582 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
Vejamos qual a mecânica actual de certas facetas da administração local que se prendem com o assunto e comparemo-la com a que resultará da aprovação da proposta.
Hoje, naquilo que a lei não estabelece taxativamente ser da competência desta Assembleia ou do Governo Central, é o governador de cada província quem administra, e isso quer de per si, quer assistido por dois órgãos locais, conforme os casos.
No exercício da sua função legislativa é obrigado a ouvir o Conselho de Governo e em certos assuntos dos abrangidos pela sua função executiva a secção permanente do mesmo. E embora um e outro daqueles dois órgãos tenham, como diz a Carta Orgânica, apenas funções consultivas, o certo é que o governador não pode tomar qualquer resolução contra o voto do primeiro: quando dele discorde, só lhe resta o recurso de submeter o assunto à decisão ministerial.
Fixemos bem estes dois pontos capitais do que existe hoje: obrigatoriedade por parte do governador de ouvir o Conselho de Governo e impossibilidade de agir contra o seu voto.
Quanto à composição actual de tal Conselho de Governo, nas duas províncias de governo-geral, Angola e Moçambique - não tratemos das outras para simplicidade de exposição -, ela consta de vogais natos recrutados de entre chefes de serviços, de outros escolhidos pelo governador e ainda de outros eleitos pelas associações económicas e organismos corporativos.
Como estes eleitos são em número inferior à soma dos natos e dos nomeados pelo governador - para a Índia cinco em doze e para Angola e Moçambique cinco em treze -, daí resulta que os conflitos entre governadores e tais conselhos são raros, pois o sentimento de responsabilidade que caracteriza os elementos mais categorizados da Administração, e até certos representantes das associações, faz com que sejam inviáveis dispautérios que umas vezes por outras possam surgir em tais órgãos. Isto é, como dissemos, o que vigora hoje em dia.
Pois bem: a, ser aprovada a proposta em discussão, a posição legal do governador, quer no campo legislativo, quer no executivo, não será fortalecida em detrimento dos conselhos legislativo e de governo, e ela virá a ser a mesma de agora, pois ele será também obrigado a ouvir aqueles dois órgãos, correspondentes aos actuais conselhos de governo e secção permanente, o não poderá tomar qualquer resolução contra o seu voto, pois isso pertencerá ao Ministro.
Mas - e é aqui que há uma mudança radical, toda a favor da população local-, o dito conselho, pela sua composição, passa a ter uma feição inteiramente diferente da actual. É que doravante todos os seus vogais passarão a ser eleitos pela população.
Assim, o Governo pretende dar uma amplíssima representação aos interesses locais, a qual vai até ao extremo de compor o órgão mais representativo da Administração, no aspecto legislativo, só com elementos escolhidos pela população.
Comparando isto que se dá com aquilo que na Índia se pediu quando foi ouvida, e que se limitava a uma simples maioria de vogais eleitos, é-se obrigado a concordar que nestes dois aspectos - serviços burocráticos e composição do Conselho Legislativo - a Índia não tem razão. Os seus filhos terão o domínio absoluto de um e outro. Mas pode-se alegar que certas atribuições que presentemente são dos governadores ou dos seus conselhos passarão para o Poder Central, restringindo-se assim a competência da administração local.
É isso certo no que se refere a algumas delas, mas tal é imposto pela necessidade de coordenação militar, económica e administrativa entre as várias parcelas da Nação, como nos casos da defesa, da montagem de indústrias e da ampliação a certos serviços ultramarinos do critério da integração nos metropolitanos, e isso em continuação da experiência já em curso em certos departamentos. Nisso não se poderá transigir. Em compensação, há, porém, certos aspectos importantes de governo em que a administração local passa a ter maior liberdade de movimentos, como, por exemplo, na confecção dos orçamentos, em que doravante o Ministro se limitará a verificar as condições de equilíbrio e a definir a orientação a seguir para o cálculo das receitas ou a fixação das despesas em vista dos planos de obras ou de fomento e das providências legislativas da sua competência; como no caso da possibilidade de o Ministro dar delegação permanente aos governos locais para regularem tudo quanto respeite aos quadros dos serviços, etc.
Quanto fica dito, e que se pode traduzir na síntese do exclusivismo da composição dos conselhos legislativos por vogais eleitos e da manutenção mais ou menos aproximada das suas atribuições actuais, permite-nos concluir que a afirmação do Deputado da Índia Monsenhor Castilho de que aquele Estado não ficará contente não deixa de causar certa estranheza, porquanto num aspecto, e é o principal, o Governo vai além do que ali se pedia e, no outro, mantém-se mais ou menos a situação actual.
Se a Índia realmente não ficar contente com a iniciativa governamental, ela não terá razão, tanto mais que tal iniciativa, no capítulo da composição dos conselhos, teve contra si o voto unânime dos vogais da Comissão do Ultramar, que nela discutiram o assunto, e que na própria Câmara Corporativa, apesar de o parecer a tal não se referir, a aprovação dada à medida em causa o foi com sérias apreensões por parte da quase totalidade dos seus signatários - o próprio Sr. Cónego Castilho declarou durante a discussão não lhe repugnar o princípio actual da composição mista, desde que os vogais eleitos fossem em maioria.
Por mim, apesar da orientação que sempre tenho defendido - o da intervenção obrigatória dos órgãos locais nas questões fundamentais da administração -, confesso que não deixou de me impressionar aquela unanimidade e os argumentos aduzidos pelos meus colegas que se pronunciaram contra a medida.
Até agora - e já lá vai mais de um século, alegam - os conselhos de governo, compostos principalmente por elementos da Administração, não têm provado mal como órgãos de consulta dos governadores.
Os seus vogais oficiais, dotados duma forte preparação administrativa, conhecedores dos diversos problemas locais e sem necessidade de cultivarem clientelas eleitorais, têm cumprido com seriedade a função de conselheiros dos seus governadores.
Os representantes dos interesses locais, eleitos pela população, sendo em número sempre inferior ao dos outros e sentindo-se enquadrados naquele grupo de técnicos, cuja mentalidade e formação profissional é tudo quanto há de mais contrário, a improvisações, automaticamente e na generalidade dos casos, vem dando igualmente uma colaboração isenta de complicações. Um ou outro que por vezes pretenda assumir atitudes de obstrucionismo sente-se a breve trecho numa situação falsa, e não tarda a arrepiar caminho.
Desaparecido agora o elemento moderador de tais conselhos, e constituídos eles só por políticos, mais ou menos improvisados, que conseguiram obter o sufrágio duma massa eleitoral que nem sequer tem a valorizá-la a consciência profissional das associações económicas, culturais ou corporativas que poderiam ser chamadas a fazer a eleição, o que virá a suceder ? É uma interrogação para que não há uma fácil resposta, e oxalá o