27 DE FEVEREIRO DE 1953 723
Vivemos numa época do war-party, em que a coordenação é mais do que um problema económico - um problema de estratégia.
Não podemos supor, como Conink, que «le rail est mort, vive la route». Não é uma verdade de ontem e muito menos um erro de amanhã. O saudoso Prof. Vicente Ferreira, os Srs. Profs. Doutores Rui Ulrich e Faria Lapa demonstraram que os caminhos de ferro asseguram o transporte das grandes massas a grandes distâncias num mínimo de tempo e com o máximo de segurança.
De facto, os caminhos de ferro, porque o seu trilho é de aço, material resistente ao esmagamento e ao desgaste, atinge, por veículo, capacidade de carregamento superior à .camionagem, com o privilégio da modicidade de preços para largas distâncias e grande massa de mercadorias. Mas esta modicidade de preços não salvou os caminhos de ferro. E porquê? Porque a camionagem conseguiu apropriar-se de uma parte importante do tráfego de passageiros e mercadorias pela frequência de serviços e possibilidade de Utilização em centros bem afastados, embora, pela exigência de fracos mas rápidos reabastecimentos, com a supressão de - multiplicidade de cargas e descargas, poupando tempo e despesas, riscos de avarias e embalagens menos sólidas e custosas.
A nossa legislação procurou definir, analisadas as vantagens e defeitos dos dois ramos de transportes, a sua respectiva função, mas, dentro em pouco, realizado, em face dos inextricáveis interesses materiais e das situações preestabelecidas, criou-se uma legislação que não vive bem dentro da lei, mas na extensão dos despachos p portarias, etc., e talvez com muitos mais et ceteras.
Um plano de circulação é o que falta, que bem determine e retrace as nossas grandes artérias circulatórias, com quadro de distribuição de transportes terrestres no continente, com a mútua interferência de funções nesses transportes, com a rarefacção nuns locais e acumulação bem inflacionada noutros, com a camionagem de aluguer sem percursos definidos impensadamente concorrente aos caminhos de ferro e até concorrente de si própria, dando um certo aspecto de desordem e desorganização, numa euforia de relaxamento de preços, aviltados numa pletora de meios circulatórios. Nessa concorrência à espera de uma trégua que não chega e ainda mais é irritada pelo encarecimento dos carburantes, dos automóveis e dos seus acessórios.
O carácter público do serviço de transportes sopra para longe o critério simplista de livre concorrência. Os caminhos de ferro vegetam economicamente. Porquê? Pela fuga do tráfego? Um pouco, mas também muito mais por um apetrechamento vagaroso, que mal tem repercussão na economicidade das comunicações. Os impostos ferroviários e de camionagem nunca viram fazer-se em torno deles a sua perequação, com uma justa distribuição de tributos, recaindo por igual sobre todas as actividades transportadoras. O que está é mais uma mancha tributária vizinha da saturação e que encobre os autotransportadores, únicos beneficiários de uma quase isenção.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª põe isso na generalidade?
O Orador: - O autotransportador a que me refiro é que faz do transporte sofismadamente a indústria primacial, e não como acessório doutra indústria ou comércio.
O Sr. Melo Machado: - Agradecia que V. Ex.ª não pusesse esse problema na generalidade, porque há muita gente séria que tem os seus transportes.
O Orador: - Não o ponho na generalidade, mas refiro-me apenas aos autotransportadores que sofismam essa qualidade. Agradeço a interrupção de V. Ex.ª para melhor esclarecer.
O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-me licença? Os autotransportadores a que V. Ex.ª se refere não são as pessoas que se transportam a si próprias, ou são, visando, nesta última hipótese, a caracterização dos próprios transportes?
O Orador: - Os autotransportadores são aqueles que se servem dos transportes como acessório de outra indústria ou comércio.
O Sr. Amaral Neto: - Como elemento de exploração.
O Orador: - As receitas arrecadadas são a demonstração cabal de que ,o problema tem sido mal posto. A gasolina, os pneus e a importação de carros pesam de tal forma na nossa balança comercial que o caso é para ser devidamente considerado, e basta para tal consultar as estatísticas do Ministério das Comunicações.
Faz-se outra vez a pergunta: onde está gizado oficialmente o plano das comunicações terrestres? Sem ele o problema não pode ser enquadrado, é trabalhar às escuras, de olhos vendados economicamente.
A C. P., prestadas as homenagens de consideração ao seu esforço meritório para resolver os problemas difíceis que se antolham aos seus administradores, em especial aos que representam o Estado, tem de ver o seu problema objectivado em torno dos relatórios que apresentaram, e por esses dificilmente se podem estabelecer os custos em matéria de transportes ferroviários, mesmo encarados no seu aspecto complexivo. Vemos felizmente que as receitas em 1947 foram de
713 000 contos e em 1931 de 616 000 contos e, respectivamente, as suas despesas de exploração de 671 000 e 607 000. Por esta simples indicação se verifica que as receitas e despesas em comparação tiveram uma baixa quase de um quinto.
As causas que fundamentalmente provocaram a baixa das despesas de exploração devem ter - sido de três ordens: modificação dos meios técnicos de exploração, redução ao estritamente indispensável Já s obras de conservação e 1.º estabelecimento; supressão absoluta da admissão de novo pessoal e retardamento do ritmo das promoções existentes. Dos relatórios da C. P. não se conclui: primeiro, a importância, e proporção de cada um desses factores; segundo, se só SP faz redução de despesas à custa de uma ineficiência económico-técnica de exploração.
Os meios técnicos do exploração são reduzidos a dois escalões, de execução imediata e demorada, reapetrechamento esse tomando em consideração os meios técnicos. Ao que parece, conclui-se dos relatórios da C. P. que a melhor comercialização de exploração, se ,foi encarada, não foi anunciada como o elemento de redução de despesas, e o equilíbrio só se fez porque o Estado perdeu o imposto ferroviário a favor do subsídio, o diferencial de preços do combustível e sobretudo as achegas do Fundo do Fomento, que lhe permitiram realizar largas operações de crédito. Continuo a insistir sobre a falta de um plano de comunicações terrestres, uma boa conjugação das duas vias de comunicação, de modo a impedir uma certa inflação regional de meios transportadores. Esse plano ferroviário e de camionagem daria uma justa ideia dessa distribuição de serviços circulatórios. A desnatação do tráfego pelo acréscimo de tonelagem das mercadorias menos valorosas e o decréscimo das mais valorosas não foi pensado, bem como o desaproveitamento do tráfego das classes superiores, de passageiros e o reajustamento de um desequilíbrio tributário.