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16 DE DEZEMBRO DE 1952 403

habituados muitos à normalidade de outro tempo, e férteis destarte em alvitres habilidosos mas de fragilidade ... a prazo curto.
Folgo, Sr. Presidente, em ver tão abertamente repelidos os habilidosos alvitres que tentariam dispensar o rigor dos princípios que nos conduziram à regeneração financeira e, sobretudo, folgo em ver confirmada a convicção, em que sempre tenho estado, de ter sido difícil sair do déficit, mas ser muito fácil voltar a ele e, com ele, ao caos donde saímos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É por isso, Sr. Presidente, que me permito dirigir ao Sr. Ministro das Finanças, desta tribuna, especiais cumprimentos pela forma como tem sabido defender intransigentemente os princípios de severidade nos gastos e de rigoroso equilíbrio que figuram na sua proposta de lei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No alargamento das despesas extraordinárias, que constitui a terceira directriz, podemos considerar três origens: despesas impostas pela atmosfera internacional, ou seja pela preparação defensiva contra uma possível agressão vinda do Oriente; despesas destinadas à execução do Plano de Fomento; e, em terceiro lugar, despesas extraordinárias destinadas a melhoramentos públicos não incluídos no Plano de Fomento.
Entre estes figuram as destinadas à campanha contra o analfabetismo e as previstas no novo capítulo VII que se inscreve: política rural.
Desta desejo ocupar-me daqui a momentos. Mas, antes, consinta-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, ainda um apontamento sobre as receitas.
A Lei de Meios em discussão não propõe aumento de impostos.
Também não contém autorizações especiais para contrair empréstimos ou realizar outros recursos destinados à cobertura dessas despesas, e certamente não contou o Sr. Ministro das Finanças para essa cobertura apenas com a severidade dos gastos ou com as somas que por esse meio se poderão obter.
É legítimo por isso perguntar donde virão as receitas para essas coberturas.
A proposta não contém essas autorizações porque, como VV. Ex.ªs podem verificar, constam já dos n.ºs 1.º e 2.º da base n da proposta de fomento.
E parece-me não ser necessário dizer mais nada. VV. Ex.ªs estão suficientemente esclarecidos quanto à matéria das receitas e despesas.
Seja-me por isso permitido tomar mais alguns minutos para me referir ao capítulo VII, que trata da política rural.
Creio que nunca tivemos nem temos ainda o que pode chamar-se uma política rural com um sentido de defesa sistemática da nossa ruralidade e de valorização das suas estruturas económicas o dos seus valores sociais e religiosos.
A ideia valiosa dos melhoramentos rurais é certamente um factor importante dessa política, mas não pode, por si só, constituí-la. Os que não conhecem de perto a nossa vida rural fazem dela, e por isso da política que a pode defender e valorizar, ama ideia incompleta e por vezes inexacta.
Umas vezes a nossa ruralidade é liricamente exaltada no seu folclore variegado ou no engenho das suas artes, outras vezes é pintada com as mais negras cores, pois nela vêem apenas atraso, incultura e boçalidade.
E o pior é que, por motivos diversos, uns e outros trabalham contra uma verdadeira política rural.
Esta supõe entendimento e respeito pelas qualidades ancestrais de vivacidade e finura de sentimentos; supõe entendimento e respeito pela firmeza de carácter e pelo sentido prático da vida, que revela uma cultura moral elevada, que a simples cultura livresca não consegue igualar e por vezes consegue destruir; supõe o reconhecimento duma austeridade que se contenta com uma decente modéstia económica e soube criar na vida portuguesa o tipo inconfundível da pequena propriedade ao serviço de uma grande família; supõe, finalmente, um rendido louvor e por isso uma decidida assistência, à sua inigualada capacidade de trabalho persistente e de heróico sacrifício.
Tudo isto constitui um património nacional que não tem preço (apoiados) e que pode perder-se irremediavelmente - como outros países o perderam, sacrificando-o a um industrialismo agrícola - se não for amparado e defendido por uma política rural sistematizada e consciente dos seus objectivos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De acordo com o parecer da Câmara Corporativa, também suponho que esse património e os seus valores reais não podem ser registados em notações estatísticas nem se compadecem com apressadas generalizações; e por isso não podem entendê-los nem os estranhos, revelando-se apenas aos que souberem auscultar os segredos e o ritmo da própria vida familiar.
Fala-se muito, por exemplo, em nível baixo da sua vida. Mas baixo em relação a quê? Qual o nível-padrão? O que se regista noutros países?
O que resulta da divisão de diversos e falíveis cálculos do rendimento nacional pelo número dos habitantes?
Toda a gente suporá, por exemplo, que o nível de vida obtido por esta forma é altíssimo na América do Norte; que lá não se encontram famílias necessitadas.
No entanto, encontrei há dias numa revista norte-americana, de Fevereiro do corrente ano, um documentado estudo, feito à base das estatísticas, no qual se demonstrava que dos 39 milhões de famílias norte-americanas, mais de 50 por cento auferem rendimentos inferiores ao nível norte-americano de uma família trabalhadora urbana.
Quer isto dizer que uma coisa são os quocientes que se obtêm manobrando com os números globais e outra a realidade que traduz o verdadeiro escalão da vida social.
Pude aprender na aldeia em que nasci um velho adágio que diz: «quem vê o seu povo vê o Mundo todo», e a gente da minha terra repartia-se a si mesma nestes três níveis: ricos, remediados e pobres.
E recordo-me bem que, em criança, minha mãe, como lição para a minha vida, me apresentava várias vezes alguns dos habitantes e me dizia: «aquele é rico, mas nunca lhe chega o que tem; aquele passa por pobre, mas nunca lhe falta nada».
Talvez não seja esta a filosofia dos cálculos estatísticos, mas creio ser a única que traduz a vida real, e dentro dela cabem as exigências da justiça social, que fazem da distribuição equitativa dos rendimentos um dos grandes, senão o maior problema do nosso tempo.
Creio já ter afirmado nesta tribuna, mas apraz-me repeti-lo nesta hora, que considero falso o conceito que afere a civilização de um povo pelo nível dos seus gastos supérfluos, e falso também o nível de vida que faz da riqueza um fim e não um simples meio de alcançar valores mais altos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!