682 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150
A Inglaterra foi durante o século XIX o no começo do século XX o país por excelência do livre-cambismo. As possibilidades do seu solo, o valor dos seus recursos naturais, a facilidade na aquisição de matérias-primas e a feição industrializada da sua economia permitiram-lhe realizar exportações maciças e continuas, sobretudo para os países agrícolas ou de fraca industrialização, e atingir, assim, o período áureo da sua expansão e riqueza.
Mas já no século XIX outros países, da América e da Europa, se lançaram no caminho da produção industrial e, ao invés da Inglaterra, socorreram-se das tarifas aduaneiras para proteger as actividades nascentes. Deve dizer-se que nos Estados Unidos, à medida que a economia do país se tornava mais forte, a protecção aduaneira baixava. A rápida transformação de um país semicolonial numa das maiores potências do Mundo reflectiu-se profundamente na orientação da sua economia. A pauta de Undervood - durante a primeira administração de Wilson em 1913 - proporcionava, efectivamente, consideráveis reduções de direitos.
A guerra de 1914 veio marcar, porém, em todo q Mundo uma nova tendência para o proteccionismo. Os povos verificaram os efeitos desastrosos das suas insuficiências e sentiram a necessidade de se orientarem, tanto quanto possível, no sentido da autarquia. A própria Inglaterra, desde 1915, iniciou uma política de tributação aduaneira. Primeiro, para evitar as importações de luxo; depois, para aumentar as receitas do Tesouro; o finalmente, desde 1921, com intuitos evidentes de proteccionismo.
Nos Estados Unidos operava-se também um grande movimento a favor da protecção pautai às indústrias necessárias à defesa nacional, designação essa em que pretendiam ser englobadas as grandes forças da produção americana.
Por outro lado, a desvalorização monetária operada em certos países europeus incitava a América a aumentar as suas tarifas. Estas subiram em 1921 e 1922 e, finalmente, com a aprovação da tarifa Hawley Smoot, em 1930. o proteccionismo americano atingia um dos seus pontos culminantes.
No período decorrido entre as duas grandes guerras deram-se graves crises: na produção, na mão-de-obra, nas moedas e nos câmbios. E surgiu, sobretudo na Inglaterra, a ideia de que um dos grandes males a atacar era o desemprego e que se lhe devia contrapor o emprego total, o full employement, que Beveridge, numa fórmula simplista, definiu como a situação em que há mais empregos vagos do que trabalhadores desocupados.
Na doutrina clássica e livre-cambista o progresso económico não dava lugar a questões nem suscitava, portanto, o problema do desemprego. Pelo contrário, emprego total e progresso económico conciliavam-se numa perfeita harmonia.
Mas, tendo-se suscitado longas e graves crises de desemprego, alguns economistas da época - e Keynes apareço como o mais autorizado entre eles - opuseram forte reacção à doutrina clássica o mostraram-se partidários do uma larga intervenção do Estado no sentido de auxiliar a produção do país e assegurar, simultaneamente, a sua defesa pela eliminação da concorrência exterior no mercado interno. As tarifas aduaneiras apareciam como um dos mais fortes instrumentos dessa política declaradamente proteccionista.
Para Keynes, as ideias, os conhecimentos, a ciência, a hospitalidade, as viagens são, por natureza, internacionais. As mercadorias devem ser de preferência, e sempre que possível, produzidas no país e as finanças primordialmente nacionais.
Se os produtos ingleses tinham perdido alguns mercados por competição de produtos de outra origem e de fabrico mais barato, tornava-se também necessário, para
vencê-la, baixar, na Inglaterra, o custo de produção e evitar, no mercado interno, a concorrência estrangeira!
O neoproteccionismo que a crise britânica fez surgir naquele país não deixou de ter os seus contraditores, dum e doutro lado do Atlântico. Afirmar o desejo de autarquia - escrevia-se em oposição - é fomentar a guerra e legitimar as aspirações imperialistas e expansionistas de certos países. A preocupação da economia deve ser o rendimento de preferência ao emprego. E nem mesmo neste aspecto - afirmava-se - o proteccionismo realiza os fins que se propõe.
Não interessa- só o emprego neste ou naquele país. O que importa fundamentalmente ao bem-estar colectivo é o emprego na generalidade dos países, e se uma nação reduz as suas importações, mercê de fortes tributações aduaneiras, vai baixar a produção e aumentar o desemprego nos mercados fornecedores.
Além disso, fará descer nos mercados exteriores o poder de compra, em detrimento das suas próprias exportações. O que se ganha por um lado perde-se por outro, não devendo esquecer-se que o comércio livre e a fácil circulação de mercadorias fomentam o emprego no comércio interno, nos transportes e noutros, e importantes, sectores da produção.
Apesar de tudo, a escola proteccionista e nacionalista fez caminho em Inglaterra, mas para se fazer uma, ideia da fragilidade das doutrinas e da inconsistência dos argumentos teóricos bastará dizer que Keynes - sem dúvida um dos mais luminosos génios deste século e um dos maiores economistas de todos os tempos - começou por ser, na tradição inglesa, um partidário do comércio livre.
Depois foi o arauto e o expoente máximo do neoproteccionismo e do nacionalismo inglês; expressos na Teoria Geral, do qual já se disse que é o mais influente dos livros sobre assuntos económicos publicados nos últimos trinta anos. Parece que a guerra e as suas consequências abalaram as ideias do consagrado escritor e economista, que, pelo menos em grande parte, voltou a perfilhar os seus primitivos conceitos de liberdade e de cooperação económica internacional.
Foi o autor de uma proposta de cooperação entre as nações, denominada «União Internacional de Compensação», um dos principais obreiros do internacionalismo monetário de Bretton Woods e, no Outono de 1945, um dos negociadores directos do empréstimo americano ao seu pais. Este seu regresso à defesa da colaboração internacional e do comércio multilateral fez com que, como já se escreveu, Keynes não fosse, nos últimos anos da sua vida, um keynesiano de prestígio I
Actualmente muitos escritores, nomeadamente americanos, continuam a ser acérrimos defensores da cooperação entro os povos, adversários de todas as barreiras ao comércio livre, e portanto paladinos entusiastas da abolição das tarifas e pautas que dificultam as trocas internacionais.
Deve reconhecer-se que os Estados Unidos tem dado uma contribuição valiosíssima à reconstituição europeia, em créditos e recursos de vária ordem, defendendo, ao mesmo tempo, ideais generosos de cooperação e solidariedade económica.
As tentativas para resolver o problema dos câmbios entre as nações, o estabelecimento de um sistema de pagamentos multilaterais, o incentivo para os países europeus intensificarem entre si o comércio e as trocas recíprocas são, em grande parte, o resultado do esforço americano.
Todavia, essa grande e próspera nação continua a praticar uma política de forte protecção aduaneira e constitui hoje a mais poderosa das autarquias económicas do Mundo. A vastidão do seu mercado interno, os seus recursos em matérias-primas, a diversidade da sua produção, os aperfeiçoamentos da técnica parece que po-