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690-(10) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 205

possuía um cabedal vastíssimo de conhecimentos, que procurava insaciavelmente alargar.

Também Vicente Ferreira foi, como relator nesta Câmara, um modelo. O primeiro parecer que relatou tem a data de 7 de Fevereiro de 1930 e versou a célebre proposta de lei de reconstituição conómica. O último foi de há dias, acabou-o já no leito da morte: é de 22 de Janeiro de 1953. Neste período de dezoito anos. contados quase dia a dia, o trabalho de Vicente Ferreira foi, como o digno Procurador Júlio Dantas acabou de recordar, extraordinário. Não se sabe que mais admirar nos seus pareceres: se a limpidez da prosa, se a ordem das matérias, se a riqueza de informarão, se a elegância, dos juízos, se o primor das conclusões! E em tudo isto o último não difere do primeiro. O decreto-lei que tributou a sobrevalorização de alguns produtos do ultramar suscitara, como VV. Ex.ª se lembram, acesas discussões. Ao chegar o diploma à Câmara, votada a ratificação com emendas pela Assembleia Nacional, não faltou quem se atemorizasse perante a magnitude e o melindre do problema. Foi a sua dedicação a esta Casa que levou Vicente Ferreira, muito doente embora, a tomar sobre si a redacção do parecer, quando de todos os Procuradores pressentidos para o efeito era o que mais razões tinha para se escusar. O serviço que com a aceitação do encargo nos prestou só eu estou em condições de o avaliar. Mas aceitou com a intenção e com a preocupação de cumprir. E ninguém dirá ao ler o seu derradeiro parecer, que foi relatado por um ancião de quase 80 anos. nos últimos meses da sua vida, já ferido sem remédio pelo mal que havia de matá-lo.

Vicente Ferreira foi, pois, um grande relator em cujos pareceres há modelos de forma e tratados de doutrina que ficarão para sempre como monumentos do labor desta Câmara.

Mas outros serviços prestou ainda a esta Casa. Presidente da Comissão do Regimento, logo no início da Câmara, pertenceu ao Conselho da Presidência desde 1936 até à sua morte. E o Conselho da Presidência como que um senado dentro da Câmara, cujos membros aconselham e auxiliam o presidente na difícil tarefa de conduzir as vinte e tantas secções especializadas que aqui temos. Guardião das tradições que se vão criando, síntese e consciência de uma assembleia compartimentada e tão poucas vezes reunida em plenário, o Conselho da Presidência desempenha um papel de primeira importância na nossa orgânica.

Nele tinha Vicente Ferreira voz sempre escutada com veneração, voto sempre acatado com respeito.

Em seis sessões legislativas consecutivas, de 1935 a 1941, também Vicente Ferreira exerceu as funções de 2.° vice-presidente. Coube-me suceder-lhe nesse cargo. Depois de ter estado alguns anos ausente dos trabalhos da Câmara regressei a eles, a convite do Sr. Presidente do Conselho, em Novembro de 1942, e fui surpreendido logo pela minha eleição para a vice-presidência. Ouvi então dizer que se julgava conveniente não imobilizar demasiadamente todos os cargos da Mesa e proporcionar certa rotação de pessoas. Se me lisonjeou a escolha, penalizou-me a substituição. Tive depois ensejo de manifestar ao meu ilustre antecessor a alta consideração e apreço em que o tinha, nomeando-o, quando Ministro das Colónias, vice-presidente do Conselho do Império Colonial, órgão prestigioso e que ambos pertencemos durante bastantes anos e onde eu tanto aprendi com homens da têmpera, da formação e do valor de Eduardo Marques e de Vicente Ferreira.

Meus senhores: o Doutor Domingos Fezas Vital não fazia parte desta Câmara desde 1946: mas não deixámos nunca de considerá-lo membro da sua família espiritual.

O engenheiro António Vicente Ferreira, esse continuava no exercício das funções que, nas secções de Obras públicas ou de Política e economia coloniais, desempenhava desde o primeiro dia da existência da Câmara: e com a sua perda a Câmara ficou mais pobre.

As instituições políticas vivem da utilidade da sua função no presente e do prestígio das suas tradições no passado. A Câmara Corporativa impôs-se primeiro pelo interesse dos seus, estudos, a cuja colecção já é impossível deixar de recorrer quando se queira versar qualquer problema fundamental da administração pública portuguesa; impôs-se pela genuinidade, da sua composição, pela alta qualidade dos seus juristas e pelo teor dos seus trabalhos, legislativos. Mas o tempo vai correndo sobre ela ... A autoridade que lira do seu préstimo actual - que se procura aumentar sempre - vai acrescendo assim a que lhe vem da obra realizada e da constelação de valores intelectuais e morais que, em representação de todos os sectores da vida portuguesa, tem passado pelas salas discretas onde se realizam as suas reuniões.

Aí, sob a égide dos superiores interesses da Pátria. se têm juntado homens das mais diversas proveniências, pela classe social, pela profissão, pelas actividades, pela ideologia, pela cultura, pela religião . . . Pois é essa diversidade, voluntariamente procurada por força da própria natureza e estrutura da Câmara, que faz o encanto do seu ambiente, enriquece as suas discussões a força a elevar o nível dos seus trabalhos.

A junção de hoje na nossa homenagem, na nossa memória e na nossa saudade de dois homens na aparência em posições tão opostas como Vicente Ferreira e Fezas Vital corresponde assim ao próprio carácter da instituição que profundamente se honra em contá-los ambos, tais como foram, no número dos que mais contribuíram para que a experiência por ela representada vingasse de modo a tornar-se a explêndida realidade de que todos nos orgulhamos e de que espero ainda mais se orgulhem os vindouros.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Dignos Procuradores que entraram durante a sessão:

Albano de Sousa.
Francisco José Vieira Machado.
João Mendes Ribeiro.
Dignos Procuradores que faltaram à sessão:
Afonso Rodrigues Queiró.
Alfredo Augusto de Almeida.
Álvaro Salvação Barreto.
Álvaro Valente de Araújo.
António Avelino Gonçalves.
Carlos Pereira da Cruz Cardoso.
Fernando Emídio da Silva.
Isidoro Augusto Farinas de Almeida.
Joaquim Moniz de Sá Corte-Real e Amaral.
José Custódio Nunes.
Luís Maria da Câmara Pina.
Manuel Augusto José de Melo.
Reinaldo dos Santos.
Raul da Costa Couvreur.

O REDACTOR - Luís Pereira Coutinho.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA