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738 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153

insatisfação dos que trabalham e desejam a perfeição ideal. A espíritos objectivos, clarividentes, preocupados com a solução do problema português e com a arrumação definitiva do caso português só pode interessar que a nossa vida política se dignifique e vamos andando - devagar, que temos pressa - na restauração da nossa honra e das nossas tradições.
Restauram-se as nações pelos mesmos princípios que as fizeram grandes, mas, como restaurar é mais difícil e desagradável que fazer de novo e se não restauram nações com a mesma facilidade com que se consertam edifícios, há que atender aos estragos causados no organismo e na vida social de cada nação pelos erros e venenos das más doutrinas, para na dose precisa ministrar os remédios e com a calma necessária esperar e garantir a cura definitiva.
Nesse caminho se vai e nesse trabalho se anda e a clareza das contas públicas é apenas um aspecto dessa marcha segura e sem precipitações.
Ordem nas contas, nas ruas e nas consciências são pontos essenciais da vida dos governos que a todo o momento desejam encontrar-se em condições de dar contas - boas contas, aliás - da sua actuação e do exercício do Poder.
Sr. Presidente: ao ler-se com atenção o extenso, erudito e notável parecer da ilustre Comissão parlamentar das contas públicas fica-se com a nítida impressão de que o domina uma preocupação absorvente, bem acentuada, e em que se insiste a propósito de muitos dos aspectos da vida nacional.
Essa preocupação é a de que para aumentar o nível económico de vida dos portugueses e entrarmos num caminho de verdadeiro progresso é indispensável aumentar a produção e dar nas obras a realizar primazia às reprodutivas, ou seja às que mais pronta e imediatamente asseguram novas e maiores receitas.
Forçoso se torna reconhecer o que há de verdade e justiça nesta preocupação e que, como no parecer das contas públicas se nota, não passa de ilusório aspecto de riqueza e bem-estar o que é determinado pelas circunstancias excepcionais de momento, ou pela anormalidade de épocas de guerra, quer se trate de guerra com aviões, espingardas e canhões ou simplesmente de guerra de nervos.
É assim de perfilhar, de «ma maneira geral, o princípio de uma esquematização das obras, de modo que se atenda em primeiro lugar ao necessário e só depois se trate do útil e do supérfluo.
Esta orientação é, afinal, a traçada, com a sua alta clarividência, pelo chefe do Governo, quando num dos seus discursos nos fala, ante a perspectiva de nova guerra e das complicações internacionais, na necessidade de que a nossa política económica seja a política modesta, mas segura, do pão e do arado.
Precisamos, na verdade, de atender à hierarquia das necessidades e fugir de levantar Casas do Povo que são autênticos palácios em modestas aldeias onde a pobreza das habitações e o nível de vida dos habitantes são flagrante contraste com aquilo a que hão-de chamar com amor a sua casa.
Deste destempero e contra-senso se ressente também o mobiliário de alguns consultórios de caixas de previdência, onde se colocaram móveis de luxo que os operários foram rasgando à navalha enquanto esperavam a sua vez da consulta.
Servir-se-ia melhor a gente do meio e far-se-ia até do edifício um elemento de educação se no primeiro caso o edifício da Casa do Povo fosse simplesmente limpo e bonito, a elevar o ambiente e não a destoar dele, e se no segundo caso, em vez de maples, se pusessem à disposição dos operários bancos em número suficiente
para, sentados, aguardarem a sua vez de serem atendidos pelo médico.
Estes e outros casos que não vale a pena apontar indicam que pode de facto haver lugar para uma correcção de critério na orientação das obras e na maneira mais económica de as realizar.
Parece-me, contudo, que no douto parecer das contas públicas se deseja ir mais longe e se pretende que, atentas as circunstâncias internacionais e a necessidade de criar receitas, se cuide quase exclusivamente do engrandecimento material e do que é imediatamente reprodutivo.
Se é este o sentido do parecer das contas públicas e da expressão a obras reprodutivas», discordo inteiramente do que se pretende.
A grandeza de um povo não vem sómente da sua riqueza; provém sobretudo da sua educação, da formação do seu espirito. Quando falta à riqueza a base segura dos costumes, que simultaneamente venha a ser «esplendor do bem», da grandeza material, é da lógica e é da história que as nações se afundam, tal qual a estátua de Nabucodonosor, que, com os seus pés de barro, ruiu fragorosamente e se fez pedaços, com todo o peso do ouro, bronze e prata de que era formada.
Não esqueçamos, sim, o velho e clássico axioma do primum vivere e dêmos às obras imediatamente reprodutivas o primeiro lugar, mas fujamos do erro nefasto de desligar o aforismo da palavra de Cristo ao Tentador, que aproveitava a fome causada pelo jejum de quarenta dias e quarenta noites para quase forçar o Mestre Divino ao reconhecimento dos bens materiais como primeira necessidade do homem e da sociedade.
Tem a sociedade necessidade de pão e conforto material na vida. Sem isso não se vive. Tem, contudo, necessidade maior de pôr os bens materiais ao serviço do homem, e não de o escravizar a eles, e de formar o espirito humano para saber produzir, economizar e distribuir os bens materiais, de modo a não fazer deles o único Deus e o único ideal da vida.
A resposta de Cristo ao Tentador apresenta-se hoje com toda a frescura e mocidade da hora em que foi proferida, para lembrar que também o pão do espírito tem o seu lugar na vida do homem e da sociedade, por homens constituída, e desviar os mortais do nosso tempo que têm o cognome de grandes de caírem na cilada armada pelo espírito do mal, no convite a uma civilização em que a opulência da riqueza material se apresente em flagrante contraste com os valores do espírito e a riqueza das consciências.
Garrei verificou que a palavra de Cristo foi esquecida, e a triste verificação e o grande lamento dos seus últimos livros são o grande aviso de um homem de ciência, feito a tempo a uma sociedade que porfia em tornar-se grande, esquecendo o homem o esquecendo-se de o preparar para saber conduzir-se na vida e constituir para o Mundo a águia que paira acima das riquezas, para as elevar até ele, e não o «cão vadio perdido entre automóveis de luxo» de uma civilização delirante de requintes materiais.
Por isso é que podem bem considerar-se como de necessidade na ordem das realizações e da primazia no capítulo das despesas a escola e a igreja onde se educa e forma o espírito dos Portugueses, a fonte que livra os habitantes de uma povoação de se envenenarem com águas inquinadas, e até o subsídio concedido à obra dos vadios da rua, para os ensinar a viver dignamente, trabalhando e cumprindo o dever.
Apesar de nenhuma destas verbas ser imediatamente reprodutiva, excluí-las do número dos gastos de primeira necessidade seria cair no mais crasso materialismo da vida e da história e entregar a riqueza produzida às desordens e cobiças de toda a espécie, já que nenhuma