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5 DE FEVEREIRO DE 1953 575

Quanto a horário de trabalho, bastará referir um exemplo típico:

O trabalho corrente e necessário dos oficiais náuticos para a determinação do ponto do navio e outros serviços de navegação a este conhecimento ligados só é considerado extraordinário na parte que exceda duas horas por dia.

Simplesmente, o imediato que faz o cálculo das estrelas às cinco da manhã e às seis da tarde determina, em certos barcos, que a ele deverão comparecer todos os oficiais, inclusive o que se deitou depois da meia-noite e o que terminou o seu quarto às quatro. Não será revoltante deixar este serviço de ser considerado extraordinário para os que, tendo trabalhado até às horas referidas, vem depois a ser perturbados no seu merecido repouso?

Mesmo quanto ao pessoal inferior, o horário de trabalho não tem sido devidamente respeitado, e alguns capitães não foram suficientemente instruídos sobre a maneira de proceder nas diversas emergências. Em certos barcos alguns tripulantes, em vez de terem acomodações individuais, tem ainda camarotes comuns com beliches de largura pouco convidativa.

A Espanha, que em matéria social nos está dando lições de grande elevação - o que não é muito airoso, porque fomos nós que lhe ensinámos parte do que ela sabe -, tratou há pouco, numa reunião do Ministério do Trabalho, dos assuntos do trabalho marítimo, e a essa reunião assistiram representantes dos armadores e dos sindicatos dos trabalhadores do mar, tendo sido versada a ocupação dos domingos a bordo, horas extraordinárias, despedimento quando o navio amarra ou entra em reparação, etc.

Se aos sindicatos operários fosse dada um pouco do liberdade que lhes permitisse a defesa dos interesses dos profissionais que representam e a sua direcção não estivesse, na maioria dos casos, entregue a comissões administrativas, que não dispõem da confiança dos sindicalizados, poderiam evitar-se muitos abusos de algumas entidades patronais, infiéis aos seus deveres sociais e humanitários.

Ainda há poucas semanas a bordo de um barco de passageiros de longo curso foram impostas condições unilaterais ao comportamento da tripulação, sem qualquer respeito pelo contrato de trabalho existente.

O Sr. João do Amaral: - Pode saber-se qual é o nome do navio?

O Orador: - Não tenho presente.

... Proibição de se aproximarem da amurada, tanto à chegada como à partida do barco, para verem as famílias, sob pena de passagem de bilhete de desembarque;

Proibição, sob idêntica ameaça, de, à chegada, se encontrarem com as famílias, que ansiosamente os aguardam, antes de decorrida uma hora sobre a saída do último passageiro;
Proibição de falarem com as visitas e de nos portos de estacionamento descerem só que seja ao fundo do portaló sem estarem munidos das mesmas autorizações exigidas para uma ida a terra, isto é, das do despenseiro, do encarregado da secção e do oficial de dia.

Para ser assegurada a efectividade dessas medidas vexatórias chegaram a ser colocadas nos corredores cancelas com cadeados, em manifesta transgressão dos regulamentos, e até taipais nas escadas de acesso às baleeiras, com grave perigo para o êxito de possíveis operações de salvamento.

Destas disposições estranhas, visando decerto uma dada finalidade, mas humilhantes, sem qualquer explicação para pessoas honestas, resultou, como é natural, um mal-estar latente entre os tripulantes, troca de opiniões e desabafos e a decisão de quarenta deles anunciarem ao comandante, em atitude aliás ordeira e respeitosa, que, ao chegarem a Lisboa, onde terminava o seu contrato, não desejavam renová-lo. No entanto o serviço e a ordem a bordo não foram afectados. Mas isto não impediu que esses quarenta homens, alguns dos quais com trinta e cinco anos já de serviço na empresa e outros capazes de dar lições de nacionalismo a alguns patrões, fossem enviados à autoridade marítima sob a acusação de conjura - e não sei mesmo se sob suspeita de comunismo -, acusação com que há algum tempo nesta terra pessoas se permitem agravar impunemente a dignidade daqueles que lhes contrariam os caprichos ou não se submetem à sua vontade opressora.

O Sr. Henrique Tenreiro: - V. Ex.ª não tem dúvidas na justiça das autoridades marítimas para averiguarem esse assunto?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Henrique Tenreiro: - É apenas um esclarecimento.

O Orador: - Ainda um outro aspecto de desordem no trabalho marítimo:

As empresas armadoras estrangeiras autorizadas a transportar emigrantes portugueses são obrigadas a embarcar um certo número de criados e pessoal de câmara portugueses para serviço dos mesmos emigrantes. Isto, além dos benefícios directos que acarreta para os passageiros, representa também um modo de dar trabalho a tanta gente inscrita nas capitanias e que não consegue vaga nos navios nacionais. Sucede, porém, que algumas companhias contratam para o serviço da 3.ª classe exclusivamente pessoal português e espanhol (a lei espanhola é, neste aspecto, idêntica à portuguesa), dado que a quase totalidade dos passageiros desta classe são oriundos da Península, mas os criados espanhóis são, às vezes, em número muito superior aos portugueses, não obstante se dar o contrário em relação à nacionalidade dos passageiros transportados.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Isso não deve ser verdade.

O Orador: - Tenho-o como tal.

O Sr. Henrique Tenreiro: - V. Ex.ª averiguou isso na Capitania? Foi ver o rol de matrícula de todos os navios?

O Orador: - E isto acontece porque muitos espanhóis embarcam com matrícula feita no porto de Lisboa, em detrimento dos trabalhadores portugueses.

Se o pessoal de bordo de que as empresas armadoras necessitam fosse fornecido pelos sindicatos, e não pelas capitanias, não seria possível a ocorrência de factos desta natureza, originados no espírito ganancioso de entidades patronais pouco cumpridoras dos seus deveres.

Ao denunciar estas anomalias sociais, apelo para as autoridades a fim de que inscrevam no seu dicionário, ao lado da palavra "comunista", estoutra "comunizante", e a considerem aplicável a todos os detentores de poderio ou de riqueza que negam ao seu próximo a justiça que lhe é devida, a retribuição a que tom direito, o respeito à sua dignidade de homens. A desordem tanto pode vir de baixo como de cima, e a que tem esta última origem costuma ser até bastante mais perigosa do que a outra.

Para quem tem uma formação sólida, tão abomináveis são os crimes do comunismo como os do capitalismo.

Contra uns e contra outros aplique-se o Estatuto do Trabalho Nacional em toda a sua extensão o operem-se