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624 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 146

começou a exceder os quadros du vida doméstica e, sobretudo, os da acção local de Misericórdias e obras pias.
Guiando-me por remissões dos vários diplomas, pude todavia remontar até ao alvará de 14 de Dezembro de 1825, que aprovou um plano de administração do Hospital de S. José e estabelecia que os doentes de fora do termo de Lisboa, para serem admitidos, trouxessem guias das suas Misericórdias respectivas, e que, quando estas não pudessem pagar as despesas deles, ficassem então de conta dos concelhos, debitadas à razão de 240 réis diários.
O mesmo alvará precisava que seriam tratados gratuitamente no Hospital os doentes domiciliados em Lisboa e seu termo.
Deste modo, encontramos já aqui os dois princípios que ainda hoje regem a posição mais geral dos municípios: deixam à caridade particular, subsidiando-a mais ou menos, os encargos do exercício local de assistência, especialmente aos doentes, e substituem-se-lhe para pagar os tratamentos que se torne necessário fazer fora dos concelhos. Substituem-se-lhe se podem, convém notar, pois há razões para crer que já muitas câmaras pouco ou nada fazem neste campo, por simples falta de recursos.
Esta substituição, outrora excepcional, ter-se-à tornado de regra pelo simples facto de a assistência dentro dos concelhos por si só absorver cada vez mais as capacidades das Misericórdias.
E assim se firmaria a responsabilidade que ao presente tão pesadamente onera os municípios.
Há todavia uns regimes especiais para os doentes mentais, tuberculosos e portadores de moléstias infecto-contagiosas, dos quais o Estado, pelos serviços especialmente adstritos ao combate das suas diversas doenças, assume os encargos do tratamento, em proporções desde metade até ao todo quando são pobres e, como aliás é o mais geral, desamparados do apoio, por ora apenas esboçado, de instituições de previdência ou seguro.
Mas VV. Ex.ªs conhecem a vida dos pequenos meios e sabem que muitas vezes, porque demoram os despachos ou as verbas estão em vias de se esgotar, as câmaras municipais têm de aceitar as responsabilidades dos tratamentos, mesmo nestes casos, para que numa família numerosa não fique um tuberculoso a criar novos focos de contágio, ou noutra parte um doido perigoso ponha em risco a segurança dos vizinhos. De maneira que, mesmo onde estão legalmente aliviadas, continuam a ter encargos pesados.
Também se poderia perguntar se o Decreto-Lei n.º 35:108, que criou as comissões municipais de assistência e atribuiu a estas competência para promover a prestação de socorros a necessitados, não terá desonerado as câmaras municipais, mas, como esse decreto não conseguiu assegurar receitas adequadas às comissões, continua o encargo sobre os municípios, quando não directa, pelo menos indirectamente, na medida em que as mesmas câmaras têm de subsidiar as comissões.
O Sr. Carlos Mendes: - No fundo, não há receitas para as comissões municipais de assistência, a não ser quando o Socorro Social manda algumas migalhas.
O Sr. Galiano Tavares: - Até «e dá a circunstância de as dotações atribuídas a essas comissões terem diminuído sensivelmente de há dois anos a esta parte. Já eram poucas ou diminutas as receitas que tinham e cada vez são menos.
O Sr. Carlos Mendes: - E que as comissões municipais de assistência não têm, na realidade, qualquer finalidade.
O Sr. Galiano Tavares: - A finalidade que têm é a de informação dos pedidos feitos pelos indigentes ou pobres que se destinam aos hospitais e a função de aprovação dos orçamentos das Misericórdias da área respectiva.
O Orador:-Têm uma função útil de coordenação.
A situação ainda mais se complica nos concelhos em que não há hospitais e que são algumas dezenas deles.
Então, aí, recai sobre as câmaras a totalidade dos encargos de assistência com os doentes pobres, pois todos tem de buscar tratamento fora do concelho e falta a cooperação da assistência privada, que se exerce através das Misericórdias e não se verifica lá.
Pelo contrário, há câmaras municipais que beneficiam do facto de os hospitais da sua área serem estabelecimentos do Estado, e por isto mesmo aptos pelo seu apetrechamento a prestarem aos munícipes as formas mais adiantadas de assistência, que ficam dispensados de ir buscar fora e consequentemente não determinam encargos para essas câmaras.
Quando o exercício de assistência hospitalar depende exclusivamente do concurso da generosidade privada e da colaboração municipal, uma e outra funções no mesmo sentido do desafogo económico da região, quanto mais pobre é o concelho mais é prejudicada essa assistência pela falha simultânea de uma e outra fonte de recursos; e inversamente se torna desproporcionalmente favorável a situação nos concelhos ricos, onde a generosidade particular é maior e os réditos das câmaras municipais também são superiores. Gera-se assim uma tendência perigosa para a deterioração progressiva da assistência nos meios económicamente mais constrangidos, facto para que muito convém olhar.
Como já mostrei atrás, o número de doentes que afluem aos hospitais aumenta constantemente ...
O Sr. Carlos Borges: - Perdeu-se o horror ao hospital.
O Orador:-Perdeu-se, como V. Ex. ª muito bem diz, o horror ao hospital, mas sucede também que os progressos dos meios de tratamento e de diagnóstico exigem condições a que não pode satisfazer-se nos pequenos centros. São as análises, são as radiografias, são exames e provas de todo o género, que exigem, não só apetrechamento, como pessoal especializado de execução e de interpretação dos resultados que não pode espalhar-se por toda a parte.
Além disso, os doentes exercem pressão sobre os médicos para serem hospitalizados, e os próprios médicos não podem ser indiferentes a tais solicitações sem prejuízo da sua popularidade entre a clientela.
Não pode ignorar-se que hoje a maioria das populações das classes menos cultas não se considera bem assistida se não lhe forem feitos os tratamentos mais caros, por crer que serão certamente os mais eficientes .. *
É frequente motivo de orgulho e exibicionismo entre a vizinhança o número de radiografias QU de boletins de análise que se podem mostrar e representam uma ou várias idas -à custa da câmara, claro é- ao grande hospital da cidade próxima ou da própria capital. E não são as câmaras que podem eficazmente travar todas estas tendências, pois não está ao seu alcance avaliarem por meios próprios o fundamento clinico dos pedidos, nem lhes quadraria assumir a responsabilidade de recusas que pudessem vir a ter consequências fatais.
Ora, assim como aumenta a afluência dos doentes, aumenta correlativamente a despesa das câmaras. Quando há quase dois anos aqui abordei pela primeira vez este problema, que me preocupa constantemente, por isto mesmo que o conheço bem, solicitei previamente ele-