5 DE FEVEREIRO DE 1903 579
Na Tunísia e Marrocos já não tolera manifestações visando a sua expulsão; já não cede a intrigas de palácio; usa enfim de mão forte para com actos de banditismo político ou pessoal.
Os seus enclaves da Índia continuam a viver sob a bandeira tricolor, e os protestos periódicos do Governo Indiano contra a sua permanência ali esbarram com uma firmeza cada vez maior.
Por sua vez, as suas colónias da África Equatorial e as restantes vivem sossegadas.
Enfim, a sua situação de hoje é bem diferente da de há anos.
Mas se é certo que ela, no seu conjunto, perdeu a acuidade primitiva, também é certo que bem maus tem sido os momentos por que aquele país tem passado, e isso devido às agitações, a que atrás se fez referência, originadas no forte desejo de independência que anima uma grande parte dos povos que domina.
d) Quanto à Bélgica, ela não conseguiu igualmente escapar ao movimento geral, e as sérias revoltas das suas tropas do Congo, comandadas por graduados negros que criara, e que não deram assim grandes provas de fidelidade, as greves desencadeadas frequentes vezes por sindicatos de operários brancos e o levedar de aspirações da massa indígena, trabalhada por elementos mais que suspeitos, tudo isso criou um ambiente de insegurança e preocupação que não se afasta muito do que mencionamos acerca de outras colónias.
Eis, nas suas linhas gerais, o panorama da situação interna dos diversos aglomerados coloniais e da sua posição para com as metrópoles que os vêm governando há séculos. Ela pode resumir-se na seguinte síntese :
Tendência acentuada, quer sob uma forma ordeira quer insurreccional, para a independentização a breve trecho nalgumas delas e reivindicações prementes para uma larguíssima autonomia em outras, o que tudo cria um estado agudo de incertezas quanto ao futuro nas respectivas metrópoles.
2) Situação nacional. - Passada esta vista de olhos pela situação da Inglaterra, França, Holanda e Bélgica, vejamos se entre nós. se observam fenómenos semelhantes e se há razão para preocupações idênticas àquelas que constituem uma obsessão para os governos daqueles países.
Porventura as populações - brancas do ultramar já se manifestaram ostensiva ou discretamente a favor da independência dos territórios em que vivem, da sua integração em países vizinhos, ou sequer duma autonomia no género dás que desfrutam estes últimos?
Porventura as nossas populações de cor já tomaram idêntica atitude, ou têm acompanhado as de outros países no seu ódio ao branco?
Não! Nem umas nem outras enveredaram por tal caminho, pois não há notícia de manifestações claras ou clandestinas tendentes a conseguir qualquer daqueles dois objectivos, e não há conhecimento de ataques ou represálias para com homens de raça diferente da sua.
A vida decorre normalmente como antes da guerra e, duma maneira geral, a influência do que se passou ou vem passando em territórios vizinhos tem sido nula. Não deixaria de ter interesses explicar as razões de tal contraste, mas o assunto é tão complexo e levaria tanto tempo a expor que não me abalanço a tal. Basta, pois, constatar o facto.
Macau, em que 98 por cento da sua população é chinesa e da qual uma parte alimenta simpatias pelo partido nacionalista e outra pelo comunista; Macau, em que vivem apenas 4000 macaístas portugueses, apesar da vizinhança perigosa que tem tido, quer sob o domínio nacionalista quer comunista, oferece um exemplo de
sossego impressionante, mesmo no que respeita às duas facções contrárias vivendo sob a nossa bandeira.
Por isso, nunca ali houve um levantamento por parte de ninguém -macaístas ou chineses- tendente quer à independência quer à integração no colosso vizinho; não há a animosidade contra o branco que se observa em Hong-Kong, e a pequena cidade do Santo Nome de Deus é, como todos têm verificado, um oásis na paisagem convulsionada do Extremo Oriente.
Em Timor, o indígena, apesar de viver paredes meias com o indonésio, que se libertou do jugo holandês, e de verificar ali a substituição integral das autoridades brancas por outras de homens da sua raça, o que poderia ser um incentivo a imitá-lo; que se sente objecto das tentativas de captação de tais vizinhos, que o desejam integrar no seu império, desejo esse já exteriorizado em declarações públicas dos seus homens de governo; o indígena, digo, continua a fazer a sua vida normal, obedecendo sem relutância às nossas autoridades, e sem pensamentos ou atitudes que contendam com a nossa soberania, não se tendo deixado contagiar pelo exemplo vizinho.
Com a Guiné, tão próxima da Nigéria, Serra Leoa e Costa do Ouro, dá-se outro tanto, e ninguém pensa em apresentar reivindicações no género daquelas a que atrás nos referimos.
Em S. Tomé os serviçais das suas roças, cujo regime de vida tem sido alvo de críticas tão injustas, nunca esboçaram um levantamento em massa contra o branco pseudo-escravizador, nem sequer praticaram casos de agressão individual, nesses meios em que um único branco por vezes regula o trabalho e a vida de muitas centenas de pretos.
Cabo Verde, que tem uma população cujo nível mental médio é o da metrópole; que dispõe de élites que nos cargos mais diversos ombreiam com os seus pares metropolitanos; Cabo Verde, cuja população poderia, pois, enfileirar no número daqueles povos que se julgam com direito à independência, ou, pelo menos, a grande latitude no capítulo da sua administração; Cabo Verde, digo, nunca manifestou tais pretensões e, pela boca do seu Deputado, pede até a sua integração no regime administrativo metropolitano.
Moçambique, por sua vez, vivendo paredes-meias com a África do Sul, em que as populações brancas orientam um movimento no sentido de conseguirem a real independência que já focámos e em que as de cor se agitam contra distinções raciais; Moçambique, vizinha ainda dos territórios das Rodésias e Tanganica, que se encontram a braços com reivindicações visando a posse da situação de domínio a que também já nos referimos; Moçambique, digo. permanece estranha à influência de tais factores, e nem a sua população branca tem exteriorizado desejos de conseguir as regalias desses e doutros, nem as suas massas negras manifestam alteração dos seus sentimentos de respeito e simpatia pelo branco. E outro tanto se poderia dizer de Angola, vizinha das ditas Rodésias, do Sudoeste Africano, que se encontra sob mandato da União Sul-Africana, e do Congo Belga.
Assim, em nenhuma dessas parcelas do ultramar houve fosse o que fosse que representasse uma imitação do que se vem passando em territórios limítrofes ou afastados.
É natural que Angola e Moçambique, principalmente, venham a sentir-se satisfeitas se um dia for dada maior amplitude de atribuições à sua administração, mas tal problema não chegou ainda a ser posto pelas suas populações com carácter imperativo, certamente por se reconhecer que com a situação actual o seu desenvolvimento e progresso em pouco ou nada é prejudicado.
Unia única excepção ao que se acaba de focar houve no conjunto do ultramar português, e essa sem repercussões de gravidade. Quero referir-me à nossa índia.