628 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 116
tem no dia imediato de agir como mandantes, e ou falham no pedir por terem sido severos na autoridade, ou se lhes quebra a autoridade por terem sido atendidos no pedir.
Tudo me conduz à conclusão de que onde faleça a generosidade outro remédio não há senão o da coacção das contribuições privadas; e as medidas de compulsão ao dever social de prestar assistência, podendo estabelecer-se em bases suaves, porque largas, não esgotarão os generosos e assegurar-lhes-ão a ajuda dos indiferentes. É o caso de dizer que, substituindo ao muito incerto de alguns o pouco certo de muitos, permitirá assegurar com segurança, e suficiência as condições materiais indispensáveis à garantia de realização da assistência.
Nem a sugestão tem novidade. No relatório do Decreto-Lei n.º 32:255, que reorganizou os serviços da Misericórdia de Lisboa, encontra-se reconhecido que «compete ao Estado promover e impor, mesmo coactivamente, o dever social de prestar assistência», enquanto «à Igreja está confiada a missão de estimular o preceito religioso da caridade». E, por muito que se tenha procurado estimular o exercício da caridade, afirmando em vários diplomas, repetidamente, que o Estado e os corpos administrativos não têm no campo da assistência senão funções supletivas das iniciativas particulares, a verdade é que a força incoercível doa factos já obrigou a, prover a disposições de compulsão, introduzindo o princípio das derramas para fins de assistência na Lei n.º 1:998, de l5 de Maio de 1944. Aliás já houvera antes adicionais autorizados sobre as contribuições gerais do Estado, sistema que desapareceu com as reformas financeiras de 1928, mas deixou vivas saudades e um vazio, durante muito tempo mal prendido, nas administrações de muitas Misericórdias.
Mas as derramas, cuja própria existência legal me dispensa de mais extensa defesa desta minha proposição, pois o seu mesmo estabelecimento a contém toda, são de lançamento carregado de dificuldades burocráticas e inconveniências de execução prática. Por isso preconizo que a faculdade delas seja substituída pela outra, mais praticável, da cobrança de taxas especiais em adicionamento às contribuições gerais, nas condições de oportunidade e proporção que para cada circunscrição as condições locais justificarem e impuserem.
O Sr. Carlos Borges: - Os que são generosos pagam sempre.
O Orador: - Eu sei que se conta com eles, mas a experiência prova que não bastam às necessidades os generosos. Têm de ajudar também os que o não são.
O Sr. Carlos Mendes: - Isso seria colectar tudo.
O Orador: - Do que V. Ex. ª pode ter a certeza é de que esta contribuição é um princípio que :já se pratica, mas pela forma inadequada das derramas extraordinárias.
O Sr. Carlos Mendes: - Quanto mais se aumentarem colectas pior.
O Orador: - Não se aumentam. Eu pretendo que fique plena liberdade de acção e proposição aos responsáveis pela assistência. Desejaria ver a assistência entregue só às Misericórdias, mas, atendendo a que há pelo País fora apenas 261 hospitais seus e 303 concelhos, cabe perguntar como é que se asseguraria a assistência hospitalar nos outros 42 concelhos se a receita fosse unicamente destinada às Misericórdias e seus hospitais. E a solução dada pela contribuição adicional sobre
as do Estado, único meio viável e praticável de assegurar para já as receitas necessárias, mais do que necessárias, indispensáveis, estará em deixar a cobrança às câmaras, rodeada de todas as precauções cautelares para que não se desvie do seu destino e uma destas poderia ser a de condicionar cada nova cobrança à fiel e integral aplicação do produto da antecedente, e às câmaras o dever de entregarem o produto às Misericórdias respectivas para assistência hospitalar, só o podendo aplicar por si na falta de acção dessas Misericórdias. Simplesmente, a estas caberia então o encargo de todos os tratamentos de doentes pobres em hospitais locais e externos que o Estado não pudesse por eu lado garantir ou as instituições de previdência não assegurassem.
De uma forma ou de outra, é preciso resolver o problema da realização de fundos para encarar as duras realidades da crescente, da inevitavelmente crescente, carestia da assistência hospitalar. E preciso que se obtenham recursos materiais novos para dar o passo em frente, que não pode de modo nenhum evitar-se, pondo em termos novos e claros toda esta questão.
As condições da conversão necessária do estado actual das coisas são, em resumo, três: solução prática do problema das dívidas, revisão das receitas e dos encargos dos concelhos, sem exclusão de um só, de um só que seja, e redistribuição dos subsídios do Estado quanto à parcela que poderá ser distraída doa subsídios aos Hospitais de Lisboa quando acabe a porção de injustificada vantagem ainda consentida ao Município da capital em relação a eles.
A convicção de que a curto ou a longo prazo jamais se poderá conseguir pagar os 70:000 contos de dívida presumível levar-me-ia a sugerir a anulação pura e simples dos saldos de contas dos concelhos1 nos hospitais do Estado, mas reconheço a iniquidade relativa de uma tal solução, porque muitas câmaras procuraram honrar o seu compromisso, não sei se apenas por, mais felizes, terem podido, se por sentimento do dever, e ficariam assim em desigualdade com as outras que não pagaram. Mas neste problema há tantas desigualdades a sanar, que seria apenas uma mais.
E impõe-se, por tudo, um plano novo de identidade de posições, para se poder recomeçar a trabalhar em termos eficientes na assistência aos doentes pobres.
Depois de ter várias vezes insinuado e afirmado até que a Câmara Municipal de Lisboa, e destaco esta porque as suas condições estão muito acima das da que pode associar-se-lhe, deve ser chamada a pagar a sua quota-parte dos encargos, como todas as demais, quero todavia exprimir a opinião de que o termo de identidade deve ser estabelecido, não pela posição das outras em relação aos estabelecimentos locais, mas em relação aos hospitais regionais e centrais.
Não há com efeito em Lisboa acção privada que alivie u câmara como nos concelhos onde é essa que mantém os hospitais, nem será praticável provocá-la.
Que o Município de Lisboa, pois, suporte os 50 por cento dos custos aprovados de hospitalização que começam a ser debitados aos demais pelos doentes remetidos a hospitais centrais, ou a proporção diferente que venha fixar-se, estará certo e será justo; mais, talvez seja impossível de exigir.
Estas são as soluções que se me oferecem depois do exame do problema.
Confesso honestamente o sentimento íntimo e profundo de que, como é próprio dos espíritos limitados, me foi mais fácil ver o mal do que o remédio. Mas, se me abalancei a pedir que este assunto fosse tratado em aviso prévio, foi justamente na esperança de que, trazendo eu o meu contributo de dados, outros pudes-