O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

12 DE DEZEMBRO DE 1952 295

O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: na preocupação em que se vive de legislar, como se n bom governo implicasse necessariamente a feitura de muitos decretos-lei de preferência à integral execução dos existentes, saiu durante as férias parlamentares um diploma tendente a defender o património artístico da Nação e a regular algumas disposições relativas ao mesmo.

Tudo quanto o Governo faça neste sentido merece o nosso decidido apoio e só teria de elogiar a acção do Ministério da Educação Nacional pelo Decreto-lei n.º 38906 se não fora a doutrina contida no seu artigo 5º, que, certamente por deficiente redacção, se presta a Iodas as interpretações.

Senão vejamos:

Sempre que o entender necessário, poderá o Ministro da Educação Nacional determinar que os móveis inventariados ou em via de inventariarão sejam transferidos para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus do Estado.

Trata-se, como se vê, de uma expropriação, quo terá lugar «sempre que o Ministro da Educação Nacional a entender necessário».

Mas «necessário» porquê?

Porque os móveis inventariados ou em via do inventariação correm perigo de deterioração ou extravio?

Porque simplesmente convêm ao Estado para completar uma colecção ou para valorizar o seu próprio património:'

Há que especificar a latitude deste conceito para se prevenirem abusos que nunca dignificam o Poder; de contrário, é passar um cheque em branco, susceptível de todas aã interpreta coes e imprevisíveis consequências que, por certo, não estão no Animo de legislador, nem são do consentimento geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o património artístico da Nação está dividido, na sua generalidade, em três actores - o que pertence ao Estado, o que pertence à Igreja e o que pertence aos particulares.

Aceitemos por hipótese optimista quo as obras de arte do Estado se encontram em boas condições de segurança e de conservação, e, assim, o presente decreto-lei visa apenas o património da Igreja ou o dos particulares.

Quanto ao património da Igreja, reconheço que algum dele corro perigo, já pelas deficientes condições, humidade principalmente, da quase totalidade dos templos antigos, já pela ausência do conhecimentos e educação artística, do alguns sacerdote-»: há no entanto, que distinguir entre n que ameaça perder-se o todo aquele cujo estado de conservarão não sofre qualquer atentado: em ambos os casos uma sã política de belas-artes aconselha n defeco do objecto artístico no local onde se encontra -melhorando-lhe as condições ambientes-, de. preferência a transferi-lo para outro com prejuízo do seu significado histórico etnográfico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O património artístico dos particulares, esse é, sem dúvida, o que está melhor resguardado e em boas condições de conservação: isto porque, sendo o seu património, é sempre ciosamente defendido pelo agregado familiar, que o estima como obra de arte ou pelo menos como penhor seguro de realização de dinheiro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pois bem: o Estado, a quem neste domínio falta uma certa autoridade moral, arvora-se agora em paladino, em defensor do património alheio, e assim o Ministro da Educação Nacional o entender, pode requisitar o património da Igreja, santa e fiel detentora de tudo quanto em matéria de arte chegou aos nossos dias, e pode requisitar o património zelosa e apaixonadamente guardado pêlos particulares.

Por outras palavras: aquilo que depois de 1910 se fez à margem da Lei ou com a sua aquiescência está hoje regulamentado, ainda que em termos mais moderados, sob o rótulo de expropriação ou requisição. De futuro o património artístico de todos depende desta simples frase: «se o Ministro da Educarão Nacional o entender necessário.

Não há dúvida de que se abre assim, uma porta para muitos abusos e para num futuro sempre incerto ter força de lei o que dantes, e felizmente ainda hoje é considerado um alentado ao direito de propriedade!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Qual lerá sido o pensamento do Governo? É evidente, e nisso não tenho qualquer dúvida, que pretendeu apenas defender o património nacional.

O que pretendo eu? Defender esse menino património dos males que a aplicação ou simples existência deste decreto implicariam, pugnar pela defesa da benéfica fronteira que separa o domínio público do privado!

Todos sabem o pânico o a profunda desconfiança com que ainda hoje em todo o País se encara a hipótese de o Estado retirar do seu lugar, a título provisório, para uma exposição ou para um restauro qualquer quadro ou objecto do arte.

A recordação de tempos idos que todos confiamos não regressem, ainda não se apagou totalmente da memória do povo, não obstante as inequívocas demonstrações de pessoa de bem que os sucessivos Governos da Revolução Nacional têm prestado.

O Sr. Botelho Moniz: - As vezes . . .

O Orador: - O mal nem sempre se esquece em contraste com o bem que se usufrui, mas vinte e cinco anos de ordem e respeito pelo alheio não podiam também deixar de produzir os seus frutos e ao clima de inseguridade e desconfiança que então só respirava foi sucedendo, ainda que lentamente, aquela, confiança recíproca indispensável à conquista do boas vontades e à devassa construtiva da fazenda de cada um.

Essa confiança, baseada no respeito mútuo, desaparece com o alarme- suscitado pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38906o neste momento já, longe de se facilitarem inventários artísticos, tão úteis ao estudo da arte e ao conhecimento do património da Nação o receio tranca as portas.

For outro lado, o Ministério da Educação Nacional, em defesa das obras de arte leva o seu zelo ao ponto de arrolar o que é do próprio Estado: há dias foram duas cadeiras e uns biombos do Ministério das Finanças, e por este andar não me custa a crer que ainda, venha a ser arrolada, com o intuito de a defender do hipotéticas transacções ou deteriorações, a estátua de Neptuno, que por ser móvel .... está também ao abrigo do decreto.

Risos.

Em contrapartida, os museus do Porto e de Visou não têm directores, o que o mesmo a dizer - estão à deriva; o Museu Machado de Castro, de Coimbra, tem dois guardas para quarenta salas; o de Arte Contemporânea, em Lisboa, diariamente corre o risco de uma