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1026 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 224

O trabalho passou a ser uma mercadoria e, como estávamos em regime liberal, teve as suas bolsas e cotações.
O baixo salário obrigou o operário a lançar mão do trabalho da mulher e dos filhos para poder viver. Aí vêm a mulher e a criança para a promiscuidade das fábricas e minas, sujeitas a um trabalho esgotante de sol a sol.
Assim começou a desagregação da família e também a revolta contra a miséria.
Organizam-se então os sindicatos, inicia-se a luta e surge a questão social.
Não temos já os velhos grémios de artes e ofícios, mus sindicatos organizados com o fim de lutarem pela defesa dos direitos dos trabalhadores.
Nessa luta em defesa de melhor salário das mulheres e das crianças e da fixação do dia de trabalho houve que recorrer às greves e, para sustentar as greves, às «caixas de resistência». Daqui veio a primeira ideia de utilizar essas «caixas de resistência» para iniciar uma modalidade nova de previdência. Chegamos assim à previdência sindical.
Quanto aos montepios, com os quais se pretendeu substituir os montes-de-piedade criados pela Igreja, precisamente porque se organizaram quando o trabalhador não tinha capacidade económica nem possibilidades para manter o seu lar, quem neles ingressou foram os pequenos comerciantes, os pequenos proprietários, os modestos funcionários públicos e, sobretudo, os membros das profissões liberais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta organização é, na verdade, marginal ao mundo do trabalho.
Como é que apareceu a ideia do seguro?
O Estado liberal tinira como postulado filosófico-político a ideia de liberdade e foi com ela que se preocupou; o socialismo viria reivindicar, depois, a ideia de igualdade. Portanto, o Estado preocupa-se essencialmente em garantir aos indivíduos, livres e iguais, o exercício da liberdade. A função do Estado é garantir a ordem, para que cada qual possa realizar os seus fins usando da sua liberdade e autonomia.
O Estado é, pois, um produtor de ordem, um Estado polícia, não intervencionista.
A reacção dos operários e o seu clamor contra o trabalho esgotante das mulheres e das crianças forçam, porém, o Estado a intervir, proibindo-o ou regulamentando-o quanto à duração e modo de prestação.
Este foi o primeiro desvio intervencionista do Estado liberal.
Na Alemanha o fundamento do Estado era a realização do bem público; para a ética política alemã o indivíduo só valia como ser social e enquanto integrado na vida em sociedade. O fim do Estado não era, assim, o indivíduo, mas, como acentuei, a realização do bem público.
O Estado alemão estava deste modo, filosófica e politicamente, justificado para intervir no mundo do trabalho e realizar também aí o que fosse requerido pelo bem público. Daqui que na Alemanha se tivesse iniciado o seguro obrigatório do trabalhador.
Surgem aqui as sociedades de socorros mútuos dos mineiros, de iniciativa privada e base bipartida - operário-patrão. Como era morosa a acção da iniciativa privada e urgente alargar a todos os mineiros a protecção de tais associações, o Estado, em 1854, dá o passo decisivo e torna-as obrigatórias para todos os mineiros. Procura ainda fomentar, ao lado das mutualidades voluntárias, a criação de caixas municipais e distritais.
E, em todo o caso, isso ainda não bastou.
O socialismo continuava a minar os fundamentos do Estado, reclamando muito mais.
Foi então que o chanceler Bismarck, para defender o Estado e poder tirar a iniciativa aos socialistas, faz votar em 1883, 1884 e 1889 as famosas leis do seguro social obrigatório contra a doença, os acidentes de trabalho, a velhice e a invalidez.
Deu-se, assim, o primeiro passo para a organização do seguro social obrigatório.
Como se fundamentou este seguro? Começou-se, naturalmente, pelos acidentes de trabalho, que as máquinas multiplicaram e agravaram.
Como se fundamentou juridicamente este seguro social? Começou-se pela velha teoria romanística da culpa subjectiva: o operário teria de provar sempre que o acidente fora devido a culpa do patrão. A obrigatoriedade desta prova tornou, como é evidente, muito precária a protecção contra os acidentes de trabalho. Era necessário fundamentar a responsabilidade de modo diferente para garantir uma protecção eficaz.
E como se passou da teoria da culpa subjectiva para a teoria da responsabilidade objectiva? Também aqui foi a Alemanha que deu o primeiro passo.
Na legislação sobre caminhos de ferro estabeleceu que a direcção da empresa seria sempre responsável pelos acidentes sucedidos às pessoas e mercadorias transportadas, se não pudesse provar a culpa da vitima ou caso de força maior.
Tinha-se dado, portanto, o salto jurídico para se começar a erguer a teoria da responsabilidade objectiva. Deu-se aqui uma inversão do ónus da prova, chegando-se depois, por sucessiva evolução jurídica, à teoria da responsabilidade objectiva.
Invertido o ónus da prova, alarga-se o mesmo conceito às minas e aos acidentes provocados pelos empregados, gerentes ou outros operários.
E é depois a Suíça que vem determinar, nos mesmos termos, a sua aplicação relativamente aos operários fabris: o fabricante é responsável pelos acidentes sucedidos na fábrica aos trabalhadores ou empregados, sempre que não possa provar a culpa da vítima ou caso de força maior. Já não tinha interesse saber se havia ou não culpa do patrão.
Havia aqui uma relação de causa e efeito entre o acidente e a forma especifica do trabalho: o risco.
Durante o período de luta para a organização do seguro contra acidentes de trabalho uma das bandeiras de reivindicação dos trabalhadores era esta frase justiceira, que ainda hoje se não lê sem emoção: «Reparai-nos como reparais as vossas máquinas».
Mas, se estava encontrado o fundamento jurídico para a responsabilidade objectiva quanto aos acidentes de trabalho, relativamente ao seguro por doença, invalidez ou velhice já era mais difícil a sua determinação, porque envelhecer todos envelhecem e uma fatalidade a todos acontece. Daí ser difícil encontrar o necessário vinculo jurídico.
Tentou-se construí-lo raciocinando-se assim: o trabalhador é um produtor de riqueza, do qual o patrão beneficia. Sendo assim, o patrão tem de tomar em consideração que, se beneficia do trabalho do trabalhador, tem obrigação moral de o ajudar quando ele se invalida ou quando já não pode trabalhar. Isto no Estado informado por certa teoria política.
O seguro de invalidez e velhice, por falta de vínculo jurídico entre patrão e operário, levou à adopção do sistema do seguro obrigatório do Estado.
Neste caso, porém, ainda o Estado não pôde por si só tomar esse encargo, pela sua repercussão na ordem financeira e económica, e obrigou o próprio trabalhador a contribuir, bem como o patrão.