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24 DE FEVEREIRO DE 1953 690-(7)

Câmara abrange, pois, dois períodos distintos. O primeiro - período de actividade política - vai desde Junho de 1912, data em que Vicente Ferreira assumiu pela primeira vez a gerência da pasta das Finanças, até Novembro de l928,- exonerou do cargo de alto-comissário de Angola. O segundo - período de colaboração técnica, burocrática e doutrinária - decorre desde 1928 até à sua morte, e nele avultam (além do munus decente, comum a ambos os períodos) as suas participações valiosas nos trabalhos da Conferência Económica Imperial, do Conselho do Império e da Câmara Corporativa. Vicente Ferreira não é apenas o político activo de 1912-1928, nem apenas o pensador, o filósofo, o didacta, o conselheiro técnico de l928-1953. Não anos daria de maneira fiel a personalidade íntegra. afirmativa e coerente deste homem público quem procurasse apagar na sua biografia qualquer destes períodos. O primeiro foi de luta áspera e difícil. Duas vezes Ministro das Finanças, em 1912 3 3m 1921. Vicente Ferreira assumiu a gerência da pasta das Colónias, no Ministério nacionalista de I923, resultante da concentração das direitas republicanas. Ministério que, sem maioria parlamentar e sem unidade na sua frente interna, procurou, com louvável espírito de sacrifício, encontrar para a crise grave em que se debatia a política portuguesa a solução constitucional que ela não chegou a ter. Sobraçava então a pasta da Guerra - não posso neste momento esquecê-lo - uma nobre figura de militar, alto, louro, esbelto, modelo de elegância e de distinção, que nem Vicente Ferreira nem eu conhecíamos ainda e que nos deu a todos, quando lhe apertámos a mão pela primeira vez, a impressão aristocrática de um Douglas da Escócia ao carur sanglant que viera assentar-se connosco na bancada ministerial. O general Óscar Carmona começava então a fulgurante carreira política que havia de levá-lo, não apenas à mais alta magistratura do Estado, mas ao coração de todos os Portugueses. Não foi longa a vida deste Governo. Mas. por breve que fosse, deu-me tempo bastante para admirar as qualidades políticas de Vicente Ferreira, a firmeza das suas atitudes, a prudência dos seus juízos, a vastidão da sua cultura. Homem de Estado lhe chamei eu no inicio destas palavras. Julgo de inteira justiça classificá-lo assim. Estadista é, por definição, aquele mestre da política prática cuja capacidade de governo abrange e domina todo o complexo de problemas do Estado e que ao mesmo tempo possui a informação exaustiva, a acuidade de percepção, a destreza de raciocínio, o poder de penetração psicológica, a facilidade de expressão verbal necessárias para falando ou escrevendo pôr em equação qualquer desses problemas. Vi o engenheiro Vicente Ferreira nos Conselhos de Ministros abordar sem estorço todas as questões que se apresentavam ao seu exame, fosse qual fosse a pasta por onde elas corriam. Exige a concepção do homem de Estado a rapidez de decisão, a integridade de carácter, a envergadura moral, a fidelidade aos princípios e a si mesmo, a tolerância, a abnegação, a austeridade - a "virtude", enfim, palavra tão grata à antiguidade clássica e tantas vezes repetida, junto da loba de bronze, pêlos oradores da velha Roma. Quem duvidará de que Vicente Ferreira foi um homem de bem? Goëthe, de cuja memória resplandecente Thomas Manu fez a divindade tutelar do novo Humanismo, escreveu um dia: "Governar é fácil; pensar ê mais difícil; mas muito mais difícil ainda é governar e pensar coerentemente de acordo com os ditames da nossa consciência". Estas palavras definem moral e mentalmente o estadista. Vicente Ferreira poderia tê-las aplicado a si próprio.

O que há de particularmente doloroso nesse agitado período da nossa história política é a falta de harmonia e de proporções entre o mérito real de certos homens de Governo e a relativa pobreza da obra que eles produziram. Não tem o direito de queixar-se de que não possuiu valores uma época que tão prodigamente os desperdiçou. O mal - sejamos justos - não estava tanto nos homens como nas condições em que eles eram chamados a governar, dada a impermanência do Poder e a falta de continuidade da acção governativa. Vicente Ferreira (possuiu indiscutivelmente a capacidade; mas não dispôs da oportunidade. Todo o plano de governo exige um mínimo de tempo para a sua execução. Governar é, cada vez menos improvisar. As duas gerências de Vicente Ferreira na pasta das Finanças foram efémeras; a sua gerência na pasta das Colónias breve também. Só no cargo de alto-comissário de Angola, em cujo exercício permaneceu desde Maio de 1936 até Novembro de 1928, se demorou o tempo suficiente (e não foi muito: apenas ano e meio) para deixar uma obra digna do seu nome. Começou então. com o regresso de Angola, o segundo período, voluntariamente apagado, mas não menos notável, da vida pública de Vicente Ferreira. Perante a marcha dos, acontecimentos consequentes do acto militar de 1936 - de começo hesitante quanto aos princípios que informariam a ordem futura, depois claramente orientada em determinado sentido - Vicente Ferreira, que já abandonara os compromissos partidários, renunciou definitivamente a toda a actividade política. Não se considerava, em consciência, responsável pêlos erros do passado; mas estava demasiadamente ligado a ele para deixar de sentir-se também, como os seus colegas da véspera, vencido pelas circunstâncias, mais do que pêlos homens. Renunciar ã política não era, porém, voltar as costas à Nação. Continuou a servi-la, não já no Poder, que por vezes discretamente recusou, mas em (posições de segundo plano, em "lugares de sombra", como ele próprio dizia, em funções técnicas de informação, representação ou consulta, a que a sua experiência e a sua competência não podiam eximir-se. Data deste período a sua nomeação para o Conselho do Império e para a Câmara Corporativa. Os seus, pares naquele alto corpo consultivo sabem bem de que autoridade se revestiram sempre as intervenções de Vicente Ferreira, admiráveis de clareza, de desassombro e de probidade mental. Quanto à sua colaboração nesta Câmara, poderia eu dispensar-me de falar dela, tão de perto os Dignos Procuradores a conhecem. Vicente Ferreira - ainda há pouco o acentuei - fez parte do núcleo de homens que, desde a primeira legislatura, não só honraram a Câmara Corporativa, com o seu saber e com o seu talento, mas que (positivamente a "criaram", que tornaram possível a sua existência, que converteram em realidade viva o esboço tímido, do legislador, e que depois, no decurso de quatro presidências prestigiosas, asseguraram a sua eficiência, a sua unidade e a sua personalidade. Nenhum de nós sabe, naturalmente, que futuro estará reservado a esta Câmara; o que se pensará amanhã da sua organização e do seu funcionamento: como se projectará no tempo esta experiência, que tem, aliás, fundas raízes na nossa história. O que todos nós sabemos e o que o País sabe também - porque não se pode negar a evidência - é que ao fim de dezoito anos a Câmara Corporativa tem uma obra; que essa obra é constituída por alguns milhares de páginas de excelente doutrina em que se reflectem, esclarecem e informam alguns importantes problemas da administração pública portuguesa; e que entre os homens, que relataram os respectivos pareceres - na maior parte juristas - tem lugar de merecido relevo, pela independência do seu espírito, pelo rigor do seu método, pela luminosa precisão da sua prosa didáctica, o Procurador Vicente Ferreira.

Uma das características desta Câmara, Sr. Presidente, está em ser, não a Câmara em que se fala (o luxo da eloquência é para nós excepcional), mas a Câmara em