18 DE ABRIL DE 1952 739
desordem se dá na sociedade que não seja primeiro ama desordem ou uma aberração do espírito humano.
Dando o meu aplauso e o meu voto à sugestão da ilustre comissão parlamentar das contas públicas no sentido de que nas obras a fazer e no intuito de criar receita se atenda às mais necessárias e às de maior produtividade, julgo, contudo, indispensável a distinção que acaba de fazer-se.
Nem luxos de morgados reloucados, que, não tendo ou mal lhes chegando para pão, gastam tudo na pândega, nem a mesquinhez de negar o indispensável ou de considerar de pouca monta o que tenha de despender-se para tratar a sério do que poderíamos chamar a alma e a essência da nossa»civilização, e a condição sine qua non para que, repetindo a frase do chefe do Governo, o homem não «regresse à selva».
Recordo, sempre que problema tão importante se discute, a frase incisiva dum grande amigo que, ao reparar no que se passa à sua volta, e em comentário aos acontecimentos do seu tempo, costuma dizer:
O Estado Novo conserta as estradas, arranja os portos, endireita as finanças, mas as cabeças dos Portugueses andam muitas delas no maior descalabro.
A frase não é inteiramente exacta, pois é notável a reforma operada nos espíritos e no ambiente pelo Estado Novo, mas encerra, no seu tom de humorismo e ironia, a verdade profunda de que a riqueza do espírito é a essência e a alma da verdadeira riqueza e grandeza de um povo e a mais segura expressão de uma época de esplendor e progresso.
Sr. Presidente: um outro comentário sugere a leitura atenta do notável parecer das contas públicas. Censura-se nele que nos tempos de euforia dos anos da guerra, os tempos que, em linguagem bíblica, poderíamos chamar das «vacas gordas», se tenham despendido verbas consideráveis com obras que gastaram muito e não dão nada, quando, aplicadas a obras reprodutivas, poderiam ser agora, que chegou o tempo das «vacas magras», grande fonte de receitas e elemento valioso para enfrentar as dificuldades deste período de readaptação.
Seria fechar os olhos à realidade negar a parte de razão e de justiça que há neste ponto do parecer. É sempre fácil, quando há abundância, gastar um pouco a mais ou deixar-se quem tem muito influenciar pelos esplendores do luxo e do supérfluo, com menos atenção às verdadeiras necessidades.
Nas obras do Estado e nas obras dos municípios, ou em obras em quê comparticiparam o Estado e os municípios, algumas vezes o delírio das grandezas predominou, em detrimento das realizações indispensáveis à vida decente das populações. Poderá apontar-se um ou outro caso de município pobre, em que as verbas gastas com o palácio municipal se não justificam e poderiam ter ficado reduzidas a menos de metade, aproveitando-se o restante, que seria mais de outro tanto, em dar às populações rurais do concelho caminhos vicinais transitáveis e um mínimo do conforto por que suspiram há muito, no abandono em que se encontram.
Tal senão da obra realizada não invalida, porém, nem sequer chega a ofuscar esta outra verdade: de que, apesar de tudo, se manteve sempre uma certa disciplina nas obras a realizar e de que se teria chegado no presente a uma situação aflitiva se o Governo se deixasse arrastar pelas vozes dos que, olhando sómente para os lucros de ocasião, haviam voltado as costas à realidade da modéstia dos nossos recursos e de que a ela tínhamos de adaptar-nos. Se houve defeitos e erros, não foram, contudo, tão graves que comprometessem a nossa vida económica e financeira no futuro.
É um comentário a este ponto do relatório, que, para ser justo, tem de fazer-se nestes termos, não desligando as duas afirmações.
Sr. Presidente: aborda o parecer das contas públicas, dentro do critério de uma política económica reprodutiva, um aspecto da vida social da nossa gente do campo, que é simultaneamente um grave problema de produção.
Tanto no aspecto económico como pelo lado social, é útil que a propriedade esteja na mão de muitos e de desejar que aumente o número de proprietários, como, desde 15 de Maio de 1891, vem ensinando Leão XIII na encíclica Rerum, Novarum.
A grande propriedade é cultivada com menos perfeição e presta-se menos a cumprir a função social que lhe é inerente. Depende, é claro, da natureza do terreno e das condições de rega e de clima a maior ou menor extensão da propriedade, o mínimo ou o máximo convenientes à exploração económica.
E, se pode haver senhores de grandes propriedades que cultivam bem e servem da melhor forma o interesse social e o bem comum e há regiões em que o regime de grande propriedade é necessário, há, contudo, um máximo pára além do qual, em princípio, se torna nefasta a grande propriedade e um mínimo abaixo do qual a exploração e granjeio da terra se tornam económicamente ruinosos
Na região pôr onde fui eleito Deputado predomina o regime da pequena propriedade. É um bem. Não há a divisão e luta de classes doutras regiões por causa da terra e da sua posse. Todos têm alguma coisa, e esta posse da terra gera o amor da família e das tradições e no espírito dos proprietários certa disciplina e conceito de ordem, por amor ao património económico da família e por receio de o vir a perder.
Nos «sem eira nem beira» é que o crime encontra os seus adeptos e os inimigos da ordem social os mais fervorosos sequazes. Fazer proprietários é desfazer revolucionários. Há, porém, regiões do País em que a terra ultrapassou o justo limite da sua divisão.
No Alto Minho e em algumas freguesias do Minho Central há glebas de terreno de tão pequenas dimensões que não dão em rendimento a despesa a que obrigam com o trabalho do granjeio.
Tem o nosso ilustre colega Sr. Dr. Sá Carneiro um projecto de lei sobre este assunto que deve ser discutido nesta Assembleia. É um sério e grave problema este.
A pobreza de muitos casais agrícolas e o baixo nível de vida económico dos rurais minhotos tem na excessiva e irracional divisão da propriedade uma das suas maiores causas.
Não são apenas as glebas de dimensões insignificantes, que não pagam despesas de granjeio; é ainda a maneira insensata como a divisão dos casais agrícolas se faz, ficando cada herdeiro com retalhos de cada propriedade do casal em locais distanciados uns dos outros de muitos quilómetros e perdendo a família agrícola horas intermináveis por caminhos e em deslocações, quando havia possibilidade de cada filho e herdeiro do casal ter a sua propriedade inteira, num só local.
Para manter este estado de coisas têm-se coligado a sentimentalidade, a tradição, a rotina e a resistência dos interessados em cumprir as disposições legais que contrariam este mal e o seu agravamento.
Creio, porém, que não há sentimentalidade nem preconceito que possam antepor-se ou tenham de prevalecer sobre a necessidade de que a terra produza o que deve e de para isso se criar o regime de partilhas mais racional e adequado a esse fim.
Partilho inteiramente neste ponto o douto parecer das Contas Públicas e, fazendo-o, sirvo o melhor que posso