768 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105
Os diagramas relativos a S. Tomé expressam uma situação de crise endémica, que nada tem que ver com a «excepcional prosperidade» de que no decreto se fala, quase como num lamento. Desgraçada «prosperidades»!
Em Angola deu-se, de facto, um extraordinário desenvolvimento das suas riquezas, que a exportação traduz no aumento das quantidades embarcadas, simultaneamente com crescente actividade no circuito interno de bens. Esta circunstância merece ser apontada aqui pelo que significa de acrescida intensidade pó voadora e de maior desenvolvimento das actividades produtoras destinadas ao consumo local.
O café é o grande produto do ultramar, o mais importante da exportação portuguesa, o nosso ouro negro. Em lugar de o temermos, deveríamos acarinhá-lo. Podemos afoitamente dizer que estamos na era do café. Ele representa cerca de 50 por cento da exportação total de Angola, e a quarta parte de toda a exportação das nossas províncias africanas. E um produto de alimentação que hoje se pode considerar essencial e que, pela universalidade dos seus mercados, não nos cria problemas difíceis como os que se nos defrontam na metrópole com a colocação de muitos dos nossos mais importantes produtos, ou com a necessidade em que nos situámos de manter em laboração certas actividades, cujas produções só à força de complicados equilíbrios e custosos sacrifícios podemos exportar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a copra e o sisal sucede o que de um modo geral se passa com todos os produtos tropicais. A irregularidade das cotações e as prolongadas crises a que está sujeita levaram a agricultura ultramarina a procurar na policultura compensação não só para a inconstância das safras como também para a instabilidade dos preços, amparando os preços-baixos de umas culturas com os preços altos de outras. E assim o mesmo agricultor tem lavouras de diversos produtos - de sisal ou de café e oleaginosas, de copra e cacau, etc.
Se a nova lei, na sua aplicação, viesse agora anular este sábio plano, que a experiência de África tem vulgarizado entre os produtores, a estabilidade financeira das economias rurais de Angola, de Moçambique e de S. Tomé seria gravemente afectada.
Em Moçambique, por exemplo, é vulgar a associação das plantações de copra com as de sisal. O preço actual da copra mal cobre os encargos de exploração; por contra, o preço do sisal é ainda remunerador, apesar de os preços já terem também começado a baixar. Contou-se com os bons preços de um para fazer frente às eventuais insuficiências do outro.
Por isso, ignorar o conjunto da economia de cada exploração agrícola na tributação de lucros, escolhendo apenas os produtos mais remuneradores, sem entrar em linha de conta com os prejuízos ou a carência de lucros em outras safras, é não só injusto como económicamente perigoso e contrário às boas regras em matéria de impostos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas há outros argumentos que têm aplicação à generalidade dos casos.
Disse há pouco que, doutrinàriamente, a lei girava um torno do conceito de justo preço e do seu corolário, o justo lucro, e que, para o apurar se deixava guiar pelas cotações das bolsas internacionais de produtos, que não expressam justos preços mas simplesmente «preços funcionais», pelo menos na medida em que elas operam livremente em concorrência e não são, como neste momento, artificialmente atingidas em muitos casos pela política dos preços-tecto. As oscilações expressam as alternativas da procura e da oferta, mas as baixas nos géneros coloniais são sempre muito duras e longas e por vezes a recuperação torna-se impossível e as terras são abandonadas.
Assim, o cacau, o café e a copra, após anos de relativa estabilidade a preços remuneradores, atravessaram um longo período de depressão, que durou dezasseis anos, de 1930 a 1945. Subsequentemente os preços do cacau melhoraram até quase atingirem, quando expresso em moeda do mesmo valor real, os níveis anteriores a 1930; os do café excederam-nos ligeiramente, mas a copra não voltou a atingi-los.
A contrapartida da sobrevalorização é bem a subvalorização. Se o Estado tributa o contribuinte pela primeira, deveria indemnizá-lo em equivalente valor quando a segunda ocorresse. Se isto se não faz, então o produtor não poderá nunca ressarcir-se, cobrindo com os lucros dos anos bons os prejuízos dos anos maus, e caminhará infalivelmente para a ruína.
O Sr. Melo Machado: - E pena que V. Ex.ª não possa fazer uma resenha de todas as pessoas que perderam os seus capitais trabalhando em África.
O Orador: - Desalentado, o colono descuidará as suas terras, baixando a produtividade, e com ela a produção, e, por sobre tudo isto, o nível de vida e o bem-estar geral em todos os territórios nacionais, incluindo a metrópole, que tão fortemente tem dependido do ultramar na aquisição de produtos alimentares e matérias-primas abaixo dos preços internacionais, na colocação acima dos preços da concorrência dos seus produtos agrícolas e industriais e no poderoso influxo de divisas para cobrir os deficits da balança comercial e valorizar em produtos essenciais a débil lista qualitativa dos nossos produtos de exportação.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Por outro lado, a base da incidência do imposto, tornado dependente do apuro periódico das cotações de produtos que se caracterizam pela instabilidade tradicional dos seus preços, é tão incerta que torna impossível prever na data da venda qual será a sobrevalorização na data do embarque, que normalmente se efectua meses mais tarde.
Isto constitui um risco adicional que o comércio não poderá acrescer ao preço, por se tratar de produtos cujas cotações são fixadas em mercados internacionais, onde a nossa posição, por insignificante, pouco ou nada influi. Terá, por isso, de o abater no preço de aquisição dos géneros aos produtores.
Assim, a lei, criando novos riscos ao comércio, como se não fossem já poucos os desta hora incerta, acaba por agravar a situação do produtor, determinando, de facto, o aumento da margem de lucro do comerciante exportador e a redução do preço de venda dos produtores: repercussões económicas inesperadas para o legislador, que por certo as não previra!
Mas não são só as repercussões económicas que interessa considerar. Também importa a justiça fiscal, a equidade.
Os mesmos preços podem não traduzir os mesmos resultados de empresa para empresa. Assim, uma empresa pode ter tido uma boa colheita, enquanto outra, no mesmo ano, teve uma colheita má. Isto é frequente em S. Tomé, por exemplo, onde as condições climatéricas do Norte e do Sul variam consideràvelmente.
A um ano chuvoso no Norte corresponde habitualmente um ano excessivamente húmido no Sul e a um ano favorável de humidade no Sul corresponde um ano