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5 DE FEVEREIRO DE 1953 577

O Sr. Teófilo Duarte: - As primeiras perguntas que ocorre formular, ao apreciarmos a proposta governamental, são as seguintes:
Porque é que nos é apresentada? Que fins especiais visa ela? Justifica-se porventura agora a alteração do regime político-administrativo que tem regulado a nossa administração ultramarina nas ultimas dezenas de anos? Pois se em todo o nosso ultramar se observa, como aqui se tem afirmado e é exacto, o sossego mais absoluto, sem reivindicações das populações brancas ou de cor, exteriorizadas em fortes movimentos de opinião; se o progresso é palpável, quer no aspecto material quer moral; se é impressionante o contraste entre essa nossa situação e a que se nota em quase todas as colónias dos outros países, convulsionadas por revoltas militares, actos de banditismo ou manifestações de separatismo político; se essa acalmia, enfim, de que gozamos é fruto dum temperamento excepcional de colonizadores e de uma boa legislação reguladora das relações entre a metrópole e o ultramar, porque vamos alterar esta num momento em que não há fundadas reclamações que tal justifiquem?

Tanto para responder a estas perguntas como para cumprir a disposição regimental que nos obriga, na discussão na generalidade, a apreciar a oportunidade dos projectos, começaremos por examinar o que se passa neste momento no mundo colonial, gerador dum ambiente em que nos movimentamos, e em especial naquele que nos pertence.

Serei porventura longo nas considerações que vou fazer, mas a importância da proposta é tal que eu não hesito em classificá-la como uma das de maior transcendência para o futuro da Nação.

Muitos de VV. Ex. tomarão isto talvez como um exagero, mas se pensarem que é em tal proposta que se estabelecem e regulam as relações políticas e económicas entre a metrópole e o ultramar; que é da forma como decorrem tais relações que resulta o bom ou mau entendimento entre as duas partes; que é desse entendimento ou do desacordo que podem ou não derivar animadversões, azedumes e até conflitos que contendam com a nossa soberania; que é da robustez ou da fragilidade dos laços que se criam entre esta pequena faixa atlântica e os territórios dispersos pelas três partes do Mundo que pode resultar ou não a desagregação da obra que vem de há quatrocentos anos; se VV. Ex.ªs considerarem tudo isto, tendo em mente o que sucedeu com o Brasil há pouco mais de um século, certamente não encontrarão .qualquer excesso nas frases atrás mencionadas.

A lei orgânica do ultramar, diploma fundamental da nossa política ultramarina, política essa de que depende quase exclusivamente a nossa valorização internacional, é por isso um diploma que julgo de transcendente alcance.
Entremos pois no assunto, começando por examinar o panorama colonial no que respeita aos outros países.

1) Situação estrangeira.-A posição interna e externa dos povos conhecidos como colonizadores e possuidores de vastos impérios sofreu depois da última guerra um grande abalo, traduzido em restrições de soberania, na desorganização da sua economia, em preocupações, enfim, de toda a ordem.

Tal estado de coisas tem as causas mais diversas.

Umas vezes ele é consequência duma larga evolução operada no seio de populações etnicamente afins dos colonizadores, que atingiram a maioridade e que uma política sut generis desenvolvida pelas metrópoles conduz conscientemente ao estado de independência, ou pouco menos.

É o caso do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia e da África do Sul, países estes habitados, ou quase, exclusivamente por brancos ou por fortes núcleos dos
mesmos, e que, tendo atingido um elevado potencial económico, um certo nível cultural e prestado relevantes serviços ao país de origem, reivindicam agora uma maior liberdade de movimentos do que aquela de que já desfrutavam.

Tal aspiração, representativa de mais um passo a darem no caminho que vem sendo percorrido há anos, é considerada por todos como perfeitamente natural. A independência absoluta de qualquer desses países é uma eventualidade lógica, fatal, a dar-se mais dia menos dia, que não surpreenderá ninguém, nem mesmo quem ela mais afectará: a Inglaterra. É o que se poderá chamar, com maior ou menor propriedade, o termo duma evolução constitucional, ordeira, acordada, digamos, entre as partes interessadas, nas quais não há ódios de raças nem de conceitos.

Outras vezes, porém, os principais protagonistas do drama são povos de raça diferente da dos colonizadores, possuindo uma civilização que se perde na noite dos tempos o com características bem vincadas, povos que esses colonizadores nunca quiseram ou puderam assimilar, e os quais, tendo aproveitado do dominador, a quem odeiam, principalmente os seus ensinamentos no campo do progresso material, procuram libertar-se, com violência maior ou menor, do justiça político e económico em que viveram durante séculos. É o que sucede com a Indonésia, com a Indochina, com a índia. Nestes casos o conflito desencadeado termina por um compromisso mais ou menos equívoco, mais ou menos sincero, ou então pela força das armas.

Há ainda, e finalmente, o dos povos de cor, vivendo num estado de grande atraso material e moral, cujas massas bárbaras e ignaras, espicaçadas por meneurs sem escrúpulos, pretendem imitar o movimento generalizado a tantas regiões.
Falhos de organização e de sentimento colectivo, os seus movimentos concretizam-se principalmente em actos desordenados e criminosos, quer individuais, quer de pequenos grupos, em que se perdem vidas e se destroem riquezas.

Como exemplo desta modalidade temos o que se passa em certas regiões do Quénia e da Malásia.
Todo este movimento efervescente do mundo colonial encontrou incentivo e, mais do que isso, apoio e ajuda nos areópagos internacionais, que se desenvolveram extraordinariamente depois da guerra e nos quais têm uma forte posição países há pouco saídos da condição de colonizados e que por isso olham com simpatia as tentativas daqueles que consideram ainda jugulados por uma tirania de que eles conseguiram iibertar-se.

A recordação desse seu passado, aliada a conceitos dum humanitarismo de exportação bastante nebuloso, equívoco e inadequado às realidades coloniais, ditou a esses países um procedimento e uma atitude que foram bem aproveitados e explorados pelos pseudo-escravizados.

O desenvolvimento, porém, que nos últimos tempos têm tido tais movimentos de libertação desfez muitas ilusões, e o sentimento prático e realista que caracteriza alguns desses países já lhes fez perceber que era errado o caminho que iam trilhando, e, por isso, procura-se agora fazer contravapor.

Há, porém, casos que já não têm remédio, como o da Indonésia, e outros que não se sabe se ainda o poderão vir a ter, como os da Indochina, Tunísia, etc. Semearam-se ventos; há que colher agora as tempestades.

Por sua vez, a Rússia, que joga habilmente com todos estes dados, quer nas mesas das conferências internacionais, em que explora o sentimento anticolonial atrás referido, que enfraquece e diminui a posição da Europa, presa que ela pretende devorar, quer nos bas-fonds das