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560 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139

Poucos homens da idade do Dr. João Ameal podem contar uma obra tão numerosa e tão rica de matizes. Os temas de história e filosofia política, a biografia e a história da filosofia, a crónica e a história literária denunciam na sua opulenta bibliografia a multiplicidade do seu talento de escritor e o vasto campo dos interesses do seu espírito.

Em ambos, porém, me apraz destacar com nitidez um surto importante da sua vida pública - é a feição estreme de doutrinadores políticos. Em tempos como os de agora, saber a gente concretamente o que pensa e dizê-lo com segurança, fineza e elegância não é pequeno motivo para louvor dos homens. Senhores: deste lugar e na serenidade do meu espírito, saúdo-vos cordialmente e que Deus vos guarde.

Sr. Presidente: peço desculpa a V. Ex.ª e à Câmara de não ter sido capaz de dizer mais em menos palavras, mas bem sabe o pregoeiro delas que ò tempo não deu lugar a fazê-las mais curtas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: a minha consciência de intelectual, interessado nas questões dos direitos do espírito, e as minhas obrigações de Deputado levam-me a trazer perante está Assembleia a informarão de um incidente ocorrido há dias e que seguramente originou em personalidades estrangeiras um erradíssimo conceito do nível cultural do nosso país: no Teatro Monumental de Lisboa representou-se durante seis dias, de 6 a 11 do corrente, uma peça, que compreendia várias obras estrangeiras, sem consentimento dos respectivos autores, porque a empresa se recusou propositadamente a qualquer entendimento com os legais representantes destes.

Pela sua composição estavam interessados, como autores da peça, escritores de diversos países, como a Espanha, a Argentina, a França e a Inglaterra, que (salvo a Argentina) juntamente com Portugal e outras nações são signatários da Convenção de Berna.

Pois, Sr. Presidente e meus senhores, durante seis dias Portugal deu a lamentável e errada impressão de um país sem leis ou sem força para fazer respeitar os seus compromissos internacionais.

Contudo o nosso país dispõe de leis internas e- externas que garantem de modo conveniente os direitos da propriedade intelectual, direitos cuidadosamente reconhecidos e respeitados em todos os países civilizados e cultos.

Assim, por exemplo no Decreto n.º 13:725, de 27 de Maio de 1927, preceitua-se, pelo artigo 72.º:

Nenhuma obra pode ser representada ou executada em teatro, salão, templo, cinematógrafo ou lugar público, ainda que não haja entradas pagas em proveito de quaisquer empresários, sem consentimento do autor ou dos seus herdeiros, adquirentes ou representantes, quer essa obra esteja publicada quer não, e ainda que não seja escrita para esse fim.

Esta disposição aplica-se aos autores estrangeiros, por força do artigo 136.º do mesmo decreto.

No Decreto n.º 13:564, de 6 de Maio de 1927, também se declara no seu artigo 4.º:

O inspector-geral dos teatros (hoje inspector-chefe dos espectáculos) tem superintendência em todas as casas e recintos de espectáculos ou divertimentos públicos, competindo-lhe designadamente:

7) Acautelar os direitos de propriedade literária e artística dos autores, tradutores e adaptadores de produções exibidas em espectáculos públicos;

Neste decreto ainda se regulamenta, pelo artigo 141.º, com grande cópia de pormenores, a concessão, pela Inspecção dos Espectáculos de vistos, que, para serem obtidos, necessitam de prévia apresentação por escrito de uma a autorização, devidamente reconhecida, dos autores, tradutores, adaptadores e colectividades ou indivíduos seus representantes, herdeiros ou cessionários", disposições estas que se repetem no Decreto n.º 34:590, de 11 de Maio de 1945.

Aquele Decreto 11.º 13:564 também consigna as cauções e garantias a prestar pelas empresas a fim de se salvaguardarem aqueles direitos e o modo como devem ser executadas.

Não foi, portanto, por falta de leis que os direitos dos autores estrangeiros forniu desrespeitados em Portugal, mas apenas porque não foram cumpridas pela Inspecção do" Espectáculos as disposições legais durante seis dias, e apesar de várias reclamações apresentadas junto daquele organismo do Estado, passando-se indevidamente os tais vistos exigidos pela lei.

Deu-se, pois, um abuso do poder, cuja gravidade ninguém pode negar nem diminuir. Mas muito mais graves foram as consequências.

Para por cobro ao deliberado abuso da empresa do Teatro Monumental, S. Ex.ª o Embaixador de Espanha viu-se obrigado a enviar o seu Ministro a apresentar um protesto ao inspector dos Espectáculos pela falta do cumprimento dos preceitos legais já aludidos.

Mesmo assim, a reclamação do ilustre diplomata espanhol só surtiu efeito depois de uma intervenção junto do Sr. Secretário Nacional da Informação e Cultura Popular e junto do Ministro da Presidência, depois do que a empreso, foi compelida a regularizar a situação.

Como vêem, não exagerei quando classifiquei este incidente de vexatório para o nosso país.

Mas há miais e pior: a atitude desta empresa arrendatária do Teatro Monumental é apenas um pormenor de uma vasta campanha organizada recentemente e sistemàticamente, no nosso país, contra os direitos de autor, isto é, contra os direitos da inteligência e contra a vida do espírito.

Firmou a Nação Portuguesa, pela mão do prestigioso Chefe do Governo, que nesse momento era também o Chefe do Estado, o texto da Convenção de Berna, revisto em Bruxelas e publicado como lei internacional, pana a protecção dos direitos literários e artísticos. Nomeou o Governo uma comissão de altas individualidades das letras e "Io foro para a elaboração de um projecto de lei que reunisse, completasse e actualizasse a legislação portuguesa interna sobre direitos de autor, pondo-a de acordo com os compromissos internacionais que obrigam o nosso país. Esse projecto de lei já foi entregue à Câmara Corporativa, que do seu estudo se e"tá ocupando, como sabeis.

Verifica-se, portanto, sem sombra de dúvida, que o Estado e o Governo Português se desvelam em fomentar a mais valiosa e fecunda política do espírito, defendendo os valores intelectuais e artísticos da Nação contra o egoísmo imoderado dos que apenas curam de tirar proventos próprios à custa das obras alheias. Está nitidamente traçada a directriz de quem superiormente defende os interesses públicos. Essa orientação é apadrinhar, proteger e dignificar os intelectuais garantindo-lhes a propriedade do fruto do seu trabalho e do seu esforço nos reinos do espírito. Nenhuma propriedade pode com razão considerar-se mais legítima do que a propriedade literária, intelectual e artística. Nenhuma tem mais elevada função social numa civilização como