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19 DE ABRIL DE 1952 763

mais nos municípios das nossas duas grandes urbes, em que, sem disprimor, vemos homens competentes e honestos excedidos pela pletora de poderes que esse código lhes concede generosamente e vivendo numa atmosfera quase ditatorial, que lhes deslustra o brilho de uma grande obra, recheada de boas intenções, repuxado inexoravelmente para soluções burocráticas, de espaldas para o conjunto económico. Toda essa obra é uma vistosa maqueta entretecida de sonhos de engenharia, mas acordada por pesadelos económicos.
Para realizar essa obra de ostentação urbana -a macro-urbe - transformaram-se os municípios em verdadeiros agentes prediais, adquirindo barato na expropriação e leiloando esses terrenos a preço de metro quadrado que, por si só, constitui um capital dificilmente remunerável num pais relativamente pobre como o nosso, com uma classe média mal remediada. Esses preços, exagerados por uma espécie de agiotagem predial urbana, suscitaram a necessidade de criar majestosos edifícios, ostentosamente marmorizados, recheados de estabelecimentos inalugáveis senão a rendas que tornam impossível a rentabilidade de um comércio que aí se estabelecesse. Alimentam um liberalismo de pim-pam-pum de feira que faz quebrar esses pobres comerciantes ou lhes faz evaporar as suas reservas, para alguns de tão difícil reaquisição.
Faltou-lhes uma orientação económica que lhe impedisse requeimar reservas. Rendas altas, dificilmente suportáveis para a mediocridade dos nossos meios, delapidação dos valores dos construtores, ou congelação dos capitais dos compradores,' por uma desvalorização de rendas. De tudo isso é responsável a imprevidência económica dum município que procurava numa ostentação urbana a imagem duma economia de prosperidade que era apenas o privilégio de uma plutocracia. Construía-se para volframistas, criava-se um proprietarismo de 2:000 contos para cima, em lugar de favorecer as aquisições ao capitalista médio, criando assim uma barreira à expansão do comunismo.
Uma macro-urbe de lojas aparatosas sem fregueses e multiplicadas em termos tais que ardiam na concorrência, que não resultava para o consumidor bairrista nem em redução de preços nem em apreciamento de qualidade; sonhou-se com uma Baixa nos bairros novos.
Alargou-se Lisboa, sem se inquietar com o problema dos transportes. Que vultosas despesas não acarretará essa urbanização extensiva! Admiram-na os meus olhos e temem-na a minha prudência e o meu instinto económico.
Não se procurou concentrar a cidade com vantagens económicas e estratégicas, não se puncionaram as mais valias interurbanas, traçaram-se planos da cidade ambiciosos, quase ia dizer megalomânicos, tudo isto saiu da pele do expropriado e dos arrendatários de modestas possibilidades; é só ver os preços das ofertas municipais em comparação com os que foram condenados a pagar pelos tribunais; e ai daqueles que não puderam defender-se judicionalmente. As praças dos terrenos eram um verdadeiro quadro rembrandtesco em que jogavam os construtores na alta, pagando terrenos perfeitamente iguais e de idênticas condições construtivas por preços que iam do singelo ao triplo. Programatizava-se com visões puramente liberais, em que só há que lhes perdoar pelas intenções e pela honestidade inconcussa de quem as dirigia. Essa alta de terrenos feria mortalmente as possibilidades económicas de uma classe média, quer para possuir, quer para alugar; abria as portas ao comunismo.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª está a pôr o problema no ponto de vista técnico ou no ponto de vista económico ?

O Orador:-Eu estou a colocar-me no ponto de vista económico, evidentemente.
Construía-se para volframistas, e só muito mais tarde se começou a construir para rendas limitadas. Foi uma febre plutocrática de blue-prints. Tecnicamente ...

O Sr. Mário de Albuquerque: - V. Ex.ª...

O Orador:-V. Ex.ª dá-me licença que acabe a frase, e depois interrompa.

O Sr. Mário de Albuquerque: - V. Ex.ª tinha acabado a frase.

O Orador:-Diria eu uma má mecânica ...

O Sr. Mário de Albuquerque: - A mecânica má é a de V. Ex.ª, pois deve expor de maneira que todos possamos saber quando terminam os períodos.

O Orador:-V. Ex.ª não é infelizmente meu professor de dicção ...
Eu dizia tecnicamente ..

O Sr. Mário de Albuquerque: - Pois é tecnicamente que V. Ex.ª expõe mal, porque está a ler precipitadamente, V. Ex.ª está sobre este assunto de urbanização muito mal informado ...

O Orador:- V. Ex.ª pede a palavra e depois contradita.
Tecnicamente os municípios vivem à sombra, tom mesmo de viver à sombra de certos ramos técnicos da Administração central.
A macro-Lisboa há-de pesar duramente nas finanças municipais. A par disto os serviços concedidos foram um tanto abandonados ao belo prazer dos concessionários; os relatórios são disto testemunho anual e eloquente, pela forma sucinta como tratam do assunto.
Nesta sala ainda há pouco tempo tive ocasião de notar que se tinha feito muito, e até muitíssimo, por Portugal, mas muito menos pelos Portugueses; parafraseando-me a mim próprio, direi que a Câmara Municipal fez muito por Lisboa, mas muito menos pelos Lisboetas e por Portugal.
Para os Lisboetas, porque não compreendeu que a urbanização se tem de conter adentro dum limite de transportes fáceis, de se fazer para o maior número, e não para uma plutocracia de dinheiro ou burocracia, e não deixar famílias inteiras expostas à promiscuidade das partes de casa, criar um lar. Ergueu ruas e arranhitos-céus para compradores milionários e para inquilinos com rendimento de 100 contos anuais e daí para cima.
Para Portugal, porque queimou, numa pira de falsa grandeza, capitais que poderiam desdobrar-se utilmente numa urbanização para todos, e não para privilegiados. Requeimaram-se capitais em ostentação e só tardiamente a Câmara Municipal de Lisboa se alinhou no problema das habitações económicas, só muito mais tarde procurando Vale Escuro em vale claro.
Os planos de urbanização não são controvertidos e as soluções de trânsito, que são caras e ineficientes, puras soluções ocasionais, sem perspectivar o futuro.
Neste urbanismo plutocrata teve um pouco de responsabilidade um estabelecimento de crédito do Estado, aliás muito bem administrado, que, em lugar de alinhar as suas hipotecas em volta de soluções medianas, se deixou arrastar por empréstimos sobre plantas vultosas. Agora que secou essa fonte de empréstimos, deixa-se ainda ficar com uma carteira cheia de papéis, financeiramente bons, mas em contrapartida paralisando outras