmação da nossa capacidade realizadora e da nossa vida policiada e progressiva, porém não são tudo na vida das nações e dos homens. E por isso mesmo quis o Governo, com alto sentido das realidades nacionais, que é seu timbre, que a viagem inaugural do Vera Cruz tivesse outro significado que não fosse exclusivamente o da apresentação de uma unidade de classe excepcional da nossa frota mercante.

Com tal objectivo constituiu uma missão de intelectuais para fazerem no Brasil algumas conferências que atestem os primores da nossa cultura na hora presente. Isso era devido àquela terra em que nenhum português deixa do sentir-se como em casa própria e aconchego familiar e onde sentimos sempre em pura confraternidade nosso vínculo de nobreza e morgadio.

É Uma pena que a nossa vida intelectual seja na generalidade tão desconhecida, e exactamente onde temos as mais fortes e indestrutíveis raízes morais. Ali tudo nos identifica na face e na alma, e todavia a nossa presença intelectual é quase nula.

Em tantas Universidades, como conta o Brasil, não há uma só que tenha um professor enviado de Portugal com patrocínio oficial e faça duma cultura comum de, polo menos, três séculos o tema de suas lições ou conferências. Sucede o mesmo com outros países estrangeiros? Que respondam por mini quantos anseiam ver a nossa presença no Brasil actual marcada com dignidade intelectual e esclarecida persistência.

Do nosso acervo bibliográfico, em alguns géneros tão rico de sugestões o estímulos para, os próprios professores e intelectuais do Brasil, que se encontra lá? Quase nada que valha contar-se como denúncia do nosso saber no domínio das ciências do espírito, e bem fraco contributo no capítulo das ciências exactas o das pesquisas de laboratório.

Também não sei que só haja estudado com determinação e cautela o conjunto de medidas atinentes a que toda a nossa literatura científica o de ficção se apresente a par da daqueles povos que, talvez por mais estranhos, derramam a luz do seu saber e as obras da sua literatura com largueza e em condições óptimas de aquisição.

Vai nisso largamente o seu interêssse espiritual, é certo, e perdemos noa, por o não fazermos, uma posição e presença que de todo o ponto devíamos zelosamente resguardar e manter. Sim, nós temos no Brasil raízes espirituais indestrutíveis, de afecto, de crença, de língua comum. Reconhecê-lo e afirmá-lo é mero acto de fidelidade histórica.

A vida espiritual de um povo, a sua cultura é que lhe dá lugar na história da civilização.

Um bom conhecedor da vida e da literatura portuguesas, o lusólogo Aubrey Bell, afirmou um dia que Portugal, entre as nações pequenas, produzira a maior literatura depois da Grécia antiga. Mas os valores literários não são unicamente os que exprimem a vitalidade de um povo, porque há outros - os da sua capacidade de criação de nações novas. Nos séculos passados Portugal deu vida e unidade nacional a uma grande nação moderna, o Brasil, cuja língua e valores espirituais são iguais aos nossos. Nos dias de hoje a velha constância portuguesa de colaborar na obra universal e cristã de valorização de regiões outrora desconhecidas afirma-se em África na capacidade de realização pelo trabalho singularmente exemplar de honradez o pertinácia, digamos, sem par.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É por isto mesmo que nos cumpre ser, em toda a parte o sempre, os mesmos no afecto fraternal, na dignificação do nosso sangue e do nosso espírito, zelosos da nossa honra e respeitadores da honra alheia, conviventes sem mácula e esforçados as nossas tarefas. Bem haja o Governo por ter escolhido quem saberá dizer, com placidez denunciadora dê alto espírito e com ânimo elegante e desinteressado, que nada nos é estranho nem alheio naquela terra eleita, pela qual parece a Providência ter-se empobrecido para a dotar com tantos bens de fortuna o de inteligência.

Seguem nesta viagem do Vera Cruz, entre tantos nomes respeitáveis, os nossos colegas nesta Camará Prof. Daniel Vieira Barbosa e Dr. João Ameal. A Câmara deve regozijar-se com a escolha de tilo ilustres pessoas que, por seus merecimentos e trabalhos invulgares, vão dignificá-la no Brasil. Digo-o sem nenhum constrangimento nem sombra de afectação.

O Prof. Daniel Barbosa é uma inteligência vivíssima e um espírito tão vincado que onde quer que se aplique lá deixa marca inconfundível de forte personalidade. Economista distinto, não aborda as questões com viso historicista, mas tradu-las sempre com nítida temporalidade e imediata aplicação.