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690-(8) DIÁRIOS DAS SESSÕES N.º 205

que se escreve. Para se escrever é, em regra, necessário pensar; e para se falar não é rigorosamente indispensável. Scripta manent: nisso reside s nossa garantia - e também a nossa dificuldade. Vicente Ferreira - inolvidável amigo! - foi, nesta Casa, um dos homens que pensaram bem - e que escreveram melhor. Antes de vir falar-lhes dele passei pêlos olhos os seus pareceres modelares. O que acima de tudo me impressionou foi a variedade dos assuntos versados. Agora (1935), relata a proposta de lei da "Reconstituição económica"; logo (1936), a louvável iniciativa do Governo sobre o "Regime de importação e destilação de petróleos brutos e seus derivados", primeiro diploma em que se esboçou a "política portuguesa da energia". Ao seu exaustivo relatório acerca do "Plano de Estudos e Obras de Hidráulica Agrícola" {1938) sucede outro, não menos notável, sobre o "Plano de Fomento da colónia de Angola" (1938). Com a mesma segurança com que se ocupa da "Navegação para as colónias" (1939) e do problema político-social das "Casas de renda económica" (1944), traça, a dois passos da morte, com mão trémula mas com firme critério, o parecer relativo aos "Impostos sobre excessos de cotação de alguns produtos ultramarinos exportados" (1953). Dominar, na mesma extensão e profundidade, tão diferentes problemas de governo - às vezes com nota de urgência e sempre em condições precárias de tempo - só poderia fazer quem, como Vicente Ferreira, possuísse a preparação de um homem de Estado. A série dos seus pareceres e a bibliografia que deixou - obras sobre engenharia, comunicações, economia geral, política monetária, fomento ultramarino - constitui documento de uma sólida formação e de uma mentalidade forte e original. Não a mentalidade dialéctica do jurista; nem a mentalidade dogmática do teólogo; nem a mentalidade digressiva e circular do diplomata; nem a mentalidade pragmática do economista e do homem de negócios - mas a mentalidade própria do matemático, simples, clara, lógica, precisa, rectilínea, exacta. Há quem entenda que na época em que vivemos, saturada de tecnicismo, de geometrismo, de simbolismo, a "atitude matemática", quer dizer, o espírito matemático e os seus métodos, é a que melhor se ajusta à expressão do pensamento político. O facto, aliás, não é novo. O matematismo informava já, há vinte e quatro séculos, a vida mental grega; e desde a Renascença que o pensamento moderno tende para uma concepção matemática da ciência universal, sem excepção das ciências da vida - morais, políticas e sociais. Hoje, cada vez mais, governar é prever, saber é medir, raciocinar é calcular. O engenheiro Vicente Ferreira representou, na literatura política do nosso tempo e, em especial, nesta Câmara, esse espírito matemático, apriorista, analítico, dedutivo e eminentemente lógico que, com incomparável nitidez, define, precisa, esclarece, conclui, demonstra as proposições e resolve os problemas.

Eis, Sr. Presidente e Dignos Procuradores, em rápido conspecto, a imagem - como eu a vi - do homem ilustre de que me foi dado falar-lhes. Vicente Ferreira bem mereceu da Nação pêlos seus serviços como professor, como estadista, como patriota, liem mereceu desta Câmara pela competência, pela dedicação, pelo zelo com que a serviu nas funções de vice-presidente, de membro do Conselho da Presidência, de assessor, de relator. Homem modesto e simples, sentiu-se bem no ambiente de silêncio e de obscuridade em que se trabalha nesta Casa. Liberal convicto, houve uma só liberdade que ele reivindicou sempre, intransigentemente, durante toda a sua vida pública: a liberdade de cumprir o seu dever. Não foi buscar às cadeiras do Poder nem nome, nem riqueza, nem situação pessoal. Fez-se exclusivamente pela sua inteligência e pelo seu esforço: o que foi deveu-o apenas a si próprio; e na hora em que se votou à política tudo generosamente lhe deu - e nada lhe pediu. Mais ainda do que a lição política da sua obra, Vicente Ferreira deixou-nos a lição moral da sua vida. A melhor das heranças é o exemplo. Aproveitando o ensejo para me associar também ao pesar da Assembleia Nacional pelo falecimento de um dos seus preclaros membros - o nobre Deputado Linhares de Lima, cidadão exemplar, modelo das mais altas virtudes cívicas e políticas -, curvo-me, respeitoso, perante a memória de dois grandes servidores que a Nação perdeu - e de dois amigos que eu próprio perdi.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: -Ouviram VV. Ex.ªs as orações que acabam de ser proferidas, em que foram evocadas as duas figuras cuja comemoração nos reúne hoje aqui.

Ficou tudo dito; e ninguém poderia dizei-lo melhor.

Um e outro dos nobres oradores da sessão têm títulos de sobra para falar da Câmara Corporativa, das suas memórias e das suas glórias.

Ambos fazem parte daquele grupo inicial que fez o prestígio desta Câmara desde a primeira hora, tal como - recordou-o há momentos o Digno Procurador Júlio Dantas - sucedia com Fezas Vital e com Vicente Ferreira. O Digno Procurador José Gabriel Pinto Coelho, depois de ter relatado alguns dos mais, árduos pareceres até hoje aqui discutidos, exerceu com inexcedível a intuição a Presidência desta Câmara, sucedendo a Fezas Vital, de quem foi colega na Universidade, companheiro de secção na Câmara e amigo de toda a vida. Do Digno Procurador Júlio Dantas - que dizer senão que nos dezoito anos de existência desta Câmara não se encontrou nunca ninguém mais pronto para trabalhar, mais disposto para colaborar, mais dedicado a tudo quanto interessasse à dignidade e ao renome dela?

Os Procuradores Júlio Dantas e Pinto Coelho pertencem, pois, àquele escol que nada veio buscar a Câmara e que soube dar-lhe, com o prestígio dos seus nomes, com o fulgor das suas inteligências e com o afinco das suas dedicações, a sagração definitiva como instituição fundamental do Estado Novo.

Ninguém melhor do que os dois Dignos Procuradores podia, pois, exprimir o sentimento da Câmara relativamente a outras duas figuras cujos nomes ficarão inscritos entre as mais legítimas glórias desta Casa.

Domingos Fezas Vital e António Vicente Ferreira foram do número daqueles que em l935 deram forma a concepção constitucional da Câmara Corporativa, traçando os rumos e definindo os processos que por ela haviam de ser seguidos.

Todos quantos acompanhámos os primeiros passos, necessariamente incertos, da nova instituição recordamos certa inevitável perplexidade da maior parte dos Procuradores, nos quais a enorme boa vontade e uma iluminada esperança não podiam suprir a falta de experiência.

Reuniam-se aqui homens das mais diversas proveniências sociais e até ideológicas. Antigos parlamentares da Monarquia e da República emparceiravam com operários, professores, empresários e técnicos que pela primeira vez cruzavam os umbrais de S. Bento. E todos eram chamados a colaborar na realização de uma nova forma de Estado à luz de uma doutrina nova também, a doutrina corporativa, acolhida com firme confiança por todos, mas cuja prática era para todos uma experiência a tentar.

Duas concepções se defrontavam entre as personalidades mais representativas da nova Câmara: a que atribuía a esta um papel predominantemente técnico, vendo