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24 DE FEVEREIRO DE 1953 690-(3)

Poucos Procuradores exerceram nesta Câmara uma acção tão notável como o Dr. Fezas Vital.

Não nos surpreende o facto, se tivermos em atenção, por um lado, a situação que na orgânica da Câmara lhe foi destinaria e, por outro lado, as suas qualidades e dotes pessoais.

O posto que logo de início lhe foi confiado chamava-o a intervir constantemente na apreciação dos mais importantes assuntos da pública administração, para os quais era solicitada a atenção da Câmara.

Quanto aos seus dotes pessoais, todos sabemos que ele os possuía em termos de poder desempenhar-se com brilho e proficiência da alta missão que lhe fora confiada.

Os seus predicados de inteligência, a sua vasta cultura jurídica e a sua dedicação pelo cargo tudo eram qualidades predispostas a garantir-lhe uma acção predominante na actividade desta Câmara.

Conhecia de há muitos anos esses predicados, pois conheci o Dr. Fezas Vital desde a sua e da minha juventude.

Fomos contemporâneos em Coimbra. Era eu quartanista de Direito quando ele se matriculou no 1.º ano do curso jurídico. A breve trecho os estudantes do seu tempo o assinalavam como um dos mais brilhantes espíritos e um dos maiores valores da sua geração académica.

Chegara o Dr. Fezas Vital ao 5.º ano de Direito, e, por qualquer motivo que agora não interessa precisar, assumiu acidentalmente a regência da cadeira de Direito Internacional Privado o Dr. Guilherme Moreira, em substituição do titular da cadeira, Dr. Machado Vilela, que a Câmara bem conhece, pois a ela pertenceu e deixou a sua efémera passagem assinalada por trabalhos de alto merecimento. Um dos assuntos então considerados dos mais delicados, dentro do programa da cadeira, e que constituía como que objecto obrigatório de lição dos alunos mais classificados do 5.º ano era o problema dos conflitos de leis, problema em relação com a qual se debatia então acaloradamente a célebre teoria da devolução. Quis naturalmente o Dr. Guilherme Moreira ouvir sobre o assunto o estudante Fezas Vital.

No dia aprazado Fezas Vital deu a sua lição, preenchendo todo o tempo da aula com a sua exposição bem ordenada e clara. No fim, o Dr. Guilherme Moreira, que não era pródigo em elogios, disse, na presença do curso, ao aluno, que ouviu com toda a atenção: "O Sr. Fezas Vital acaba, não direi de dar uma lição sobre o problema dos conflitos de leis, mas de fazer sobre o assunto uma prelecção que honraria qualquer professor". Não sei de louvor mais expressivo que um professor possa dirigir a um aluno.

Estava consagrado o estudante Fezas Vital como futuro candidato ao professorado universitário.

Mas nessa ocasião, precisamente no ano em que Fezas Vital acabava o seu curso, proclamava-se a República em Portuga], seguindo-se as naturais perturbações políticas que acompanham as mudanças de regime quando elas se operam por meio de revolução armada. Desencadearam-se as paixões, dominava grande irredutibilidade entre os adversários políticos, partidários do novo regime e do regime deposto. Fezas Vital, adepto convicto do regime vencido, não podia respirar neste ambiente. Tomou espontaneamente o caminho do exílio, sacrificando assim de um golpe aos seus ideais políticos as suais mais caras aspirações - o ingresso na Universidade. É esta, para mim a primeira grande revelação da firmeza e nobreza de carácter do Dr. Fezas Vital.

Ninguém podia então saber o rumo que os acontecimentos tomariam. Tudo levava até a crer que durante muito tempo se manteria a atmosfera de irredutibilidade entre adversários políticos, que necessariamente vedaria aos inimigos do novo regime o acesso a certos postos mais elevados. A renúncia de Fezas Vital era, pois, definitiva.

Os acontecimentos, porém, evolucionaram, felizmente, de forma diferente daquela que seria de prever.

Com o decorrer dos anos acalmaram-se as paixões; o ambiente tornou-se menos tenso, e deve até dizer-se que a jovem República deu nessa ocasião um exemplo de grande tolerância.

Com esta mudança das circunstâncias políticas renasceram no espírito do Dr. Fezas Vital as suas antigas esperanças, sorrindo-lhe novamente a possibilidade de realizar a sua antiga aspiração de ascender ao magistério da Universidade de Coimbra. E assim começou logo a cuidar da sua preparação para as provas académicas, a prestar.

Iniciou essa preparação ainda no exílio, instalado numa pequena aldeia da Galiza, fronteira a Caminha, sua terra natural, onde o cuidado dos amigos fazia chegar os numerosos livros que lhe eram necessários.

E depois da amnistia de 1914 Fezas Vital pôde felizmente regressar à sua pátria. Prestada a prova de doutoramento, apresentou-se pouco tempo depois ao concurso para assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Concorreu então juntamente com João Maria Telo de Magalhães Colaço, estudante laureado de um curso posterior ao seu, mas que por virtude do atraso sofrido por Fezas Vital no exílio se apresentava com ele ao mesmo concurso.

Prestaram juntos as suas provas e houveram-se com igual brilho. E assim, pelo mesmo concurso, a Universidade enriquecia os seus quadros com dois dos mais valiosos elementos do seu corpo docente.

A Magalhães Colaço arrebatou-o há já longos anos a morte, na plena pujança do seu talento.

Seria agora descabido registar miùdamente o que foi a carreira de Fezas Vital na Universidade de Coimbra e na de Lisboa, onde desde há cerca de vinte anos se encontrava em comissão de serviço. Se evoco alguma coisa do seu passado universitário, faço-o apenas na medida em que isso pode interessar ao exame da sua obra nesta Câmara.

O Dr. Fezas Vital concorrera ao grupo de Ciências Políticas e Administrativas, sector da ciência jurídica pelo qual sempre mostrara decidida predilecção.

Depois do seu concurso, foi-lhe confiada na Faculdade de Direito de Coimbra a regência da cadeira de Direito Político e Constitucional, e na regência dessa cadeira se conservou na Faculdade de Direito de Lisboa.

Deste modo, e sobretudo se tivermos em atenção o objecto dos vários projectos e propostas de lei sobre que a Câmara Corporativa foi chamada a emitir parecer, logo nos primeiros anos do seu funcionamento, reconheceremos facilmente que o Dr. Fezas Vital estava especialmente apetrechado para orientar a Câmara, devendo naturalmente conquistar no seu seio uma posição proeminente.

Foi o relator de grande número de pareceres, e pode reivindicar inteiramente para si a glória desses trabalhos, dadas as condições em que foram produzidos.

Com efeito, é bem sabido por todos os que trabalham nesta Casa que, em regra, é o relator que toma sobre si o encargo de examinar e estudar a matéria dos projectos e propostas submetidos à apreciação da Câmara. É, portanto, o relator quem fundamentalmente esclarece e orienta a Câmara sobre o assunto destes, versando a discussão, no seio das secções convocadas, sobre o projecto de parecer elaborado pelo relator.

Ora foi este o sistema de trabalho regularmente adoptado nos casos em que o Dr. Fezas Vital era relator. Se quanto a alguns dos projectos ou propostas foram chamadas a pronunciar-se outras secções, além daquela