O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2 DE ABRIL DE 1902 627

um rasgo de realismo e justiça sanar as coisas- mais de 7 mil contos.
O Sr. Carlos Mendes: - Seria interessante saber quantos foram os doentes que as Misericórdias de todo o País trataram e fazer o paralelo entre estes e os doentes tratados pelos Hospitais Civis de Lisboa, tudo equacionado com os rendimentos respectivos.
O Orador:-Não gostaria de usar do habitual «já lá vamos», mas o facto é que adiante estabeleço de algum modo o paralelo. Por enquanto estou apenas na posição, que não é de inveja, mas de pena, de verificar como são grandes certas facilidades e como se opõem a dificuldades não menos grandes noutras partes.
Admitindo que os rendimentos podem dar uma noção da riqueza dos municípios, quando considerados em relação com as populações a cujo serviço são postos, eu cuidei de fazer mais um cálculo de capitações, este agora das receitas municipais orçamentadas para o ano de 1951, segundo o último Anuário Estatístico. Encontrei assim uma média de 159$75 no total do País, que desce para 56$80 no distrito mais pobre e sobe a 404$ para a cidade de Lisboa e a 513$ para a do Porto, enquanto se fixa, respectivamente, por 186$5O e 94$90 para os conjuntos dos restantes concelhos dos seus distritos.
Creio que posso, em consequência, honestamente dizer que a Câmara de Lisboa é duas vezes e meia mais rica do que a média das outras câmaras do País, cinco vezes mais do que as vizinhas limítrofes do seu distrito, e sete vezes mais que muitas outras. Contudo é ela que beneficia de melhor ajuda para os seus doentes, que é verdadeiramente assistida à casta das demais ...
Em todo o caso não podemos esquecer, nas referências feitas à Câmara do Porto, o facto importantíssimo de haver nessa cidade uma Misericórdia que, mais do que a de Lisboa, deve ser o orgulho e espelho das Misericórdias do País, pelas generosidade que pôde reunir.
Assim também no Porto, afinal, a caridade privada supre, como em qualquer concelho rural, a acção do município e já não parece mal ver este desonerado.
Não tenho, pois, em toda esta análise comparativa o mais pequeno reparo a fazer à circunstância de a Câmara do Porto ter menores despesas com os doentes. Substitui-se pelos seus munícipes, mas não posso dizer a mesma coisa em relação às outras câmaras das cidades principais.
Ainda por cima acontece que os trinta e tantos mil doentes pobres de Lisboa nem sempre são tão pobres como se fazem parecer, sendo circunstância por demais conhecida que, a falta de responsabilidade, gerando o desleixo da fiscalização, origina que muitos entrem de graça nos hospitais da cidade pretextando pobrezas felizmente (para eles) falsas.
Se V. EX. ª Sr. Presidente, me consente, eu citarei uma pequena história.
Aqui há tempo, numa conversa com um comerciante dos meus sítios, ele disse-me, já não sei a propósito de quê, que uma das obrigações que tinha mais constante-mente presente na memória era a de mandar a certo enfermeiro de S. José um para pelo Natal, pois graças a esse homem já ele, um cunhado e alguns amigos haviam podido entrar e fazer-se operar no hospital na mais cómoda gratuitidade.
Este homem, embora não seja rico, é, pelo menos, um comerciante desafogado; todavia bastou uma cumplicidade em bom lugar para lhe dar qualidade de pobre, e a mesma aos amigos, para ser assistido em Lisboa.
O mal não é desconhecido de ninguém. No relatório dos Hospitais Civis de Lisboa de 1946 faz-se referência à facilidade com que se consegue o tratamento em regime
gratuito e acentua-se que este aspecto tem preocupado as entidades superiores.
Terminarei todo este sudário de comparações dizendo o que há pouco anunciei ao Sr. Deputado Carlos Mendes, e é que, não excedendo a capacidade dos hospitais de Lisboa 20 por cento da capacidade total de leitos dos hospitais do País, todavia beneficiam de 60 por cento do total dos subsídios do Estado!
Feita esta pintura, que V. Ex. ª me desculpará, espero, de ser tão grosseira para ser mais rápida, mas a que procurei dar toda a objectividade, não quero deixar ainda de pedir que se tenha presente que é absolutamente impossível pretender uma solução das dificuldades que se estribe na diminuição do números de doentes tratados. Por todas as razões, a afluência aos hospitais, sejam modestos ou grandes, não pode senão aumentar.
A maneira como se vai suportar esse aumento é que é a grande questão.
Assevero a VV. Ex.ªs que as câmaras não podem manter a assistência no nível actual e que, muito menos, podem aumentar os seus encargos.
Mas também não procuro pôr uma aspiração, certamente difícil de atender por enquanto, qual a de conseguir que o Estado tome a seu cargo parte muito maior nos encargos de tratamento dos doentes pobres.
Porém, ponho esta pergunta: deve ser função da actividade municipal o tratamento dos doentes pobres ? Não será, antes, um verdadeiro dever do Estado, hoje em dia. que a assistência na doença é imperiosa exigência geral, verdadeira condição de tranquilidade social?
A pergunta fica em suspenso, porque afinal a verdade e que, nas nossas condições, este, como outros problemas, terá de ser resolvido num esforço de cooperação; mas, de qualquer modo, as coisas não podem continuar a resolver-se como até aqui.
E, se o Estado tem gasto muito, as Misericórdias e as câmaras municipais têm-no acompanhado e em verdade excedido nos esforços de angariarem reservas para o desempenho das suas respectivas atribuições.
As Misericórdias e as câmaras municipais têm conseguido quase sextuplicar as suas receitas em vinte anos, enquanto as do Estado não chegaram a triplicar.
Acho difícil que as câmaras municipais possam conseguir ainda mais do que tem obtido, e, quanto às Misericórdias, penso que também não será fácil, por simples peditórios, angariarem mais dinheiro.
Lembro-me, e jamais esquecerei, de ter ouvido certo dia, em resposta a solicitações em que andava para qualquer obra de assistência, que dar dói. Disse-mo pessoa em condições, mas não com vontade, de ser generosa, e a sua resposta mesquinha ficou mesmo símbolo duma incompreensão que anda por demais generalizada para esperarmos vencê-la só pelos sentimentos.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Dói sobretudo aos que tem pouca vontade de dar.
O Orador: - Este estado de espírito faz-me convencer de que não é pela simples solicitação da caridade que se conseguirá todo aquele aumento de receitas que é necessário para resolver o problema.
E entendo não ser razoável que continue u pretender-se dos gerentes de instituições beneficentes, e em especial de Misericórdias, que aos trabalhos e canseiras da sua administração, que é preciso exerçam com desvelo, juntem mais os de peditórios, tornados, pela repetição e insistência, cada vez mais fatigantes e menos produtivos.
Nós, que somos uma assembleia política, não podemos esquecer que nos meios pequenos, onde há muitas funções a exercer e poucos dispostos a aceitá-las, os mesmos que num dia se apresentam como solicitantes