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1036 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167

criar fronteiras é deseducar; o que está indicado é adoptar o que, seja onde for, tenha dado ou esteja dando resultados seguros.
Uma vez, Almeida Garrett, em hora de má inspiração, escreveu que não compreendia nenhuma educação que não fosse eminentemente nacional. E houve um Ministro, já não sei qual, que, em hora para mim ide igualmente pouco feliz interpretação, mandou acrescentar a palavra nacional a tudo o que, oficialmente, designava educação, e até mandou, decerto (para prestar homenagem ao seu inspirador, gravar no mármore, à entrada do respectivo Ministério, aquela frase do tão arrependido bravo do Mindelo.
Se considerarmos, porém, que, em última análise, educação é a preparação do homem para a plenitude dos fins para que foi criado, logo perceberemos que a educação nacional é apenas uma parte do todo, pois a pessoa tem, além da missão terrena efémera, um destino eterno sobrenatural. E, se é certo que o patriotismo tem forçosamente de fazer parte de todos os sistemas educativos - e era isso, decerto, o que Almeida Garrett queria significar -, não está menos averiguado também que o culto excessivo da educação nacional pode conduzir ao nacionalismo extremista e totalitário, cujos frutos bem patentes e bem amargos são, afinal, uma negação da verdadeira educação, pelas irredutibilidades que suscita e pelos ódios que gera entre os povos.
Mas os nacionalistas censores da anglofilia do escutismo caíram, no fim de contas, em pecado idêntico de sinal contrário, isto é, na superstição hitleriana, a qual se traduziu em factos, desde o passo de parada e o desengonçado dos braços ao afã diabólico com que os procurou ocupar, em actividades e instruções, as manhãs dos domingos, não permitindo aos rapazes o cumprimento dos seus deveres religiosos, ou tornando-o sobremodo difícil e incómodo.
E até a personalidade chamada a verificar se tudo estava bem foi o chefe da Hitlerjugend, von Schirack, desumanamente encarcerado agora em Spandanau, em homenagem às revoltantes iniquidades proferidas em Nuremberga.
É certo que o relatório por mim recebido se refere a uma obra de formação religiosa, confiada a numerosos sacerdotes, mas um inquérito a fazer junto desses assistentes religiosos revelaria - sei-o bem! - quão dificultada tem sido a sua missão e quantos- obstáculos, e torpedeamentos lhes são opostos pêlos directores dos centros, recrutados sabe-se como e por toda a parte, até nos meios que formalmente negam Deus, a Pátria e a tradição.
Devo dizer, em homenagem à verdade, que parece haver tendência para melhoria, pelo menos em certas actividades, como a milícia, cuja instrução ao domingo é, seguida de missa para, os que quiserem assistir... É uma das melhorias a que não referi logo de início.
Que bom seria que elas se robustecessem!
Uma das grandes actividades da Mocidade Portuguesa é o campismo. E no relatório se afirma que ele é considerado «pela organização «um dos mais seguro» meios de formação do carácter, e que lhe parece inútil demonstrar as razões que justificam esse critério».
Sem dúvida o campismo é um meio de formação do carácter, ainda que modernamente a astúcia comunista tenha procurado apoderar-se, dele e pervertê-lo, tornando-o um meio atraente para a promiscuidade dos sexos e para a perda do pudor feminino, velharia, considerada como um dos grandes obstáculos ao advento da ditadura do proletariado...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas o campismo só contribui para a formação do carácter na medida em que põe à prova a inteligência e a decisão do rapaz em contacto com o passadio duro, com a natureza rude e pouco generosa, e o obriga a recorrer à sua sabedoria, à sua habilidade, à sua destreza, a apurar os seus sentidos, para reunir um conjunto de condições satisfatórias, vizinhas daquelas a que a civilização o acostumou. E, em contrapartida, habitua-se também a um certo número de desconfortes com que poderá um dia encontrar-se a braços.
Então o rapaz prepara a própria cama, cozinha as suas refeições, monta a sua tenda, põe-na ao abrigo das infiltrações aquosas e dos ventos dominantes e aprende a ter confiança em si próprio, nas suas possibilidades, à medida que as vai reconhecendo.
O campismo permite destacar a pequenez da pessoa isolada em presença dos perigos, das dificuldades dos obstáculos, e dessa noção resulta, instintiva e inteligentemente, a necessidade de associação, da entreajuda, da civilização e das sociedades humanas.
E, por isso, gera ainda sentimentos de generosidade, de paciência, de persistência, de ousadia, mas também de obediência e acatamento aos mais experientes, de disciplina e de respeito.
Mas os acampamentos da Mocidade Portuguesa, ou pelo menos muitos deles, não possuem estas características; os rapazes deitam-se debaixo de tendas já armadas, às vezes em colchões trazidos do quartel ou do asilo mais próximo, num local que não foi por eles escolhido nem reconhecido, e a comida é preparada por soldados serventes, em cozinhas de campanha.
É isto campismo? Não é. Isto é deturpação do campismo. Ir um rapaz fazer vida de campo com a mesma despreocupação e segurança com que vai para o seu quarto nas Avenidas Novas não é fazer campismo. Ao lado do campismo, e afora a actividade desportiva, conclui-se do relatório que o principal trabalho da Mocidade Portuguesa foi a beneficência. São centros médico-sociais (o social anda agarrado a tudo nesta idade da vida portuguesa, mas muito mais em palavras do que em espírito), são cantinas, casas da Mocidade, bolsas de estudo, pagamento de propinas a estudantes pobres e outros subsídios. E avalia-se esta actividade num total de 15 000 beneficiados (a palavra beneficiados é do relatório).
Não serei eu quem desdenhe destes actos de bem-fazer, aos quais, pelo contrário, reconheço, sem qualquer reserva, um alto significado educativo quando praticados individualmente ou veiculados através da acção pessoal.
Mas não posso deixar de me insurgir contra esta obcessão, que na nossa terra domina todas as instituições, sejam elas de que natureza forem: fazer beneficência.
Faz beneficência o Ministro do Interior, que até já teve artes de transformar o Socorro Social em argumento político; fazem beneficência os governos civis, as juntas de freguesia, as diversas filarmónicas e sociedades recreativas nos dias dos seus aniversários. E até instituições fundadas para o combate activo ao comunismo resolvem os seus cuidados adoptando a táctica que burguêsmente lhes parece mais cómoda: distribuir bodos e vestir pelo Natal os filhos dos seus filiados menos favorecidos de bens.
Admirável terra de D. Leonor, onde tudo se deixou contagiar pelo seu espírito!
Pena é que, paralelamente, as Misericórdias - a instituição que a excelsa rainha fundou- quase não tenham vida, por exiguidade de recursos.
Mas, se a beneficência está longe de ser coisa censurável, não deve, porém, ser lícito a qualquer instituição esquecer o fim principal para que foi criada, trocando-o por outro, ainda que mais tentador ou mais, propício à exibição.