30 DE JANEIRO DE 1953 559
Mas, voltando ao meu toma, o ambiente que temos entre indianos de vários territórios estrangeiros é, afinal, o reconhecimento da atitude fraternal dos Portugueses. Não creio que esse ambiente se tenha modificado, se possa modificar, porque também não creio que possamos algum dia abandonar a nossa tradição gloriosa de fraterno universalismo cristão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro ponto importante que desejo versar é o respeitante às escassas referências da proposta de lei ao regime de indigenato que subsiste nalgumas das nossas províncias de além-mar.
Na primeira impressão fiquei surpreendido. Depois, melhor esclarecido, achei bem, e vejo mesmo no facto a expressão duma tendência para uma unificação política e jurídica que preconizei nesta Assembleia aquando do debate constitucional. Pronunciei-me então em favor da generalização da cidadania a todas as populações portuguesas do nosso ultramar, concomitantemente com a supressão duma condição genérica de indigenato e da própria expressão jurídica «indígena». Afirmei - e conservo-me fiel a essa convicção - que a existência legal de - estatutos especiais para grupos de população que pelo seu grau de civilização ou pelos seus costumes próprios não pudessem enquadrar-se perfeitamente no regime metropolitano de cidadania resolveria as dificuldades emergentes desse condicionalismo próprio, mas sem necessidade de se falar sequer, genericamente, em indígenas e indigenato.
O meu alvitre não foi então adoptado, mas vejo com satisfação que a proposta governamental de lei orgânica, sem deixar de entrar em conta com as particularidades de alguns territórios e populações, toma como fórmula fundamental a da possível unificação, no padrão, que direi civilizado, metropolitano.
Subsistem naturalmente as disposições constitucionais relativas a indígenas, a estatutos especiais, etc., mas é visível que se considera esse regime como sendo de transição, de adaptação passageira. Estabelece-se uma forma especial de representação da população indígena nos conselhos legislativos, reconhece-se a propriedade gentílica, admitem-se, não tribunais indígenas, mas julgados municipais, em que a autoridade administrativa pode ser o juiz, mas a hierarquia, a arquitectura, a disciplina, estão dentro dos moldes do direito civilizado, por maior atenção que em casos numerosos mereça o direito nativo, o costume.
Admitiu-se mesmo - e eu concordo - que as intendências não constituam escalões normais da divisão administrativa, mas funcionem apenas como entidades suplementares, onde os problemas de política indígena exijam especial atenção e vigilância. Por mim, entendo mesmo que não ficava mal consignar expressamente nesta lei que seriam exigidas responsabilidades não apenas disciplinares, mas também criminais, a quaisquer funcionários que violassem os preceitos constitucionais referentes ao trabalho indígena.
Creio na probidade e humanitarismo do nosso funcionalismo ultramarino em geral, mas não é ofender uma corporação consignar penalidades severas a quem, dentro dela, faltar a deveres elementares de ética e de justiça.
O mesmo penso em relação a empresas que violarem estes preceitos no recrutamento e utilização de mão-de-obra.
Considero como de aplaudir de modo especial o artigo 71.º da proposta do Governo. Ele condensa de modo feliz, em síntese lapidar, os objectivos fundamentais da acção ultramarina de Portugal dentro da Constituição e das nossas tradições civilizadoras.
Aplaudindo igualmente de maneira especial os preceitos do artigo 80.º da proposta do Governo tendentes à difusão interna da cultura portuguesa em todo o ultramar e ao estreitamento dos laços espirituais entre este e a metrópole, não posso, porém, deixar de formular a tal respeito alguns reparos. Assim, não sei como se irão efectivar os n.ºs I e II do mesmo artigo, referentes à acção «das Universidades portuguesas e institutos afins» nos estabelecimentos de ensino do ultramar. Porquê uma total omissão de qualquer referência especial à Escola Superior do Ultramar e, no que respeita à investigação científica, à Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar ou a qualquer organização análoga, cuja existência é axiomática em países civilizados com o papel do nosso? Decerto as Universidades e escolas superiores e técnicas de Portugal tem uma função indeclinável na formação e orientação de pessoal especializado do nosso ultramar, e ilusórias são as aspirações dos seus diplomados que por lá julguem poder prescindir do forte laço espiritual que os prende e deverá sempre prender aos estabelecimentos portugueses de ensino que os educaram e diplomaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas é nessa acção formativa e numa irradiação cultural menos directa que estes estabelecimentos influirão no ensino e na investigação nos territórios ultramarinos.
Não possuímos, por exemplo, a tradição inglesa dos colégios universitários, em vigor, por exemplo, nas Universidades negras de Achimota e de Makerere, respectivamente da Costa do Ouro e da Uganda, ou na de Yaba, na Nigéria.
Aliás o que interessa, nos pontos de vista cultural e nacional, não é a criação próxima de escolas superiores em regiões que não possuem ainda massas consideráveis de candidatos à sua frequência útil, nem escóis docentes em proporção bastante.
As bolsas de estudo a que se refere o n.º V do artigo 80.º evitarão a perda de valores, de capacidades. Por outro lado, o progresso e a difusão da cultura no ultramar estarão mais eficazmente assegurados por agora com centros e institutos de cultura e investigação, já previstos na lei que reorganizou a Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar e que até já foram dotados nos orçamentos de Angola e Moçambique do ano de 1952.
Esses centros e institutos congregarão esforços de estudiosos da metrópole e do ultramar, em perfeito espírito de colaboração e sem rivalidades, científica e politicamente inadmissíveis. Repito, Sr. Presidente, o que há pouco disse: uns e outros não são bastantes para a grandiosidade da tarefa que lhes cabe imperativamente. Temos excelentes modelos desses estabelecimentos nos institutos franceses de Dacar e de Madagáscar, nos belgas I. N. E. A. C. e I. R. S. A. C., etc.
Isto não exclui a realização, ainda, de algumas missões com elementos - sendo possível - da metrópole e do ultramar. Por mim não me parece que devam deixai de se levar a termo satisfatório os trabalhos de missões científicas cuja instituição honrou Portugal.
A investigação científica é, em toda a parte, dispendiosa, demorada, pouco espectacular. Entrámos, felizmente, num caminho plausível. Não devemos renunciar, ou cruzar os braços, não raro desperdiçando mesmo os sacrifícios e esforços anteriormente feitos por estudiosos e pela Nação. Eu sei que é triste sestro de muita gente denegrir todo o labor bem intencionado, procurar invejosamente aniquilar toda a iniciativa alheia, as mais cheias de inteligência, de dedicação e de fé. Mas as entidades responsáveis não vêem os problemas com olhos míopes e entendimentos mesquinhos. Tenho fé.
Vozes: - Muito bem!