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24 DE FEVEREIRO DE 1953 690-(9)

nas suas secções o substitutivo das antigas comissões parlamentares, mas com a nova função de esclarecerem os políticos sobre os aspectos que a preparação profissional e a actividade especializada dos Procuradores lhes permitiria analisar com especial competência; e a que queria ver na Câmara desde logo, talvez impacientemente, um órgão dotado também de uma função política, a de no seu seio se caldearem as corporações, a de estabelecer relações constantes das corporações entre si e com a administração pública, a de representar a Nação organicamente estruturada perante os restantes órgãos do Estado e que assim fazia da Câmara Corporativa um elemento activo, e não apenas acessório, da transformação social que se pretendia levar a cabo.

Estas duas concepções chocaram-se logo na comissão eleita para elaborar o Regimento interno da Câmara e a que presidia Vicente Ferreira. Lembro-me da perfeita imparcialidade e isenção com que procedeu o presidente da comissão, que reconhecia provir de outro tempos e de outros climas ideológicos, mas que abriu o seu espírito, com a largueza e a compreensão dos homens superiormente inteligentes, ao debate que ali se travou. Venceu uma orientação mais próxima da técnica do que da política e assim se optou por um trabalho quanto possível feito em pequenas secções isoladas, propício a evitar os debates de opiniões e os choques de interesses, convertendo a Câmara num favo laborioso em que cada célula tivesse vida e conteúdo distintos dos das restantes.

Foi segundo esta orientação que a Fezas Vital coube redigir o primeiro parecer emitido pela Câmara. Quando outras razões não houvesse para ligar o nome de Fezas Vital à história da nossa instituição para sempre, esta bastaria para fazê-los foi ele o autor do primeiro parecer da Câmara. Versando sobre as modificações propostas pelo Governo à Constituição, subscrevem-no apenas os três Procuradores da 18.ª secção. Fora pedido, com urgência, pela Assembleia Nacional, que concedera dez dias para a sua elaboração. Felizmente, Fezas Vital colaborara na redacção da proposta e pôde, com facilidade, cumprir o difícil encargos em 2 de Fevereiro de 1935 estava pronto o parecer e iniciava-se com ele a produção da Câmara.

Era o primeiro de uma série que o digno Procurador Pinto Coelho hoje aqui recordou e em que Fezas Vital se ilustrou como relator, revelando-se em todos eles o jurisconsulto escrupuloso, o técnico exigente e o político de firme orientação que sempre foi. O seu espírito de análise comprazia-se em procurar, esmiuçar e resolver dificuldades, não se contentando rum as primeiras impressões ou com as primeiras soluções, que submetia, por sistema, a um demorado e por vezes torturado exame.

Mas no que não hesitava era no rumo político: tendo dado o seu apoio ao Estado Novo. trabalhara na revisão do projecto da Constituição de 1933, como na redacção de algumas das propostas de revisão constitucional, não apenas como jurisperito, mas como verdadeiro crente nas virtudes da solução dada pela nova ordem aos problemas do momento.

São suas as seguintes palavras, escritas no parecer que relatou acerca da proposta de lei de revisão constitucional de 1945 e que tem a data de 10 de Junho desse ano: "O Governo . . . não descobriu na crise que o Mundo atravessa razões para uma mudança sensível de posição ideológica ou institucional, e, porventura, antes nela encontrou motivos para permanecer fiel aos grandes princípios que nortearam o legislador constituinte de 1933. E se assim é, crê a Câmara Corporativa estar o Governo na verdade política e social".

Não era efectivamente o Dr. Fezas Vital homem que não procurasse a verdade para a amar e a servir.

E, durante os primeiros onze anos da existência, desta Câmara, Fezas Vital relatou muitos pareceres em que pode dizer-se que foi a voz mais autorizada para exprimir o pensamento político que a informo, defendendo os princípios do que chamou a "verdade política e social" de l933.

Mas não é apenas ao relator de alguns dos mais notáveis pareceres da sua já hoje volumosa colecção que é devida a homenagem da gratidão desta Câmara: 2.º vice-presidente na sessão legislativa de 1935-1936. 1.º vice-presidente. sucessivamente, nas sessões legislativas de 1936 e 1943, Fezas Vital foi nesse período o principal conselheiro do saudoso presidente Eduardo Marques, que o ouvia em todas as dificuldades regimentais e que pela sua opinião mostrava especial deferência nas reuniões do Conselho da Presidência. Ninguém, como esse experiente e austero militar, tinha o culto da legalidade e o respeito pelo Direito: sem abdicar nunca da sua autoridade (e posso depor, porque tive a honra de trabalhar bastantes anos sob a sua presidência no Conselho do Império e de servir com ele como vice-presidente nesta mesma (Câmara), Eduardo Marques estudava e ouvia cautelosamente antes de decidir. E, por isso, na presidência da Câmara Corporativa, o general e o professor de Direito completavam-se: a idade não tolheu nunca a Eduardo Marques a firmeza na decisão, como a confiança do seu presidente não dispensou também em nenhum caso Fezas Vital de demoradamente reflectir e ponderar todas as dúvidas que por ele lhe fossem submetidas.

Lembro-me, como se fosse hoje, da noite de Junho de 1944, em que (exercia eu então o lugar de 2.º vice-presidente) nos foi comunicado o falecimento de Eduardo Marques, Juntos, Fezas Vital e eu, dirigimo-nos ao Instituto Português de (Oncologia e aí com o coração amargurado pela perda do amigo respeitado e venerado, tomámos as primeiras disposições sobre os funerais. Passava da meia-noite quando resolvemos vir a S. Bento para onde o féretro devia ser conduzido: aqui penetrámos sozinho, a acordar os ecos do palácio adormecido, para que tudo fosse preparado quanto antes, a fim de receber, horas depois, o corpo do 1.º presidente da Câmara Corporativa.

A partir dessa noite a sucessão de Fezas Vital na presidência da Câmara era um facto indiscutido: dentro e fora desta Casa todos a consideravam imposta por si mesma, consequência lógica e necessária da posição pessoal de Fezas Vital e do papel que, como 1.º vice-presidente, desempenhava havia oito anos. A eleição de aqui o colocou meses depois foi mera formalidade: a escolha estava unanimemente feita desde que a vaga se abrira.

Nunca Fezas Vital exerceu funções, salvo talvez a reitoria da Universidade de Coimbra, cujo exercício lhe proporcionasse tamanho prazer de espírito. A presidência desta Câmara era o seu desvelo e o seu orgulho: nela culminava a dedicação, votada desde a primeira hora, à jovem instituição, e através dela se exprimia a sua ânsia de colaboração na tentativa de novo ordenamento do Estado conduzida por Salazar.

Sei, por isso, o sacrifício que representou para ele abandonar este cargo, quando tudo fazia esperar que o exercesse durante muitos anos mais.

Como a Fezas Vital, o que caracterizava dominantemente a personalidade de Vicente Ferreira era a sua vocação de professor. Este engenheiro era acima de tudo um intelectual. Técnico, adquirira hábitos admiráveis de ordem, de método, de rigor, de medida, de disciplina, de clareza; universitário, não se confinou nunca, na sua especialidade, e quer por via da política, que o lançou nos estudos de economia, de finanças e de colonização, quer por amor desinteressado à cultura,